Fraternidade e fome

Caderno  Fé e Cidadania
do jornal “O São Paulo”

Uma parceria com o Núcleo Fé e Cultura e com o Núcleo de Estudos de Doutrina Social da Faculdade de Direito da PUC-SP


Dai-lhes vós mesmos de comer

Wagner Balera

A questão da fome na Doutrina Social da Igreja

Marli Pirozelli N. Silva

A fome, um desafio que pode ser vencido

Núcleo Fé e Cultura

Quantos brasileiros passam fome?

Redação

Economia de Francisco e Clara na Quaresma

Alan Faria Andrade Silva

Agricultura familiar no Brasil

Rodrigo Gastalho Moreira

Migração e fome

Pe. Alfredo José Gonçalves, CS

Ratzinger – Bento XVI desconhecido

(O São Paulo: Caderno Fé e Cultura)

Um outro olhar sobre Bento XVI

Núcleo Fé e Cultura

A teologia de Bento XVI integra razão e coração

Monja beneditina camaldulense

O olhar de Cristo e o desenvolvimento humano integral

Na mensagem Quaresmal de 2006, Bento XVI fala sobre as raízes cristãs do desenvolvimento integral.

A doutrina social da igreja a partir do amor

Francisco Borba Ribeiro Neto

Mesmo na sociedade mais justa, teremos necessidade do amor

Passagem da encíclica Deus caritas est, versando sobre a relação entre o amor e a justiça.

O legado de Bento XVI sobre política, justiça e amor

Daniela Jorge Milani

Não possuímos a verdade, ela é que nos possui

Discurso de Bento XVI à Cúria Romana

O diálogo inter-religioso segundo Ratzinger

Trecho de artigo de J. Ratzinger publicado em Communio: International Catholic Review.

A herança litúrgica do Papa Bento XVI

Dom Antonio Luiz Catelan Ferreira

Bento XVI, o Magno

Paulo Henrique Cremoneze

A busca pela verdade e a tristeza pelas desgraças do mundo

Bento XVI fala à universidade laica: o que um papa católico pode dizer a todos, tenham ou não fé em Cristo?

Bento XVI: o fundamento que nos permite ir mais além

Francisco Borba Ribeiro Neto

Ratzinger – Bento XVI: roteiros de leitura

Rudy Albino de Assunção

Análise – Ratzinger, da vaia ao aplauso

Pe. José Eduardo de Oliveira e Silva

Caderno Fé e Cultura: quando ciência e Cristianismo se encontram

Quando ciência e Cristianismo se encontram na busca da sabedoria

Núcleo Fé e Cultura. É notório que o Cristianismo buscou desde logo o diálogo com a Filosofia, reconhecendo a validade e até a necessidade da busca humana pela verdade e pelo conhecimento sobre o … Leia mais

A Igreja e a árvore das ciências

Marina Milanello do Amaral Pais. “Precisaria a Igreja da ciência? Certamente que não, a cruz e o Evangelho bastam-lhe. Mas ao cristão nada de humano é alheio. Como poderia a Igreja desinteressar-se da mais nobre … Leia mais

São Francisco e a ciência da experiência

Marcos Aurélio Fernandes. Como a espiritualidade e a mística franciscanas ajudaram a moldar a ciência moderna. Ciência é uma forma de saber e de consciência humana sempre a caminho e em transformação. Cada … Leia mais

Uma saga humana da transcendência dos próprios limites

Rafael Ruiz. A minissérie Sem Limites, produzida pela Amazon Prime e RTVE, rememora uma das gestas mais grandiosas da navegação de todos os tempos: a primeira vez que alguns homens, comandados pelo … Leia mais

Poetas, policiais e anarquistas: a aventura humana segundo Chesterton

Raúl Cesar Gouveia Fernandes. A diversificada obra do escritor inglês Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) abrange os campos da Filosofia, da Teologia e da Literatura. Sua criação mais famosa talvez sejam os contos protagonizados por … Leia mais

O mapa do Brasil dividido

Francisco Borba Ribeiro Neto. Interesses e posições diferentes são inevitáveis na política, mas, quando não existe compreensão mútua, são impossíveis diálogo e consenso … Leia mais

Política e eleições a partir das reflexões do Papa Francisco e da Doutrina Social da Igreja

Diante de um quadro político extremamente agressivo e polarizado, as comunidades católicas têm tido dificuldade para dialogar sobre as escolhas a serem feitas nas eleições que se aproximam. Multiplicam-se, dentro do ambiente eclesial, as “bolhas ideológicas”, onde as pessoas tendem a concordar entre si, mas não contemplam os argumentos contrários. Nesse clima, as reflexões podem até ser frutíferas, permitindo aprofundar posições já cristalizadas, mas não colaboram para o diálogo constantemente proposto pelo Papa Francisco (cf. Discurso no encontro com a classe dirigente do Brasil; Querida Amazonia, QA 108; Fratelli tutti, FT 198ss).

Em função disso o Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP propõe, a partir do Compêndio da Doutrina Social da Igreja e da encíclica Fratelli tutti, do Papa Francisco, a reflexão sobre três questões polêmicas relacionadas à política e às eleições que se aproximam:

  1. Estamos cansados de política, devemos mesmo refletir sobre isso? Como dialogar sem dividir nossas comunidades e nossas famílias?
  2. Os católicos deveriam ter um partido ou votar obrigatoriamente em alguns candidatos e não em outros?
  3. Existem mesmo princípios irrenunciáveis que devem orientar as escolhas políticas dos católicos? Se existem, quais são?

Para cada questão é apresentada a posição da Igreja, conforme expressa nos documentos citados, e uma discussão sobre as objeções levantadas com mais frequência a essas posições. Existe sempre, em cada resposta, a preocupação de ouvir e responder às objeções levantadas por posições antagônicas no debate ideológico, buscando construir uma visão integral e não partidarizada de cada tema.

Para aprofundar qualquer um desses temas ou para solicitar assessoria para encontros, envie um e-mail fecultura@pucsp.br.

A defesa da vida sem partidarismos

Uma declaração, no mínimo infeliz, de Lula trouxe de volta o tema do aborto para o debate eleitoral. Os textos do Magistério são bastante claros a esse respeito: “a consciência cristã bem formada não permite a ninguém favorecer, com o próprio voto, a atuação de um programa político ou de uma só lei, onde os conteúdos fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos com a apresentação de propostas alternativas ou contrárias aos mesmos” (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Nota doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política. Roma, 2002). Nesse mesmo documento, a defesa da vida, condenando o aborto e a eutanásia, são considerados como “princípios irrenunciáveis”. Daí o famoso lema “católico não vota em abortista”, simples e prático, que deveria funcionar como uma espécie de “divisor de águas” moral a orientar nosso voto. Contudo, muitos católicos se sentem incomodados com sua aplicação automática e sem questionamentos. Esse texto é voltado justamente a esses que se sentem incomodados e procura explicar alguns dos problemas mais comumente percebidos.

A insegurança se deve a dois fatores. Muitos políticos, sem grande compromisso com o bem comum, até mesmo corruptos e mal-intencionados, perceberam que condenar publicamente o aborto lhes garantia votos cristãos (mesmo que sua atuação, no conjunto, ficasse bem distante da construção do bem comum). Sabendo disso, muitos católicos bem formados hesitam em dar seu voto a esses candidatos. Por outro lado, a forte propaganda pró-aborto muitas vezes consegue ocultar o fato de que o embrião já é uma pessoa humana. Assim, candidatos bem-intencionados, mas ideologicamente contaminados, tomam posições pró-aborto – e como todo processo de convencimento não é exclusivamente racional, expor argumentos é importante, mas não basta para mudar a posição dessas pessoas bem-intencionadas, mas ideologicamente contaminadas.

Os princípios irrenunciáveis não são só um

Essa dificuldade em relação aos políticos se deve, em grande parte, a uma visão reduzida que nós mesmos temos dos princípios irrenunciáveis. A própria Nota doutrinal acima citada, elenca vários “princípios irrenunciáveis”. Considera, por exemplo, a defesa e promoção da família; a liberdade de educação; a tutela social dos menores e a libertação das vítimas das modernas formas de escravidão; a liberdade religiosa; o progresso para uma economia que esteja ao serviço da pessoa e do bem comum; a paz, que “exige a recusa radical e absoluta da violência”.

Dentro de uma visão integral, na qual todos esses princípios sejam considerados (não apenas em termos abstratos, mas em suas implicações concretas em termos de políticas públicas), se evidencia quando a condenação do aborto é apenas uma posição demagógica de um político. Ao mesmo tempo, surgem vários canais de comunicação e testemunho, que ajudam na difícil (mas necessária) tarefa de mostrar para certas pessoas, bem-intencionadas moralmente, mas ideologicamente enganadas, o valor da vida do nascituro.

Nesse aspecto, um sério obstáculo a uma posição católica coerente é a tendência a um falso “realismo político”, que nos leva a não criticar certas posições dos políticos porque, na prática, renunciamos a alguns princípios em nome de outros. Assim, uns renunciam à defesa da vida porque acreditam que candidatos pró-aborto estão mais comprometidos com uma economia voltada à pessoa humana, enquanto outros renunciam a uma economia voltada ao bem comum para garantir votos contrários ao aborto. Mas o sentido dos princípios irrenunciáveis é justamente a negação desse falso “realismo político”, que abandona certos princípios em nome de uma lógica partidária. O católico bem formado cobra de seus candidatos o compromisso não com um princípio ou outro, mas com TODOS eles – mesmo quando isso pode levar a um aparente enfraquecimento partidário.

A primazia do direito à vida

Ainda que existam vários princípios irrenunciáveis, o direito à vida tem evidentemente um lugar preponderante. Em primeiro lugar, nenhum dos demais princípios poderão ser aplicados se a pessoa não estiver viva. Além disso, tem um significado cultural: a primazia da vida se identifica com a primazia da pessoa, em oposição ao economicismo, ao coletivismo e ao individualismo, ao utilitarismo e à “cultura do descarte”.

Sua força, contudo, deve-se também a outros fatores, mais práticos e menos conceituais. A condenação do aborto tem uma carga afetiva inegável. Um dos aspectos mais cruéis daquilo que São João Paulo II chamou de “cultura da morte” é justamente a verdadeira amputação da humanidade das pessoas, ao fazer com que elas não percebam a vida que pulsa na criança por nascer. Mas, para aqueles que ainda não foram submetidos a essa operação ideológica, é inegável a carga afetiva e existencial associada à defesa da vida.

Por fim, não podemos negar que a condenação do aborto é um critério político muito simples e fácil de entender. Um princípio como a economia a serviço do bem comum depende, para sua aplicação, de uma série de considerações de caráter econômico. Por exemplo, até que ponto o mercado é um território determinado apenas pela busca do lucro e até onde é uma condição para garantir a liberdade pessoal e a construção mais efetiva do bem comum? Mesmo quando pensamos especificamente na defesa da vida, até que ponto as estratégias contra a pandemia de Covid-19 eram realmente indispensáveis e até onde eram fruto de uma certa visão ideológica de sociedade? São questões polêmicas, difíceis de se tornarem critérios evidentes, enquanto a condenação do aborto é objetiva e fácil de entender.

A questão partidária

A Igreja não toma posições partidárias. O Compêndio da Doutrina Social da Igreja lembra que “as instâncias da fé cristã dificilmente são assimiláveis a uma única posição política: pretender que um partido ou uma corrente política correspondam completamente às exigências da fé e da vida cristã gera equívocos perigosos. O cristão não pode encontrar um partido que corresponda plenamente às exigências éticas que nascem da fé e da pertença à Igreja” (CDSI 573). A opção partidária de cada cristão é pessoal, respeitando-se os “limites dos partidos e posições não incompatíveis com a fé e os valores cristãos” (CDSI 574).

No Brasil, nenhum partido foi tão explícito na defesa do aborto quanto o PT. Mas, nesse sentido, ele serve para mostrar o quanto uma militância sincera e comprometida faz a diferença. O partido continua majoritariamente pró-aborto, porém foi obrigado a abrandar seus posicionamentos particularmente após a segunda campanha de Dilma Rousseff para a presidência, quando percebeu que poderia perder muitos votos católicos se permanecesse em sua posição original. Assim, um católico simpatizante do PT é particularmente convidado a se comprometer com a defesa da vida e se tornar um instrumento de transformação dentro do partido, sem nunca deixar de denunciar seus erros e maus-feitos em função de uma conivência política.

Os que não desejam votar no PT também não estão isentos de uma responsabilidade nessa situação. Espera-se deles uma atenção redobrada com outros aspectos da construção do bem comum, para evitar que políticos mal-intencionados se aproveitem dos princípios irrenunciáveis para serem eleitos e depois não se comprometerem com o bem comum. Também eles podem trair os ideais de uma sociedade melhor em função de uma conivência política.

Uma decisão pessoal

O voto é uma decisão pessoal. Espera-se que tomemos essa decisão à luz de um discernimento cristão e nos ajudando mutuamente. Nas palavras da Gaudium et Spes, “embora as soluções propostas por uma e outra parte, mesmo independentemente da sua intenção, sejam por muitos facilmente vinculadas à mensagem evangélica, devem, no entanto, lembrar-se de que a ninguém é permitido, em tais casos, invocar exclusivamente a favor da própria opinião a autoridade da Igreja. Mas procurem sempre esclarecer-se mutuamente, num diálogo sincero, salvaguardando a caridade recíproca e atendendo, antes de mais, ao bem comum” (GS 43).

Que o critério da defesa da vida seja um princípio de discernimento útil para todos nós e que ajude na construção de um Brasil melhor, na próxima eleição e em todas as demais.

Francisco Borba Ribeiro Neto

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Imagem: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:BentoXVI-37-10052007.jpg

Catolicismo e educação

Saúde, promoção social e educação são três dimensões das políticas públicas que não podem ser compreendidas, na história da humanidade, sem passar diretamente pela experiência das comunidades cristãs. Por outro lado, um dos maiores obstáculos tanto para o desenvolvimento econômico quanto humano de nosso país é justamente a insuficiência do sistema educacional. Nada mais justo, portanto, que a Campanha da Fraternidade 2022 nos convide a refletir e agir em prol da educação.

 

O problema da qualidade

O Brasil, com os esforços das últimas décadas, está obtendo resultados relativamente bons na tentativa de garantir o acesso à escola para todos (apesar da grande piora decorrente da pandemia). Contudo, obtêm resultados ruins em testes internacionais que avaliam o aprendizado dos alunos. A qualidade do nosso ensino é muito baixa, comprometendo o futuro dos estudantes e o desenvolvimento tanto econômico quanto social do País. Ainda que os problemas de acesso e permanência não estejam definitivamente superados, a qualidade é o grande desafio atual da escola brasileira. A má qualidade caminha lado a lado, por exemplo, com a desindustrialização da economia brasileira das últimas décadas. Impacta a produtividade, a oferta de postos de trabalho e até o aumento do custo de vida…

A universalização da educação (escola para todos) se ajusta bem aos interesses dos políticos. Podem usar o aumento do número de vagas, do tempo de permanência na escola, da distribuição de merendas, para mostrar seu trabalho e ganhar votos. A qualidade do ensino é mais difícil de ser capitalizada. Os pais muitas vezes têm menos escolaridade que seus filhos, não conseguem acompanhar o trabalho dos professores e nem têm a percepção clara das oportunidades que os jovens estão perdendo por um ensino falho. Ainda que um ensino de qualidade seja fundamental para o futuro dos jovens, das comunidades e do País, ele é pouco determinante na defesa dos interesses eleitorais de grande parte dos políticos.

A escola particular (que se pensa como empresa) e a confessional (que se pensa como serviço à comunidade) são alternativas à má qualidade do ensino público, mas enfrentam dois problemas. Aprofundam a desigualdade social brasileira, reduzindo as chances daqueles que não podem pagar uma boa escola. Além disso, como o conjunto do sistema tende a ser medido pelo ensino público, escolas particulares mesmo que fracas tenderão a parecer fazendo um bom serviço.

Um pacto pela educação

Oferecer educação de qualidade a todos é uma tarefa objetivamente desafiadora para o Estado brasileiro. Apesar de sermos uma das maiores economias do mundo e pagarmos impostos considerados altos, os governos têm relativamente pouco dinheiro para atender ao tamanho da população e cobrir nossa grande extensão territorial. Por isso, precisamos de uma boa gestão dos recursos materiais e humanos disponíveis.

Papa Francisco é um ardoroso defensor de um pacto educativo global, um compromisso de todos os grupos e organizações sociais para a implementação de um ensino humanista integral, inclusivo e eficiente. A ideia reflete, sem dúvida, um desejo de toda a população brasileira, mas os resultados ruins e os escândalos de corrupção e ideologização da educação mostram que os governos não tomam as decisões políticas adequadas para melhorar a qualidade do ensino.

O papel de Estado

A educação é fundamental tanto para o desenvolvimento pessoal de cada cidadão quanto para o da nação como um todo. Por isso, é uma responsabilidade inevitável do Estado. Mesmo países tidos como exemplo para o pensamento neoliberal tem políticas estatais para a educação e algum tipo de acesso público à escola. Contudo, existem vários caminhos diferentes pelos quais o Estado pode cumprir sua missão. É um dos setores onde o princípio da subsidiariedade pode ser mais bem aplicado.

Esse princípio, fundamental para a doutrina social da Igreja, especifica que as instâncias governamentais superiores devem auxiliar (subsidiar) tanto as inferiores quanto as inciativas sociais, evitando determiná-las e permitindo seu protagonismo. Assim, a federação deve apoiar os governos estaduais e esses aos municípios, bem como todos os entes estatais devem apoiar soluções nascidas e geridas pelas comunidades. No caso do sistema educacional brasileiro, em teoria o ensino básico é deixado a cargo dos municípios, o médio aos governos estaduais e o superior às universidades. Em muitos países, o Estado aporta dinheiro para organizações não governamentais para que essas possam oferecer ensino gratuito à população – uma prática possível, mas muito pouco frequente no Brasil.

Em teoria, quanto mais descentralizado for o sistema escolar, maior o controle e o protagonismo das comunidades e famílias na fiscalização e tomada de decisões referentes à educação dos jovens. Desse modo, a subsidiariedade deveria minimizar tanto os confrontos ideológicos entre pais e professores quanto o mau uso das verbas públicas. Contudo, a sociedade brasileira ainda é pouco participante, exerce pouco seu direito ao controle e à fiscalização dos serviços públicos.

Uma comunidade participativa

O sistema educacional brasileiro já é relativamente descentralizado – ainda que exista uma concentração de verbas nas mãos do governo federal que tem gerado uma série de escândalos nos últimos tempos. Essa descentralização gera uma multiplicidade de experiências que podem nos indicar quais seriam os melhores caminhos a serem seguidos para termos uma educação de qualidade. Dois elementos aparecem em todos os casos de sucesso: (1) o protagonismo de alguns (governantes, gestores escolares, organizações não-governamentais, professores, pais…) que olham realisticamente para os problemas e criam soluções; (2) uma comunidade, formada pelas famílias dos estudantes e outras pessoas comprometidas, que dá apoio a esses que se esforçam na criação de soluções. Onde falta um desses elementos, o outro – mesmo que exista – tem dificuldade para construir uma escola eficiente e inclusiva.

Nessa Campanha da Fraternidade, podemos nos perguntar se nossas comunidades católicas estão gerando esses protagonistas em nome da educação? Até que ponto estamos dando apoio àqueles que estão lutando pela educação, não só em nível nacional, mas nas escolas que nossos filhos estudam? Gestores, professores, pais e alunos não são criaturas de outro planeta. Somos nós mesmos, são as pessoas que se sentam a nosso lado na missa dominical ou no encontro comunitário. Por isso nossas comunidades são chamadas a refletir juntas e dar apoio às iniciativas em prol de uma educação melhor.

O que a comunidade pode fazer

Uma primeira responsabilidade de todos nós, até óbvia, é saber o que está acontecendo nas escolas, participar dos grupos que ajudam nas atividades das escolas, saber quais políticos estão se comprometendo efetivamente com a educação – sem demagogias ou mal uso dos recursos públicos. E, evidentemente, ajudar com votos e apoio aqueles realmente comprometidos. Mas existe muito mais que pode ser feito.

O acompanhamento dos pais é fundamental para que as crianças se sintam estimuladas e responsabilizadas com a aprendizagem. Infelizmente, muitas famílias não têm condições de dar esse apoio. As jornadas de trabalho, alongadas pelo tempo de deslocamento nas grandes cidades, são um obstáculo objetivo. Muitas vezes os jovens já estão num nível escolar que não foi frequentado pelos pais – que não se consideram preparados para acompanhar o desempenho dos filhos. Diante dos vários questionamentos que a mentalidade hegemônica lança à autoridade familiar, muitos pais se sentem inseguros e não cumprem seu papel de orientador e disciplinador, que continua sendo necessário.

Nossas comunidades podem fazer muito para ajudar os pais nessas situações. Desde reflexões compartilhadas sobre os problemas até auxílios práticos, como grupos de adultos que se alternam para cuidar dos filhos, criação de grupos de jovens e de espaços de convivência nas comunidades. As possibilidades são muitas e aparecem na medida que procuramos conhecer realisticamente os problemas e nos comprometer com sua solução.

Francisco Borba Ribeiro Neto

Leia também:
A Campanha da Fraternidade 2022 e o Pacto Educativo Global
A defesa da vida sem partidarismos

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A sabedoria cristã diante das enchentes e dos desastres naturais

Francisco Borba Ribeiro Neto

O tempo do Natal e do Ano Novo é frequentemente marcado por desastres naturais, como as enchentes que, neste ano, ocorreram na Bahia e em Minas Gerais. Para nossa pobre compreensão da realidade, é um paradoxo que as comemorações do nascimento do Menino Deus sejam marcadas por tanto sofrimento e tanta dor. A reflexão e a racionalização sobre esses acontecimentos não trarão conforto aos que estão sofrendo, a esses só podemos dar nossas orações e nossa solidariedade material. Nos ajudam, porém, a entrar mais no mistério de Deus, que faz chover sobre bons e maus (cf. Mt 5, 45-46).

Diante da aflição das vítimas e das perdas humanas e materiais provocadas pelas enchentes, é impossível não se perguntar: por que Deus permite tais tragédias? Bento XVI, numa visita ao Campo de Concentração de Auschwitz-Birkenau, onde milhares de judeus foram mortos pelos nazistas, se perguntava: “Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou?”. Mais adiante respondia: “Nós não podemos perscrutar o segredo de Deus, vemos apenas fragmentos e enganamo-nos se pretendemos eleger-nos a juízes de Deus e da história […] devemos elevar um grito humilde, mas insistente a Deus: Desperta! Não te esqueças da tua criatura, o homem! E o nosso grito a Deus deve ao mesmo tempo ser um grito que penetra o nosso próprio coração, para que desperte em nós a presença escondida de Deus, para que aquele poder que Ele depositou nos nossos corações não seja coberto e sufocado em nós pela lama do egoísmo, do medo dos homens, da indiferença e do oportunismo”.

 

Solidariedade e perseverança

Falando às vítimas do tríplice desastre (terremoto, maremoto e acidente nuclear) de Fukushima, no Japão, Papa Francisco observou: “Ninguém se ‘reconstrói’ sozinho, ninguém pode começar de novo sozinho. É essencial encontrar uma mão amiga, uma mão irmã, capaz de ajudar a erguer não só a cidade, mas também o olhar e a esperança […] Por isso, convido-vos a avançar um pouco cada dia na construção do futuro, baseado na solidariedade e empenho recíproco”.

A força da solidariedade é necessária não só para responder às necessidades materiais imediatas, mas para dar esperança e coragem para reconstruir a terra e a vida devastadas pela catástrofe. Todos nós fazemos, em algum momento da vida, a experiência de como uma companhia amiga nos ajuda a enfrentar as adversidades. O que vale para nós, talvez numa pequena relação pessoal, vale para toda a sociedade num momento de dificuldade.

Juntas, a perseverança e a solidariedade se tornam um sinal de esperança para o mundo. Francisco prossegue: “No trabalho contínuo de recuperação e reconstrução […] muitas mãos se devem juntar e muitos corações se devem unir como se fossem um só. Desta forma, as pessoas que sofreram receberão apoio e saberão que não foram esquecidas. Saberão que muitas pessoas compartilham, ativa e eficazmente, o seu sofrimento e continuarão a estender uma mão fraterna para ajudar. Mais uma vez, louvemos e demos graças por todos aqueles que procuraram, com simplicidade, aliviar o peso das vítimas. Que esta compaixão seja o caminho que permita a todos encontrar esperança, estabilidade e segurança para o futuro”.

Além disso, a empatia e o compromisso com os que sofrem nos ajudam a sair de nosso individualismo, a viver o encontro com nossos irmãos que sofrem e com o próprio Cristo. “A fé diz-nos que se faz a Cristo quanto se realiza em favor de quem se encontra na necessidade e no sofrimento (cf. Mt 25, 40)”, lembrou São João Paulo II numa visita a Assis, após o terremoto que destruiu a região no Ano Novo de 1998.

 

O papel do Estado

As ponderações da Igreja sobre os desastres naturais referem-se também a questões muito práticas. Numa intervenção comentando as consequências do “tsunami” que se abateu sobre o sudeste asiático em 2004, Dom Celestino Migliore, na época delegado da Santa Sé junto à ONU, lembrou a importância das ações humanitárias e da cooperação internacional em situações de desastre natural. Os recursos recebidos são sempre importantes, mas necessitam de estruturas capazes de recebê-los e dar-lhes rapidamente a melhor destinação. Além dos auxílios emergenciais que se seguem ao momento do desastre, observou que também são necessários apoios a médio e longo prazo, para o processo de reconstrução, sempre demorado e difícil.

Desastres ambientais, à primeira vista, parecem atingir a todos igualmente. Contudo, como notou Francisco na Laudato si’ (LS 25, 29, 48ss), os mais pobres são quase sempre os mais atingidos, pois moram em áreas de maior risco – tanto é que os jornais noticiam, como algo inesperado, quando um condomínio de luxo é afetado pelas inundações na Bahia ou pelos incêndios na Califórnia. Daí a atenção do delegado da Santa Sé, nesta intervenção, em sublinhar a importância da ação dos governos e da cooperação entre as nações para minimizar o sofrimento de todos, mas em particular desses mais vulneráveis.

Dom Celestino observou ainda: “A primeira e mais importante lição a tirar é o fato de que entre as pessoas simples existe uma enorme boa vontade, que muitas vezes permanece escondida. A solidariedade natural e sincera das populações do mundo saltou aos olhos de todos com evidência e, numa época em que os meios de comunicação internacionais contribuem para tornar o mundo cada vez mais semelhante a uma aldeia global, é consolador saber que um profundo sentido da nossa humanidade comum se manifestou rápida e positivamente em benefício dos sobreviventes desta tragédia. Enquanto a comunidade internacional ajudava pessoas reais em verdadeiras situações de necessidade, manifestava-se com clareza uma espontânea compreensão da centralidade da pessoa humana”.

 

A esperança que não é uma ilusão

Em sua intervenção, o delegado da Santa Sé salientou a importância da assistência religiosa e espiritual nesses contextos. Diante do sofrimento, da dor e da morte, todo ser humano sente a necessidade do consolo e da esperança que só a misericórdia de Deus pode proporcionar. Mas não seria essa uma ilusão piedosa, como acusam aqueles que não têm fé? Na verdade, só a experiência de ter a vida transformada pelo encontro com Cristo nos leva a uma fé realista na ação de Deus em momentos dramáticos. Bento XVI, na Spes salvi (SS 7), lembra que a fé não pode ser compreendida apenas como “acreditar em algo que não se vê”, ela é mais bem definida como o reconhecimento de uma novidade que já aconteceu, que nos faz ter esperança em coisas que ainda não estão dadas.

Nessa perspectiva, renovamos nossas orações para que cada vítima das enchentes desse final de ano possa, a seu modo, fazer a experiência dessa consolação e dessa esperança que desde já pode renovar a vida em cada um de nós.