Diálogo com Pedro Roberto Jacobi, professor do Instituto de Energia e Ambiente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental, ambos da USP, coordenador do Grupo de Estudos Meio Ambiente e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados da USP, Editor da revista Ambiente e Sociedade.
Doutrina social da Igreja e políticas públicas em meio ambiente
O Brasil é, predominantemente, um país tropical. Seus ecossistemas apresentam grande riqueza de recursos naturais, como minérios, água abundante, espécies de interesse medicinal, belas paisagens para turismo. Mas apresentam também uma grande fragilidade ambiental. Seus solos facilmente se degradam e perdem a fertilidade. Muitas áreas são alagáveis ou sujeitas a deslizamentos. As florestas têm recuperação lenta e difícil. Os estoques de peixes e crustáceos têm alto valor comercial, mas se esgotam facilmente.
A existência dessa combinação de riqueza e fragilidade é, hoje em dia, uma evidência reconhecida por toda a comunidade científica. Transcende qualquer posição ideológica. Projetos de exploração dos recursos naturais que não levem em conta tanto a riqueza quanto a fragilidade costumam ter ciclo de vida curto e não usar todo o potencial natural disponível.
Além disso, o crescimento econômico e o adensamento urbano acarretam poluição e perda da qualidade de vida. E os mais pobres sempre são os mais afetados.
Por fim, a existência de grandes ecossistemas ainda pouco degradados, como a floresta amazônica, colocam o país na rota das discussões internacionais com relação às grandes crises ecológicas globais, como o caso do aquecimento global.
Pontos polêmicos
Poucas pessoas ainda questionam, hoje em dia, a importância da qualidade do meio ambiente para a vida e a saúde da população. A grande polêmica envolvendo as questões ecológicas continua sendo determinar até que ponto são realmente necessárias legislações ambientais que trazem limitações aos projetos de expansão econômica de empresários e governos.
Nos extremos, temos duas posições. Os ambientalistas mais radicais consideram a preservação da vida na Terra uma questão importante demais e que não deve ser sujeitada a critérios econômicos. Os agentes econômicos mais utilitaristas consideram o inverso, que o problema ecológico não é tão sério e o crescimento econômico deve ter precedência absoluta. Entre os extremos, encontram-se vários grupos que procuram, de um modo ou de outro, conciliar desenvolvimento econômico e conservação do meio ambiente. No Brasil de hoje, esse debate se concentra principalmente na delimitação e na legislação específica para as áreas de preservação e conservação e na questão dos Acordos Internacionais para redução dos gases responsáveis pelo aquecimento global.
Doutrina social da Igreja e políticas públicas em meio ambiente: a responsabilidade
No magistério católico, Paulo VI, na Octagesima adveniens (1971, OA 21), João Paulo II, na Centesimus annus (1991, CA 37-40), Bento XVI, na Caritas in Veritate (2009, CV 51), consideraram que a degradação ambiental é uma ameaça real à vida humana e que o desenvolvimento econômico não pode ser feito sem o devido cuidado com o meio ambiente e a qualidade de vida das pessoas. O Papa Francisco, na Laudato si’ (2015, LS 13, 48ss, 158, 232) foi enfático, nessa perspectiva, ao considerar que a deterioração ambiental sacrifica principalmente os mais pobres e que existe uma sintonia entre os destinos dos ecossistemas e das populações pobres (LS 1-2).
“A tutela do ambiente constitui um desafio para toda a humanidade: trata-se do dever, comum e universal, de respeitar um bem coletivo” (Compêndio de Doutrina Social da Igreja, 2004, CDSI 466), uma responsabilidade que se estende não só ao cuidado com os seres humanos, mas também com o conjunto dos seres vivos e dos ecossistemas, incluindo não só o tempo presente, mas também a atenção para com o patrimônio que legamos às futuras gerações (CDSI 466-467).
Doutrina social da Igreja e políticas públicas em meio ambiente: diante de pareceres contraditórios
Essa responsabilidade implica ações baseadas em análises e pareceres científicos, sujeitos à falibilidade inerente aos seres humanos que os elaboram. Contudo, o magistério é explícito ao salientar que diante dos temas polêmicos devem prevalecer a responsabilidade e a prudência (CDSI 469, LS 60-61, 135): num tema controverso, procuramos minimizar os riscos e não agir de forma imprudente.
Diante da diversidade de posições e dos conflitos de interesses, o Papa Francisco considera que a principal via de solução dos problemas é aquela do diálogo (LS, Capítulo V).
Doutrina social da Igreja e políticas públicas em meio ambiente: diálogo e subsidiariedade
Entre os países, o diálogo deve buscar acordos e compromissos em prol do meio ambiente e do bem comum. Fazendo ecoar a posição de São João XXIII e de São Paulo VI (cf. CDSI 441) e de Bento XVI (CV 67), Francisco defende a necessidade de uma Autoridade política mundial, capaz de articular as ações entre os diferentes Estados com vistas ao bem de todos (LS 175). No interior dos países, o diálogo deve acontecer entre os grupos sociais, integrando políticas nacionais e locais, garantido a continuidade dos planos de governo exitosos, melhorando os processos de tomada de decisão. Particularmente importante é o diálogo entre os saberes, entre as ciências, a filosofia, as religiões e as artes (LS 63, 199-201).
Sempre que a Igreja fala de uma governança mundial (CDSI 440-443), ou defende o diálogo entre instâncias nacionais, regionais e locais, parte do princípio da subsidiariedade (CDSI 185-188). Segundo esse princípio, todas as sociedades de ordem mais abrangente devem pôr-se em atitude de ajuda (subsidium), apoio, promoção e incremento (e não de dominação) em relação às menores. Assim, os Estados devem apoiar as iniciativas dos cidadãos e das organizações sociais, o governo federal deve apoiar o estadual e esse ao municipal – bem como a Autoridade internacional deve existir para apoiar os Estados a se integrarem e resolverem juntos seus problemas e não para dominá-los.
Doutrina social da Igreja e políticas públicas em meio ambiente: o caminho integral
Por fim, na perspectiva da ecologia integral, que permeia toda a Laudato si’, a solução dos problemas não passa apenas por decisões políticas, econômicas e administrativas, mas passa por cada pessoa, o que implica numa mudança de paradigmas, visões de mundo e comportamentos, que dependem da educação ambiental e de uma espiritualidade ecológica, temas do último capítulo da encíclica. Nas palavras de Francisco: “Quando as pessoas se tornam auto referencias e se isolam na própria consciência, aumentam a sua voracidade: quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objetos para comprar, possuir e consumir” (LS 204). Por outro lado, “o amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as ações que procuram construir um mundo melhor […] Neste contexto, juntamente com a importância dos pequenos gestos diários, o amor social impele-nos a pensar em grandes estratégias que detenham eficazmente a degradação ambiental e incentivem uma cultura do cuidado que permeie toda a sociedade” (LS 231).
Pergunta
Diante de questões nacionais, como a catástrofe ambiental do rompimento da barragem em Brumadinho ou as legislações relativas a áreas de preservação e conservação ambiental, ou de problemas internacionais, como o aquecimento global, como devemos nos posicionar a partir da doutrina social da Igreja?
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