Migrantes e refugiados

Diálogo com Diego Souza Merigueti, mestre em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, é advogado no Centro de Referência para Refugiados da Caritas Arquidiocesana de São Paulo. Dedica-se à pesquisa e ao estudo do Refúgio, do Direito Internacional dos Direitos Humanos e da Circulação Global.

Doutrina social da Igreja, políticas públicas, migrantes e refugiados

 

Com a globalização, a facilidade de deslocamentos e contatos internacionais, o número de migrantes aumentou enormemente no mundo. Estima-se hoje em dia que cerca de 258 milhões de pessoas (uma em cada 30) moram fora de seu país de nascimento.

Esse dado, em si, não seria problemático. Poderia ser apenas um sinal de integração entre os povos. O problema é que uma parcela significativa desses migrantes é composta por refugiados procurando escapar de guerras e genocídios ou migrantes irregulares em buscam de melhores condições de sobrevivência. Os principais centros de dispersão de refugiados e migrantes irregulares são países em guerra, como a Síria, o Afeganistão e o Sudão, ou em grave crise humanitária, como o Haiti.

Segundo dados das Nações Unidas, em 2018, cerca de 68,5 milhões no mundo estavam nessa situação. Destes, 25,4 milhões são refugiados internacionais, enquanto 40 milhões estão internamente deslocados em seus países e 3,1 milhões são requerentes de asilo. Em 2016, a Organização Internacional de Migrações (OIM) estimou que mais de 7.189 refugiados e migrantes irregulares morreram em suas viagens. O tráfico humano envolvido nesses processos gera mais de US$150 bilhões ano.

 

Migrantes e refugiados no Brasil

O Brasil é um país com tradição de acolhida a imigrantes e refugiados. Tem uma legislação que procura apoiar a acolhida a pessoas nessa situação (Lei 9.474/97). Contudo, não sendo vizinho de nenhum dos países com maior dispersão de refugiados, recebe relativamente poucos refugiados. Tínhamos, em 2015, 0,04 refugiados para cada mil habitantes. O Líbano tinha 208,91; a Turquia, 23,72, o Equador, 7,65, o Panamá, 4,47. Em 2017, haviam 10.145 refugiados reconhecidos e 86.007 solicitações de reconhecimento em trâmite.

Um dos maiores problemas da crise de refugiados no Brasil é a defasagem entre o pedido de refugio e o reconhecimento da condição de refugiado. Em 2017, foram 33.866 pedidos de refúgio e reconhecidos apenas 587 refugiados. A nacionalidade dos pedidos e reconhecimentos também é significativa desse descompasso. Os três países com maior número de pedidos foram Venezuela (17.865), Cuba (2.373) e Haiti (2.362). Os três países com mais refugiados reconhecidos foram Síria (310), Congo (106) e Palestina (50).

A acolhida aos refugiados não se distribui igualmente por todo o território nacional, criando problemas localizados nos estados com maior número de recém-chegados. Em 2017, 47% dos pedidos de reconhecimento de refúgio foram feitos em Roraima e 28% em São Paulo. Nenhuma outra unidade da federação recebeu mais de 3% das solicitações.

 

Pontos polêmicos

A acolhida a essas populações se tornou um dos maiores problemas internacionais da atualidade. São pessoas que chegam a uma país novo, frequentemente sem falar a língua local, sem recursos materiais, tendo passado por grandes traumas em seus países de origem e no processo de deslocamento. Representam uma carga objetiva para os sistemas de proteção social dos países que os recebem.

Por outro lado, a história mostrou que a inexistência de solidariedade internacional às pessoas nessa situação levaria à expansão dos problemas. Daí que os organismos e acordos internacionais procurem criar uma rede de acolhida mundial a elas – apesar da resistência local em muitos países.

 

Doutrina social da Igreja, políticas públicas, migrantes e refugiados: responsabilidade de todos num mundo globalizado

A preocupação com o estrangeiro é um tema evangélico. Como lembra São João Paulo II: “A exigente afirmação de Jesus: ‘Era peregrino e recolhestes-Me’ (Mt 25, 35) conserva em qualquer circunstância toda a sua força e interpela a consciência de quantos querem seguir os Seus passos. Acolher o outro não é para o crente apenas filantropia ou natural atenção ao próprio semelhante. É muito mais, porque em cada ser humano sabe que encontra Cristo que espera ser amado e servido nos irmãos, de modo especial nos mais pobres e necessitados” (Mensagem para o Dia Mundial dos Migrantes e dos Refugiados, 1998).

Uma passagem de Bento XVI é particularmente significativa, por dois motivos. Primeiro, porque insere o problema dos refugiados e migrantes no contexto da globalização e das desigualdades sociais. Segundo, porque não está em uma encíclica social, mas numa exortação apostólica sobre o sacramento da Eucaristia (Sacramentum Caritatis, 2007, SC). Insere, portanto, o tema social no seio da mística e da espiritualidade católica:

“Não podemos ficar inativos perante certos processos de globalização, que não raro fazem crescer desmesuradamente a distância entre ricos e pobres a nível mundial. Devemos denunciar quem delapida as riquezas da terra, provocando desigualdades que bradam ao céu (Tg 5, 4). Por exemplo, é impossível calar diante das imagens impressionantes dos grandes campos de deslocados ou refugiados — em várias partes do mundo — amontoados em condições precárias para escapar a sorte pior, mas carecidos de tudo. Porventura estes seres humanos não são nossos irmãos e irmãs? Os seus filhos não vieram ao mundo com os mesmos legítimos anseios de felicidade que os outros? O Senhor Jesus, pão de vida eterna, incita a tornarmo-nos atentos às situações de indigência em que ainda vive grande parte da humanidade: são situações cuja causa se fica a dever, frequentemente, a uma clara e preocupante responsabilidade dos homens. De fato, com base em dados estatísticos disponíveis, pode-se afirmar que bastaria menos de metade das somas imensas globalmente destinadas a armamentos para tirar, de forma estável, da indigência o exército ilimitado dos pobres. Isto interpela a consciência humana” (SC 90).

 

Doutrina social da Igreja, políticas públicas, migrantes e refugiados: o que fazer

Papa Francisco, num texto obrigatório sobre essa questão, sintetiza toda a ação que podemos fazer em prol dos migrantes e refugiados em quatro verbos: acolher, proteger, promover e integrar (Discurso aos Participantes no Fórum Internacional sobre Migrações e Paz, 21 de fevereiro de 2017).

A acolhida implica num esforço pessoal e comunitário para combater uma postura individualista e defensiva. Na prática, indica Francisco, significar criar acomodações adequadas e decentes para os que chegam. A proteção implica no apoio político e jurídico a programas que deem mais segurança tanto durante as viagens, onde tantos morrem ou são explorados, quanto na sua chegada ao novo país.

Proteger não é suficiente; é necessário promover o desenvolvimento humano integral de migrantes e refugiados. Francisco nota que esse desenvolvimento deve começar no local de origem dessas pessoas, pois o ideal seria que não precisassem emigrar. Contudo, diante da necessidade do deslocamento, é importante dar-lhes a condição de progredirem na nova condição em que se encontram.

Por fim, no que diz respeito à integração, Papa Francisco lembra: “não é assimilação nem incorporação, constitui um processo bidirecional, que se baseia essencialmente no mútuo reconhecimento da riqueza cultural do outro”. Além disso, continua o Papa, “para a comunidade cristã, a integração […] é um reflexo da sua catolicidade, uma vez que a unidade que não anula as diversidades étnicas e culturais constitui uma dimensão da vida da Igreja”.

Sem dúvida, essas quatro palavras trazem um questionamento a nossa sociedade. Pode parecer que se pretende dar ao estrangeiro uma atenção que não é dada aos pobres do próprio país. Mas, nesse caso, a questão não é fazer menos pelo estrangeiro, e sim fazer mais pelos compatriotas pobres.

Independente da dificuldade da situação, vale a mensagem de Francisco: “Quando Jesus pediu aos apóstolos que dessem de comer à multidão, estes sabiam que isso era impossível. Porém, foram generosos. Deram ao Senhor tudo aquilo que tinham. E Jesus multiplicou os seus esforços” (Discurso aos Membros do Comitê de Organização da XXVII Jornada Mundial da Juventude, 7 de abril de 2014).

 

Pergunta

Como nossas comunidades podem e devem se comprometer mais com a questão dos migrantes e refugiados, no atual contexto brasileiro?

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