O aborto no Globo de Ouro

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

 

Na premiação do Globo de Ouro deste ano, uma atriz fez furor ao se declarar grata por viver numa época em que as mulheres têm “direito de escolha”, pois se não tivesse optado por um aborto não teria ganho aquele prêmio.

A declaração não choca apenas militantes pró-vida. Pais e mães geralmente consideram os filhos como seu maior tesouro. Prêmios, bens e dinheiro vêm e vão, mas cada filho é insubstituível. Outros poderão vir, mas o lugar daquele que se foi permanece para todo o sempre.

O que torna possível a posição humana dessa atriz? O relativismo atual dirá que cada um tem a sua experiência e que aquilo que é vivido por uns não precisa ser vivido por todos. De certa forma é verdade, mas quem viveu as alegrias de um filho sabe que a alternativa do aborto, mesmo que possível, não é tão gratificante, não realiza tanto a nossa humanidade quanto aquela criança poderia ter realizado.

Mas nenhuma experiência realmente humana, por mais natural que seja, pode ser confiada à instintividade. Existe sempre um caminho educativo mostrando que aquilo é o que mais nos realiza. Se esse caminho não é trilhado, podemos chegar – mesmo com boa intenção – a conclusões desumanas, para conosco mesmo e para com os demais.

Bento XVI, numa entrevista em sua viagem ao Brasil, declarou: “A vida é um dom de Deus e não uma ameaça. Parece-me que [… na defesa do aborto] haja um certo egoísmo e uma dúvida sobre o futuro. E a Igreja responde […] a vida é bela, não é algo duvidoso, mas é um dom e, também em condições difíceis, permanece sempre um dom. Portanto voltar a criar esta consciência da beleza do dom da vida. E [… sobre] a dúvida do futuro: naturalmente há tantas ameaças no mundo, mas a fé dá-nos a certeza de que Deus é sempre mais forte e permanece presente na história e, portanto, podemos, com confiança, também dar a vida a novos seres humanos. Com a consciência de que a fé nos dá sobre a beleza da vida e sobre a presença providente de Deus no nosso futuro podemos resistir a estes medos”.

O Papa não se detém na explicação do egoísmo. Com o tempo, o erro se demonstra a si mesmo. Bento XVI quer mostrar como os cristãos podem e devem “virar o jogo”. Não se prende à denúncia do erro, necessária, mas pouco efetiva para quem está desesperado ou já perdeu a razão de ser de certos valores. O caminho passa por mostrar novamente uma beleza da vida que acabou ficando oculta, ajudar a recuperar a confiança e a esperança no futuro daquela criança e de sua mãe, que muitas vezes imagina que cuidar do filho implica em negar a si mesma.

Muitos questionam “com que moral” os cristãos condenam o aborto. Em primeiro lugar, é importante notar que condenar o aborto não quer dizer condenar pessoas, mas sim atos. Não podemos aceitar uma legislação que consente com um assassinato, mas o maior esforço não é para condenar quem quer abortar ou quem aborta, e sim ajudar essas pessoas a optar pela vida.

Para os cristãos, “a moral” para condenar o aborto nasce dos muitos movimentos, associações e pessoas que se solidarizam com as grávidas em situação difícil, que as apoiam no plano material, psicoafetivo e espiritual, para que possam redescobrir e optar pela beleza e pela esperança. Felizmente, esses movimentos são muitos. Em São Paulo, eu particularmente conheço Filhos da Luz (https://filhosdaluzassociacao.com.br/, e-mail filhosdaluzassoc@gmail.com).

Afinal, se ficássemos só na denúncia, nossa postura – mesmo que justa – seria realmente pobre.

 

Artigo originalmente publicado no jornal “O São Paulo”, em 22 de janeiro de 2020.

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