Encontrar uma posição justa nas polêmicas sobre o Sínodo para a Amazônia

Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

 

Embates políticos, com pouca relação com a doutrina cristã, fizeram deste Sínodo dos Bispos, Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, um dos mais polêmicos da Igreja Católica nos últimos tempos. Em primeiro lugar, cabe a pergunta: o que a Igreja realmente deseja com o Sínodo da Amazônia? Diante das polêmicas suscitadas, vale a pena retomar um artigo de Dom Odilo P. Scherer, cardeal de São Paulo: a Igreja sempre se dedicou ao bem dos povos da Amazônia, ela não veio para a região para explorar suas riquezas, mas sim trazendo recursos materiais e humanos para o bem da população; ela se preocupa com o bem-estar de seus povos e com a conservação de seu ecossistema, mas apoia a soberania e a autodeterminação das nações que ocupam essa ampla região.

No próprio seio da Igreja, o Instrumentum laboris, documento inicial que deve orientar os debates, tem sido muito atacado. Seu conteúdo é cheio de pontos polêmicos. Ora, isso não desabona o Sínodo. Pelo contrário, mostra o quanto ele é necessário, até para dirimir questões teológicas e pastorais. É preciso lembrar que esse é apenas um texto inicial com as questões a serem debatidas. O real conteúdo do Sínodo será apresentado num Documento Final, entregue ao papa, que provavelmente escreverá uma Exortação Apostólica, ponto de chegada da reflexão.

 

Diante das polêmicas, qual é a justa postura de cada católico?

Existe um grupo que, evidentemente, é chamado a participar ativamente nos debates. São bispos, teólogos, agentes de pastoral e outros diretamente envolvidos com o trabalho da Igreja na Amazônia ou com a reflexão católica contemporânea. A maioria dos blogueiros, youtubers e editorialistas das mídias digitais e impressas não se encaixa nessa categoria. Na maioria das vezes, são eles próprios ideólogos – de esquerda ou de direita, pouco importa aqui – procurando se aproveitar do Sínodo para impressionar seguidores.

Nesse contexto, alimentar-se de polêmicas não nos ajuda. Cada coisa que acontece no mundo, mais ainda quando envolve a Igreja, é um convite que Deus faz a nossa conversão. Ele nos convida – também no Sínodo para a Amazônia – a nos convertemos, a compreender melhor qual é nossa missão e nossa realização no mundo. A primeira pergunta não é “Quem está certo e quem está errado?”, menos ainda “Será que os bispos vão seguir a Fulano ou Ciclano?”, pois tais questões nos fecham em nós mesmos e nas posições partidárias que já compartilhávamos de antemão, nos afastando de Deus. A primeira pergunta é “O que Deus quer me mostrar nesse Sínodo? Como essa reunião pode ajudar minha conversão?”. Esse passo é a fonte do discernimento que nos permitirá inclusive entender o que está certo ou errado nas polêmicas…

Isso não significa que não possamos ter nossas posições e opiniões. O problema é que, sem o encontro cada vez maior com Cristo, sem a sua luz iluminando nosso discernimento, nossas posições e opiniões são apenas isso: ideias humanas tão sujeitas a polêmicas e oposições quanto quaisquer outras. Sem uma comunhão com Deus, Um ideólogo pode muito bem usar qualquer grande santo ou pensador da história do cristianismo para nos afastar de Cristo, basta saber manipular e recortar os textos originais, desfigurando-os.

Posto isso, dois critérios simples nos ajudam a localizarmo-nos nesses debates. Primeiro, quem só ataca ou só elogia dificilmente estará inteiramente certo. Qualquer reflexão inicial terá acertos e erros e as pessoas realmente comprometidas com o Bem serão respeitosas com todas as posições e procurarão valorizar o que deve ser valorizado e condenar o que deve ser condenado, venha de onde vier. Em segundo lugar, uma reflexão eclesial não é um debate partidário ou ideológico. Os cristãos, conforme seu grau de envolvimento e suas atribuições, se reúnem para rezar pelo Sínodo, apresentam suas reflexões, respeitando a posição dos demais e procurando a unidade. Transformar o Sínodo numa campanha com atos de ataque a quem pensa diferente não corresponde ao modo cristão de colaborar com esse momento.

 

Entender as polêmicas

No fundo da maioria dos debates existem duas questões, uma de caráter mais socioeconômico e político, outra mais pastoral e cultural: (1) qual o melhor modelo de desenvolvimento para a Amazônia? (2) como realizar um esforço missionário que respeite as culturas e gere uma verdadeira integração fraterna entre os povos?

Ainda que a questão socioeconômica e política não seja uma atribuição específica da Igreja, ela tem deixado claro, por uma obrigação de caridade, seu posicionamento por um “desenvolvimento humano integral”, que alcança todos os seres humanos, em todas as suas dimensões, conforme a expressão consagrada por São Paulo VI (Populorum progressio, PP 14). A “ecologia integral” do Papa Francisco se insere nesse contexto. Por outro lado, a solidariedade internacional, que não elimina em nada uma justa autonomia das nações, é um instrumento privilegiado para se obter esse desenvolvimento integral, como lembrou Bento XVI na Caritas in veritate (cf. Capítulos III e IV). As polêmicas dizem respeito, na verdade, à identificação dos melhores caminhos para se chegar ao desenvolvimento integral, considerando as peculiaridades do ecossistema e das populações amazônicas.

Do ponto de vista cultural, o desenvolvimento da antropologia cultural e a compreensão dos direitos de todos os povos lançaram grandes desafios ao trabalho missionário. O cristianismo não quer ser uma imposição cultural aos povos evangelizados, mas sim “inculturar-se”, isso é, assumir as culturas originais de cada povo, realizando-se de forma particular em cada uma delas. Isso não elimina a existência de valores universais (como a vida e a família), mas implica que cada povo se aproprie desses valores de uma forma própria sua. Quanto mais nossa sensibilidade cultural se desenvolve, quanto mais percebemos as suscetibilidades e as violências que impomos uns aos outros, mais exigente se torna esse esforço de inculturação do Evangelho. O problema se torna maior porque a nossa sociedade laica se questiona cada vez mais sobre seus próprios valores, valorizando as culturas antes menosprezadas como primitivas.

Essas duas questões dão o pano de fundo das reações políticas ao Sínodo sobre a Amazônia. Ninguém sabe, de antemão, para onde os “ventos do Espírito” soprarão nessa reflexão, mas cada um de nós, a seu modo, é convidado a se converter mais a Cristo em meio a essa caminhada.

 

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Imagem: Ismael Martinez Sanches / Ajuda à Igreja que Sofre.

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