Saúde, promoção social e educação são três dimensões das políticas públicas que não podem ser compreendidas, na história da humanidade, sem passar diretamente pela experiência das comunidades cristãs. Por outro lado, um dos maiores obstáculos tanto para o desenvolvimento econômico quanto humano de nosso país é justamente a insuficiência do sistema educacional. Nada mais justo, portanto, que a Campanha da Fraternidade 2022 nos convide a refletir e agir em prol da educação.
O problema da qualidade
O Brasil, com os esforços das últimas décadas, está obtendo resultados relativamente bons na tentativa de garantir o acesso à escola para todos (apesar da grande piora decorrente da pandemia). Contudo, obtêm resultados ruins em testes internacionais que avaliam o aprendizado dos alunos. A qualidade do nosso ensino é muito baixa, comprometendo o futuro dos estudantes e o desenvolvimento tanto econômico quanto social do País. Ainda que os problemas de acesso e permanência não estejam definitivamente superados, a qualidade é o grande desafio atual da escola brasileira. A má qualidade caminha lado a lado, por exemplo, com a desindustrialização da economia brasileira das últimas décadas. Impacta a produtividade, a oferta de postos de trabalho e até o aumento do custo de vida…
A universalização da educação (escola para todos) se ajusta bem aos interesses dos políticos. Podem usar o aumento do número de vagas, do tempo de permanência na escola, da distribuição de merendas, para mostrar seu trabalho e ganhar votos. A qualidade do ensino é mais difícil de ser capitalizada. Os pais muitas vezes têm menos escolaridade que seus filhos, não conseguem acompanhar o trabalho dos professores e nem têm a percepção clara das oportunidades que os jovens estão perdendo por um ensino falho. Ainda que um ensino de qualidade seja fundamental para o futuro dos jovens, das comunidades e do País, ele é pouco determinante na defesa dos interesses eleitorais de grande parte dos políticos.
A escola particular (que se pensa como empresa) e a confessional (que se pensa como serviço à comunidade) são alternativas à má qualidade do ensino público, mas enfrentam dois problemas. Aprofundam a desigualdade social brasileira, reduzindo as chances daqueles que não podem pagar uma boa escola. Além disso, como o conjunto do sistema tende a ser medido pelo ensino público, escolas particulares mesmo que fracas tenderão a parecer fazendo um bom serviço.
Um pacto pela educação
Oferecer educação de qualidade a todos é uma tarefa objetivamente desafiadora para o Estado brasileiro. Apesar de sermos uma das maiores economias do mundo e pagarmos impostos considerados altos, os governos têm relativamente pouco dinheiro para atender ao tamanho da população e cobrir nossa grande extensão territorial. Por isso, precisamos de uma boa gestão dos recursos materiais e humanos disponíveis.
Papa Francisco é um ardoroso defensor de um pacto educativo global, um compromisso de todos os grupos e organizações sociais para a implementação de um ensino humanista integral, inclusivo e eficiente. A ideia reflete, sem dúvida, um desejo de toda a população brasileira, mas os resultados ruins e os escândalos de corrupção e ideologização da educação mostram que os governos não tomam as decisões políticas adequadas para melhorar a qualidade do ensino.
O papel de Estado
A educação é fundamental tanto para o desenvolvimento pessoal de cada cidadão quanto para o da nação como um todo. Por isso, é uma responsabilidade inevitável do Estado. Mesmo países tidos como exemplo para o pensamento neoliberal tem políticas estatais para a educação e algum tipo de acesso público à escola. Contudo, existem vários caminhos diferentes pelos quais o Estado pode cumprir sua missão. É um dos setores onde o princípio da subsidiariedade pode ser mais bem aplicado.
Esse princípio, fundamental para a doutrina social da Igreja, especifica que as instâncias governamentais superiores devem auxiliar (subsidiar) tanto as inferiores quanto as inciativas sociais, evitando determiná-las e permitindo seu protagonismo. Assim, a federação deve apoiar os governos estaduais e esses aos municípios, bem como todos os entes estatais devem apoiar soluções nascidas e geridas pelas comunidades. No caso do sistema educacional brasileiro, em teoria o ensino básico é deixado a cargo dos municípios, o médio aos governos estaduais e o superior às universidades. Em muitos países, o Estado aporta dinheiro para organizações não governamentais para que essas possam oferecer ensino gratuito à população – uma prática possível, mas muito pouco frequente no Brasil.
Em teoria, quanto mais descentralizado for o sistema escolar, maior o controle e o protagonismo das comunidades e famílias na fiscalização e tomada de decisões referentes à educação dos jovens. Desse modo, a subsidiariedade deveria minimizar tanto os confrontos ideológicos entre pais e professores quanto o mau uso das verbas públicas. Contudo, a sociedade brasileira ainda é pouco participante, exerce pouco seu direito ao controle e à fiscalização dos serviços públicos.
Uma comunidade participativa
O sistema educacional brasileiro já é relativamente descentralizado – ainda que exista uma concentração de verbas nas mãos do governo federal que tem gerado uma série de escândalos nos últimos tempos. Essa descentralização gera uma multiplicidade de experiências que podem nos indicar quais seriam os melhores caminhos a serem seguidos para termos uma educação de qualidade. Dois elementos aparecem em todos os casos de sucesso: (1) o protagonismo de alguns (governantes, gestores escolares, organizações não-governamentais, professores, pais…) que olham realisticamente para os problemas e criam soluções; (2) uma comunidade, formada pelas famílias dos estudantes e outras pessoas comprometidas, que dá apoio a esses que se esforçam na criação de soluções. Onde falta um desses elementos, o outro – mesmo que exista – tem dificuldade para construir uma escola eficiente e inclusiva.
Nessa Campanha da Fraternidade, podemos nos perguntar se nossas comunidades católicas estão gerando esses protagonistas em nome da educação? Até que ponto estamos dando apoio àqueles que estão lutando pela educação, não só em nível nacional, mas nas escolas que nossos filhos estudam? Gestores, professores, pais e alunos não são criaturas de outro planeta. Somos nós mesmos, são as pessoas que se sentam a nosso lado na missa dominical ou no encontro comunitário. Por isso nossas comunidades são chamadas a refletir juntas e dar apoio às iniciativas em prol de uma educação melhor.
O que a comunidade pode fazer
Uma primeira responsabilidade de todos nós, até óbvia, é saber o que está acontecendo nas escolas, participar dos grupos que ajudam nas atividades das escolas, saber quais políticos estão se comprometendo efetivamente com a educação – sem demagogias ou mal uso dos recursos públicos. E, evidentemente, ajudar com votos e apoio aqueles realmente comprometidos. Mas existe muito mais que pode ser feito.
O acompanhamento dos pais é fundamental para que as crianças se sintam estimuladas e responsabilizadas com a aprendizagem. Infelizmente, muitas famílias não têm condições de dar esse apoio. As jornadas de trabalho, alongadas pelo tempo de deslocamento nas grandes cidades, são um obstáculo objetivo. Muitas vezes os jovens já estão num nível escolar que não foi frequentado pelos pais – que não se consideram preparados para acompanhar o desempenho dos filhos. Diante dos vários questionamentos que a mentalidade hegemônica lança à autoridade familiar, muitos pais se sentem inseguros e não cumprem seu papel de orientador e disciplinador, que continua sendo necessário.
Nossas comunidades podem fazer muito para ajudar os pais nessas situações. Desde reflexões compartilhadas sobre os problemas até auxílios práticos, como grupos de adultos que se alternam para cuidar dos filhos, criação de grupos de jovens e de espaços de convivência nas comunidades. As possibilidades são muitas e aparecem na medida que procuramos conhecer realisticamente os problemas e nos comprometer com sua solução.
Francisco Borba Ribeiro Neto
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