O jornal Folha de São Paulo, insuspeito em suas posições secularizadas, publicou dois artigos sobre religião, no mínimo curiosos. O primeiro, datado de 1 de setembro, estampava no título “Religiosos são mais satisfeitos com suas vidas sexuais, diz estudo britânico”. O outro, publicado no dia seguinte, dizia que 56% da população acredita que política e valores religiosos devem andar juntos.
Sexo feliz é sexo com amor
A pesquisa inglesa é particularmente interessante, ainda que os resultados sejam até óbvios para quem tem uma boa formação religiosa. Os pesquisadores encontraram, conforme esperavam, que pessoas religiosas fazem menos sexo do que as não-religiosas. Contudo, essa diferença se dá entre os que não vivem com um cônjuge estável (sejam esposos oficialmente ou não). Casados, sejam religiosos ou não, praticam sexo com frequências semelhantes. Como esperado pelas normas da maioria das igrejas, pessoas religiosas evitam o sexo fora do casamento e/ou sem uma relação afetiva forte e confiável.
O que surpreendeu, na pesquisa, foi constatar que esposas religiosas se declaram, em média, mais satisfeitas com sua vida sexual que as não religiosas. O estudo mostrou também que as mulheres, mais que os homens, para se realizarem sexualmente, parecem depender mais da vinculação entre o amor e o sexo. Ora, ao valorizar o matrimônio, o amor e o respeito mútuo, desaconselhar relações extraconjugais, as religiões indiretamente incentivam os casais (e mais ainda os homens, que não se sentem tão propensos a isso) a praticar o ato sexual como um gesto de amor e não como simples manifestação instintiva.
A fé e a razão na política
Vamos ao outro caso, o da política. À primeira vista, parece irracional uma pessoa considerar que política e valores religiosos devem andar sempre juntos (frase com a qual 56% dos brasileiros concordam total ou parcialmente) ou dizer que é mais importante um candidato defender os valores da família do que ter boas ideias sobre economia (visão compartilhada total ou parcialmente por 60% dos brasileiros). Mas, se analisarmos com cuidado, veremos que se trata de uma observação absolutamente racional, para quem tem uma experiência positiva com a religião.
De que adianta uma pessoa ter ótimas ideias, se for desonesto e não estiver preocupado com o bem comum? Usará suas ideias para se enriquecer e manipular a nação, ao invés de apoiar os cidadãos. Por outro lado, se não tiver boas ideias, mas for sincero, humilde e bem-intencionado, mudará de posição ao perceber que suas ideias não estão dando certo e descobrirá um caminho justo. Como a família é o apoio mais importante e seguro para os pobres e os fracos, parece óbvio que uma pessoa que a defende deve ser honesta e se orientar para a construção do bem comum.
Quem encontrou acolhida, apoio e orientação dentro de uma religião, tenderá a confiar mais em pessoas religiosas ou que têm ideias religiosas do que nas demais. É natural e lógico, não tem nada de fundamentalismo ou de fé cega…
Os valores religiosos não são irracionais e realmente correspondem às aspirações do ser humano. Mas, então, por que enfrentamos uma onda secularizante e um cancelamento cultural dos cristãos tão forte? Uma resposta fácil é dizer que se trata do poder dos mal-intencionados, que querem manipular o povo. Não deixa de ser verdade, mas não podemos negar que, no passado, o “lado cristão” (se é que podemos falar assim) é que estava no poder (ao menos aparentemente), então algo mais complexo deve ter acontecido para essa “virada do jogo”.
Entender o que aconteceu
O “exame de consciência” pode estar fora de moda, mas ainda é um dos maiores instrumentos que a sabedoria da Igreja nos deu para chegarmos mais facilmente à verdade. Perguntar-se “onde foi que eu errei?” sempre nos ajuda a ver as coisas de forma mais realista. Pois bem, onde os cristãos erraram para que acontecesse essa “virada de jogo”, que fez com que a sabedoria e a humanidade do cristianismo deixassem de ser reconhecidas?
As religiões de modo geral costumam ser carregadas de uma profunda inteligência sobre a natureza e os anseios das pessoas, porém, para que isso se manifeste, a religião deve andar em consonância com a razão, tal como defendeu Bento XVI no seu célebre discurso em Regensburg (infelizmente reduzido, por seus críticos, a uma simples disputa sobre a violência do islamismo). Razão é fé, se orientando mutuamente, nos permitem compreender melhor quem somos nós, quais são nossas necessidades e nossos anseios, como nos realizarmos no mundo.
Uma adesão irracional aos valores da fé, mesmo quando esses são verdadeiros, nos leva ao sectarismo e à violência. Ficamos mais apegados a nossas normas do que ao amor gratuito, que recebemos de Deus e devemos comunicar a todos. Temos que reconhecer, por exemplo, que um apego moralista a muitos valores cristãos fez com que se perdesse em muitas oportunidades a comunicação da íntima associação entre sexo e amor, característica do cristianismo… Ou que muitos políticos demagogos se dizem defensores da família e dos valores cristãos, mas demonstram exatamente o contrário em suas vidas e decisões.
Onde falta o discernimento, o mal se infiltra com facilidade e a natureza mais intima do cristianismo, que é o amor gratuito de Deus por nós, é perdido e substituído por valores e normas que parecem cristãos, mas não satisfazem o mais íntimo do coração humano.
A sabedoria, a humanidade e o amor expressos na fé cristã são um fato. Cabe a nós o discernimento justo que nos permite testemunhar essa riqueza – sem nos perdermos em sectarismos e posturas ideológicas que podem até imitar o cristianismo, mas são caminho para o mal.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia
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