Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
“O amor — caritas — será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa. Não há qualquer ordenamento estatal justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor. Quem quer desfazer-se do amor, prepara-se para se desfazer do homem enquanto homem” (BENTO XVI, Deus caritas est, DCE 28). Muitas vezes, quando dizemos, corretamente, que as políticas públicas são uma responsabilidade do Estado, nos esquecemos dessa verdade tão simples quanto profunda: as pessoas necessitam de amor e não haverá plena justiça sem amor.
Em nossas sociedades, no passado, a assistência social e a promoção humana eram tarefas das comunidades cristãs, antes de serem assumidas pelo Estado moderno. Santas Casas, escolas paroquiais, asilos e orfanatos são todas obras que nasceram como “obras de caridade” da comunidade cristã e que cumpriam (e ainda cumprem) funções hoje englobadas pelas políticas públicas a cargo do Estado.
Ao longo dos séculos, nossa compreensão dos problemas sociais e das estratégias para sua superação cresceu muito. Medicina, pedagogia, serviço sociai e tantos outras áreas conexas permitem trabalhos muito mais eficientes de promoção humana. O Estado, ao assumir as tarefas consignadas hoje em dia como políticas públicas, ratificou o compromisso da universalização do atendimento e estabeleceu novos marcos para os direitos humanos. A profissionalização dos serviços trouxe ganhos evidentes em relação ao amadorismo que vigorava nas instituições do passado.
Tudo isso é muito bom, mas voltemos ao dizeres de Bento XVI: não há ordenamento estatal justo sem o amor. Muitas organizações eficientes do Terceiro Setor atestam, na prática, que a dedicação nascida do amor às pessoas traz novos ganhos de eficiência e supera os limites nascidos da burocratização e da politização dos serviços, mesmo nas modernas condições de trabalho social.
O amor não se tornou desnecessário, mas ganhou novos desafios, como a superação da ineficiência decorrente do amadorismo, da despolitização do assistencialismo e da ideologização do trabalho politizado. Ao mesmo tempo, o crescimento das iniciativas de voluntariado e das organizações do Terceiro Setor mostra que não só os assistidos que tem necessidade desse amor socialmente engajado, também aqueles que não estão em situação de carência precisam praticar esse amor para superar “uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada” (FRANCISCO, Evangelii gaudium, EG 1).
Organizar e garantir políticas públicas eficientes são tarefas do Estado e a população brasileira tem que estar atenta para que sejam cumpridas o melhor possível, mesmo com a crise financeira e de governança que temos enfrentado em todos os níveis. Contudo, essas políticas não são responsabilidade exclusiva do Estado. À luz do amor, todos somos responsáveis por elas, seja cobrando os governos para que cumpram suas funções, seja colaborando em obras sociais bem orientadas e estruturadas.
Quando a Campanha da Fraternidade nos convida a olhar as políticas públicas, não faz uma ideologização da caridade (que seria sua instrumentalização a um projeto de poder), mas sim nos ajuda a compreender o vínculo obrigatório entre a caridade e a construção do bem comum.
Publicação original: Jornal O São Paulo, 20 março 2019
Foto: O Bom Samaritano, Michele Abastante, Wickmedia