Francisco Borba Ribeiro Neto
Dialogar e buscar a unidade com quem pensa diferente não é tarefa fácil. A Campanha da Fraternidade Ecumênica desse ano, com o tema “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14), antes mesmo de começar já provocava polêmicas e divisões.
De um lado, temos aqueles que realmente nunca quiseram dialogar. De outro, os que desejam instrumentalizar o diálogo para impor suas próprias opiniões. Entre eles, os cristãos de boa vontade, que são a grande maioria (felizmente!), ficam muitas vezes sem saber como proceder. Mas a dificuldade de uma tarefa necessária deveria ser um estímulo para nos dedicarmos mais ainda a ela – e o diálogo é uma necessidade tanto para a ordem social e o bem comum quanto para a prática do amor.
A construção do diálogo pode passar por duas estratégias. A “horizontal”, por assim dizer, trata-se de evitar os pontos de atrito e começar a trabalhar a partir dos pontos consensuais – para depois enfrentar os conflitos. Na “vertical”, o esforço é mergulhar, junto com nosso interlocutor, na compreensão das ideias, necessidades e ações que nos dividem, procurando entender qual é o desejo de bem que move a cada um de nós. Descobriremos sempre que, no fundo, todos nós compartilhamos um mesmo desejo de bem, ainda que cada um o entenda de forma diferente.
Os dois métodos têm suas vantagens e suas desvantagens…
Aparando arestas
Esse método “horizontal” é o mais comum. Procuramos aplicá-lo sempre que estamos diante de alguma situação conflituosa, num ambiente onde temos que procurar a união. Todos os dias o praticamos, com maior ou menor frequência, na família, no ambiente de trabalho e com os amigos. Ele é também o mais fácil, exige apenas que os interlocutores estejam dispostos a abstrair – ao menos por alguns momentos – suas diferenças e procurar avançar em suas concordâncias.
Sua desvantagem é a de facilmente gerar apenas pactos de convivência pacífica. Se nenhuma das partes se convence dos argumentos do outro, se não cresce uma simpatia mútua, o diálogo se resume a uma negociação formal. Não é um perigo abstrato: muitos casamentos chegam a naufragar porque o diálogo se restringe a esse tipo de negociação; nas arenas políticas de nossa sociedade, essa é a situação mais comum.
Negociações e pactos são necessários em muitas situações. Em si, não são um mal. Contudo, seu alcance é limitado e acabam permitindo o conflito e o rompimento de relações quando os desacordos se tornam maiores que os acordos – como acontece em situações muito polarizadas como a atual.
Nunca devemos desistir desse método horizontal de construir o diálogo, mas temos que ter consciência dessa sua limitação.
Indo a fundo nas questões
O método “vertical” é muito mais exigente, mas constrói diálogos mais profundos, onde uma certa compreensão do outro e uma simpatia mútua se tornam inevitáveis. Não excluí o entendimento “horizontal”, mas pode criar vínculos mais profundos e superar confrontos aparentemente insolúveis.
Todos nós, seres humanos, temos um mesmo conjunto de exigências inerentes e fundamentais. Assim como precisamos de alimento, também precisamos de paz, liberdade, beleza, verdade, justiça, alegria, amor, felicidade. O padre católico Luigi Giussani definia esse conjunto de exigências como “experiência elementar” (no sentido de ser uma experiência fundamental, básica, de toda pessoa), lembrando que a Bíblia se refere a ela com a palavra “coração”. Mas, se essas exigências são universais, as formas como as compreendemos e as tentativas de satisfazê-las são muito diferentes. Todos desejamos coisas belas, mas cada um vê beleza numa coisa diferente. Ninguém quer ser enganado, mas nos perdemos em intermináveis debates sobre quais são as “fake news”. Todos queremos ser felizes, mas cada um procura a felicidade a sua maneira.
Buscar o diálogo a partir dessa “experiência elementar” significa procurar entender as razões que levam uma pessoa a buscar satisfazer essas exigências de uma forma ou de outra – e a partir daí começar um caminho de entendimento compartilhado sobre as questões polêmicas. Trata-se de uma experiência menos frequente do que a do diálogo “horizontal”, mas que também é feita habitualmente por nós. Muitas vezes perguntamos sinceramente a uma pessoa querida, que parece estar tomando alguma decisão tresloucada: por que você quer fazer isso? Quando essa pergunta é sincera, corresponde a um desejo nosso de entabular um diálogo que aprofunde tanto as nossas razões quanto as do outro, um diálogo que leve a uma compreensão e uma comunhão mais profundas.
Todo diálogo exige amor
Seja o caminho “vertical”, seja aquele “horizontal”, todo diálogo exige não só um esforço intelectual, mas também um gesto primeiro de amor. Temos que demonstrar afeto pelo outro para que ele se disponha realmente a seguir conosco num caminho de diálogo, que leve ao verdadeiro encontro e à unidade (ainda que limitada).
Geralmente, cobramos um gesto de abertura do outro, para depois nos abrirmos. Como o outro tem a mesma postura, o diálogo não avança. Aquele que ama dá o primeiro passo e, com isso, descobre novos amigos e novas belezas. Que, nessa Quaresma, descubramos ainda mais a misericórdia que Deus tem por nós e, nos percebendo amados com misericórdia, possamos viver a alegria de amar nossos irmãos e dialogar com eles.
Nota
Para quem quiser aprofundar o conceito de experiência elementar, sugiro a leitura das obras:
GIUSSANI, L. O senso religioso. Jundiaí: Paco Editorial, 2017.
MAHFOUD, M. Experiência elementar em psicologia: aprendendo a reconhecer. Brasília: Universa, 2012.
Artigo originalmente publicado em Aleteia
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