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O mundo na visão da doutrina social da Igreja

O mundo na visão da doutrina social da Igreja

Compreendendo a realidade numa perspectiva integral, a partir do pensamento social cristão

Categoria: Diálogo

O pecado da estupidez, uma lição de G.K. Chesterton

Preparando o Caderno Fé e Cultura sobre G.K. Chesterton, deparei-me, com uma curiosa ideia deste que foi, provavelmente o maior e mais genial apologeta do catolicismo no século XX. Segundo ele “uma palavra estúpida de um membro da Igreja faz mais estrago que cem palavras estúpidas de pessoas de fora da Igreja”. Todos nós já sentimos raiva, em alguma ocasião, por escutar ou ler uma frase que nos parece estupida vinda de algum católico ilustre. “Chestertonianamente”, devo acrescentar: talvez a ideia seja mesmo estúpida ou talvez o estúpido seja eu.

Por favor, caros leitores, eu faço tantas idiotices quanto todos os outros, talvez até mais. Detesto certo modismo que julga os outros como “imbecis coletivos”, “vendidos ao sistema”, hereges ou seja lá o que for – como se nos tornássemos inteligentes e bons cristãos só por atacar os demais. A estupidez, dos outros ou nossa, gera raiva mas, de certa forma, faz parte da vida. Irmãos brigam entre si e se enfurecem com frequência, o importante é que a ira seja superada pela reconciliação e, idealmente, que a posição menos estupida acabe prevalecendo.

A estupidez de um católico, contudo, é motivo de escândalo para os que não creem, arranha a própria credibilidade da Igreja, afasta ainda mais aquelas pessoas de boa vontade que não conhecem a Cristo. Trabalho há décadas cercado por jovens universitários e posso confirmar a ideia de Chesterton. A imensa maioria dos jovens busca o bem. Perdem-se quando não encontram o caminho justo… E muitas vezes o acesso à estrada justa está atulhado por enormes pedras de estupidez.

Exemplifico aqui algumas situações com que me deparo frequentemente nos meios universitários. Um pai católico, bem-intencionado, mas que costuma tomar decisões autoritárias e ter falas agressivas, pode fazer mais estrago que uma dezena de “ideólogos de gênero”, cuja posição se fortalece na crítica à postura daquele pai. Por outro lado, pessoas igualmente bem-intencionadas, que desejam combater a discriminação e a injustiça, frequentemente deixam-se levar por um extremismo que nega a realidade e a própria natureza do ser humano. Teólogos e padres espalham a confusão e minam a credibilidade da Igreja atacando seus irmãos de fé que pensam diferente, sem buscar uma posição mais verdadeira que integre a todos – acabam fazendo proselitismo em causa própria, prejudicando tanto o bem-comum quanto o cristianismo.

Nenhum de nós é particularmente culpado da maior parte das idiotices com que muitas vezes “brindamos” nossos irmãos. Muitas vezes repetimos aquilo que aprendemos de nossos mestres, que por sua vez repetem o que aprenderam de outros mestres. Em outras ocasiões, nos posicionamos de forma reativa contra idiotices e não percebemos verdades profundas que as acompanham. Carregamos um tesouro, que nos vem por meio de Cristo, em vasos de barro, que somos nós mesmos e nossa limitada inteligência do mundo (cf. 2Cor 4, 7).

Observando as reações de jovens sem fé às idiotices que fazemos muitas vezes, constato que nossos erros geralmente nascem de um descuido com relação a três compromissos:

O compromisso com o amor

Todo ser humano quer ser amado. Nos escandalizamos quando sentimos que não fomos amados tal como merecemos ou quando vemos alguém sofrer intensamente por não se perceber amado. O amor é o maior dos mandamentos (Mt 22, 37-40), o maior dos valores cristãos (cf. 1Cor 13, 13). Ele se expressa no cuidado com o pobre, na acolhida ao aflito, no perdão ao ofensor, na tolerância com o diferente. Toda vez que faltamos com o amor, por razões até compreensíveis (como a exaustação ou uma desatenção momentânea) ou inaceitáveis (como o olhar egoísta ou preconceituoso), estamos – de alguma forma – cometendo uma destas idiotices que afastam os outros de Cristo e da Igreja.

O compromisso com a verdade

Frequentemente amamos mais nossas ideias do que a verdade. Preferimos recortar a realidade, ficando apenas com aqueles aspectos que nos interessam, do que aceitá-la integralmente, o que nos obrigaria a reconhecer coisas que não nos agradam. Assim como se escandalizam com a falta de amor, as pessoas também não se sentem atraídas por um espaço onde a realidade não é respeitada e compreendida. A polarização partidária nas últimas eleições foi, sob esse aspecto, um flagelo para a comunidade católica. De todos os lados parecem ter vindo fake news e informações desencontradas, sem argumentos racionais. A falta de um diálogo construtivo, que reconheça acertos e erros de ambos os lados, é um contratestemunho que afasta justamente aqueles que estão mais interessados e abertos à verdade.

A verdade e o amor devem andar juntos

A verdade não pode ser pregada sem amor. Muitas vezes somos agressivos e intransigentes com o outro, porque não procuramos ouvi-lo e entendê-lo antes de condenar sua posição. Jesus diz de si, “eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6). Se Cristo é a verdade, evidentemente suas ideias também são verdadeiras, mas a formulação evangélica sugere algo mais: a verdade se manifesta no encontro com uma pessoa que nos ama, não na exposição das ideias que são verdadeiras. Essa exposição de ideias verdadeiras só adquire sentido se precedida e acompanhada por um gesto de amor.

Por outro lado, um amor que não expõe a verdade deixa de ser um amor real. Como podemos amar uma pessoa e aceitar que viva na mentira e no erro? Mais cedo ou mais tarde ela encontrará a infelicidade. Portanto, o amor também supõe a apresentação da verdade – porém dentro de uma caminhada marcada pelo amor mútuo. Os amigos e os amantes descobrem e redescobrem juntos a verdade ao longo da vida, respeitando os tempos e os passos um do outro.

O compromisso com a humildade

Não sabemos amar como deveríamos, nem mesmo como gostaríamos. Não somos donos da verdade, pelo contrário, deveríamos ser apenas seus servidores. Já fizemos, continuamos a fazer e iremos continuar fazendo coisas estupidas ao longo de nossa vida. Não adianta nos escandalizarmos com a estupidez, seja de nossos irmãos, seja de nós mesmos. Mas não podemos nos acomodar a ela. Temos que procurar superá-la sempre, por amor a nossos irmãos e a nós mesmos. Para isso, é fundamental sermos humildes, reconhecer nossos erros, aceitarmos a justa correção, estarmos dispostos a mudar para melhor. O verdadeiramente humilde não se envergonha diante do outro. O medo e a sensação de constrangimento quando nos mostram nossos erros nascem de nosso orgulho e não de nossa humildade. Aquele que é verdadeiramente humilde tem uma liberdade que se torna um convite ao irmão, que faz da correção uma ocasião de descoberta mútua e uma possibilidade de crescimento na amizade e na fé.

Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia

Autor BorbaPublicado em 14 de dezembro de 2022Categorias Cultura, Diálogo, Fé e razãoTags Amor, Educação, família, Ideologia1 comentário em O pecado da estupidez, uma lição de G.K. Chesterton

Razão e emoção, na vida, na política… e na fé

Razão e emoção, na vida, na política… e na fé

Somos seres inteligentes, que tomam decisões a partir de uma análise racional e objetiva da situação. Em política, avaliamos o desempenho dos políticos e escolhemos aqueles mais condizentes com a construção do bem comum e nossas convicções. Certo? Seria bom que fosse, mas infelizmente não é assim que as coisas acontecem. Estudos nas mais diversas áreas do conhecimento têm revelado que nossa suposta racionalidade, na tomada de decisões, é muito mais aparente do que imaginamos. Pensamos e agimos fortemente condicionados por sentimentos, emoções e paixões – ainda que empreguemos argumentos racionais para nos justificarmos perante os outros e perante nós mesmos.

Nossa primeira reação aos estímulos externos é de natureza instintiva e emocional. Só num segundo momento conseguimos raciocinar diante da situação. Quando a lógica entra em ação, uma percepção imediata do problema já se estabeleceu e tendemos a pensar a partir dessa percepção, que pode estar muito longe da realidade objetiva. Olhemos para nós mesmos, para a tendência que quase todos temos, quando algo subitamente dá muito errado, de pensar uma imprecação (mesmo que só pensemos, sem exteriorizar).

Diante de uma situação de perigo físico, uma resposta instintiva e rápida pode ser muito útil. Contudo, numa situação que exige reflexão e ponderação, pode tornar-se uma dificuldade a mais. Convivemos com esse limite em todas as ocasiões, mas os problemas podem ser ainda maiores em tempos de elevada polarização ideológica.

As emoções que nos mobilizam

Na política, algumas emoções parecem ser mais determinantes do que outras em nossos posicionamentos. O medo e o ressentimento têm sido frequentemente citados como os mais relevantes nesse contexto. Vivemos em sociedades complexas, onde frequentemente nos sentimos ameaçados por poderes muito superiores a nossas forças, manipulados por entidades que não conhecemos ou entendemos bem, mas que parecem não se importar minimamente conosco. Pode ser o sistema capitalista, os globalistas, o Estado comunista ou simplesmente “os chefes” impessoais e invisíveis. Sejam lá quem for, são considerados responsáveis pelas crises econômicas, pelas guerras, pelo desemprego, pela insegurança quanto ao futuro. Respondem por uma percepção instintiva e fortemente emocional, que dificulta ainda mais a compreensão dos problemas objetivamente enfrentados.

A resposta a essa situação vem como frustração e raiva. São os sentimentos mais facilmente manipuláveis por uma liderança política desonesta. O frustrado e o raivoso procuram uma alternativa que lhes permita exteriorizar aquilo que sentem da forma mais rápida e instintiva possível. Com isso, avaliam mal as situações, se deixando levar pela primeira pessoa que declara lhes oferece justiça (que frequentemente tem mais o sabor de sobrevivência ou vingança do que de verdadeira justiça).

Mas existem outros sentimentos igualmente poderosos. O entusiasmo de se sentir em meio a uma multidão que vai “fazer história” e mudar o mundo; a esperança num líder que se apresenta como poderoso salvador; a empatia diante daqueles que sofrem e os escândalo diante das injustiças. As emoções não são sempre negativas, mas quase sempre tendem a dificultar a análise objetiva da situação.

Sem o estímulo de emoções positivas, como a esperança e o entusiasmo, as emoções negativas, como a raiva e o ressentimento, nos frustram e paralisam, ao invés de nos induzir à mobilização. Por isso, os líderes de massa não apenas criticam seus adversários, mas também infundem a impressão de que são todo-poderosos e que poderão eliminar qualquer obstáculo – desde que contem com o apoio popular. Exploram o ressentimento e induzem a uma esperança, muitas vezes ilusória, de que as coisas a partir de agora serão diferentes.

Eliminar as emoções também não é uma boa alternativa

Nos embates ideológicos, é comum um lado acusar o outro de irracional e passional, incapaz de ver a realidade. Na verdade, comportamentos mais passionais, controlados pela emoção mais do que pela razão, se tornam mais comuns à medida que nos dirigimos aos extremos do espectro ideológico. Tanto a extrema esquerda quanto a extrema direita, tanto os progressistas mais radicais quanto os conservadores mais inflexíveis tendem a serem determinados mais pela emoção do que a razão.

O centro é mais racional? Tende a ser menos passional e agressivo, mas também aí não há uma garantia de decisões racionais e adequadamente refletidas. Muitas vezes o centro, por falta de uma carga emocional e de uma empatia real com os sofrimentos do povo, se torna apático e tem dificuldade de dar respostas mobilizadoras e até eficientes para os problemas. A falta de emoção pode ser tão ineficiente quanto o excesso de paixão. Muita paixão leva à impulsividade irrefletida; pouca emoção, à acomodação conformista.

Um ser exclusivamente lógico, destituído de emoções, não seria humano, seria um robô. A solução ideal é integrar as emoções positivas ao nosso arcabouço racional, usando-as para canalizar nossas energias rumo a bons objetivos, e controlar as emoções negativas, para que elas não nos façam perder o caminho certo.

A serenidade que não é indiferença

Manter-se sereno diante das circunstâncias adversas é um trunfo para qualquer ser humano. Não se trata de eliminar as emoções e sim de vivê-las com serenidade, sem deixar que elas nos dominem, mas – pelo contrário – sabendo dominá-las para que se tornem uma força positiva. Não é fácil e exige um certo treinamento, comum a pessoas acostumadas a enfrentar situações difíceis ou perigosas. Como tantas outras coisas no mundo, também o controle adequado das nossas emoções pode ser feito de uma forma característica do cristianismo.

Para nós, cristãos, a serenidade vem da confiança em Deus. Aquele que se sabe amado e cuidado por um Outro, vê e julga todas as situações com um olhar sereno, que não procura esquecer as dificuldades nem se encoleriza com os erros, mas encontra a forma mais adequada de enfrentar os problemas. “Aja como se tudo dependesse de você, sabendo bem que, na realidade, tudo depende de Deus”. A frase, atribuída a Santo Inácio de Loyola (apesar de não se ter uma referência precisa de onde e quando teria dito), ilustra bem o que seria esse modo sereno de agir e de se posicionar diante das coisas.

Um exercício ascético simples, que pode ajudar em situações que comprometem fortemente nossas emoções, é fazer a pergunta: se Cristo, que sempre amou e perdoou a todos, sem nunca deixar de dizer a verdade, viesse agora me aconselhar diante dessa situação, o que diria? Invariavelmente perceberemos que os conselhos de Jesus nos ajudariam a nos serenarmos, a recuperar a ternura necessária para ajudar os que sofrem, nos indignarmos com a injustiça sem sermos violentos.

A memória do amor recebido e da ternura com que Deus concebeu o mundo são como antídotos para as emoções negativas que nos desequilibram e uma fonte de emoções positivas que nos ajudam a raciocinar melhor e tomar as decisões justas diante os desafios tanto da vida cotidiana quanto da política.

Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia

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Autor BorbaPublicado em 1 de agosto de 2022Categorias Democracia, Diálogo, Fé e razão, SegurançaTags Amor, Atentados, Eleições, Paz, ViolênciaDeixe um comentário em Razão e emoção, na vida, na política… e na fé

Como educar num mundo marcado por ideologias contrárias ao cristianismo?

Como educar num mundo marcado por ideologias contrárias ao cristianismo?

Recentemente, as mídias católicas publicaram vários artigos sobre uma “agenda gay não secreta” nos filmes de animação da Pixar/Disney, como Lightyear. Para quem quiser saber mais sobre o caso, aconselho a leitura do artigo publicado em Aleteia. Mas o problema é mais amplo. Falamos muito da “ideologia de gênero”, tema que inquieta a alguns enquanto recebe pouca atenção de outros, mas o individualismo, o consumismo, o hedonismo e o niilismo são ideologias até mais presentes e influentes na sociedade – já quase transformadas em modo de ser inconsciente de jovens e adultos. Nasce daí uma pergunta sempre mais significativa para pais e educadores: como formar crianças e jovens num mundo cada vez mais marcado por ideologias contrárias aos valores cristãos?

Existem alguns comportamentos já consagrados, como resposta a essa pergunta: acompanhar de perto o desenvolvimento das crianças; saber o que estão vendo na TV, nos jogos e nos grupos de amigos; conversar com elas, procurando responder de modo sincero a suas dúvidas e inquietações; estar atento para que as situações sejam apresentadas em momentos adequados ao seu amadurecimento afetivo e intelectual, evitando expô-las àquilo a que não estão preparadas.

Muitas vezes, contudo, a preocupação em alertar para com os erros e desvios nos leva a não apresentar de modo adequado aquilo que é certo ou aquilo que realmente é importante para nós. Ao diabo, pouco importa ser seguido – para o ser humano se perder, basta que olhe mais para o demônio que para Deus. Em nosso afã por combater as ideologias, acabamos caindo exatamente nessa armadilha: nos detemos mais em explicar o que é errado do que em valorizar o que é certo.

A reflexão a seguir toma por base o debate entre acolhida aos homossexuais e ideologia de gênero, mas a sua estrutura vale para qualquer desafio ideológico que enfrentemos na educação dos jovens.

Uma posição integral

A educação rotulada como conservadora tende a idealizar os valores da tradição, ignorando as contradições do passado. Insiste em alguns princípios, mas não dá respostas adequadas aos desafios do momento. Aquela rotulada de progressista idealiza os novos valores, ignorando as contradições do presente, dando respostas esquemáticas, que podem até parecer simpáticas, mas não dão conta de toda complexidade dos problemas.

Uma boa formação deve ser integral, nem conservadora, nem progressista. Só Deus é perfeito, mas um bom educador deve sempre se perguntar tanto sobre os valores quanto sobre as contradições que se encontram em todas as posições e procurar sua superação.

O maior valor é sempre a caridade

Para educar bem a crianças e jovens é preciso mostrar-lhes claramente o que é a caridade, o amor gratuito. “A caridade na verdade […] é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira”, lembra Bento XVI na Caritas in veritate (CV 1).

Todos amamos nossos filhos, mas esse amor nem sempre demonstra adequadamente o amor cristão. Papa Francisco frequentemente lembra que esse amor é, em primeiro lugar, misericórdia, que perdoa e acolhe com ternura. Além disso, é gratuito, não espera nada em troca, apenas quer o bem do outro. São tais características que legitimam a orientação e a correção, sempre necessárias, mas que são confundidas com coação e prepotência quando não percebidas dentro de uma relação de amor.

Além disso, o amor deve se estender a todos. Como diz Jesus (Lc 6, 32), se amamos só aos que nos amam, que mérito temos? Até os maus fazem isso… Muitos bons cristãos se lembram de ter aprendido a fé com o testemunho silencioso de suas mães e pais, que sempre acolhiam os necessitados. Por outro lado, como dizer que somos contra a ideologia de gênero e não contra as pessoas homossexuais se não as acolhemos e procuramos ajudá-las em suas dificuldades? Para enfrentar adequadamente as ideologias, temos que praticar o amor para com todos, pois essa universalidade da caridade evidencia uma verdade maior.

Reconhecer as contradições

Ideologias se sustentam porque mostram problemas verdadeiros, usados para ocultar a totalidade do real. A homossexualidade, por exemplo, é um dado que transcende as escolhas morais – que tanto para o homossexual quanto para o heterossexual dizem respeito aos atos praticados e à castidade (cf. Catecismo da Igreja Católica, CIC 2337ss). Os gêneros, entendidos como construções sociais (e como tais passíveis de diferentes manifestações) a partir dos sexos biológicos, também são dados do real.

Aquilo que deve ser percebido, com tranquilidade e com clareza, é que a dissociação entre sexo biológico, afetos e comportamentos – isso é, possuir um gênero que difere do sexo biológico – não é um problema apenas porque não é aceito pela sociedade. Chega a ser óbvio a constatação de que as pessoas que vivem todas as suas dimensões de modo unitário e integrado terão um caminho de realização mais fácil do que aqueles que não vivem essa unidade. Esses “devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza”, evitando-se, “em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta” (CIC 2358). A discriminação potencializa muito os problemas vividos por essas pessoas e os cristãos têm o dever de acolhê-las e acompanhá-las, com amor e sem falsas condescendências, sempre conscientes da objetividade da situação. Desse modo, reconhece-se os dados reais, mas não se oculta as dificuldades.

Buscar o desejo de bem

Na base de qualquer posição ideológica existe sempre um desejo de bem. Ninguém quer o mal para si ou para aqueles a quem ama. Ideologias não se expandem porque as pessoas escolheram o mal para si, mas porque fizeram uma escolha errada ao procurar o bem para si mesmas. Antes de condenar ou desqualificar uma ideologia, temos que dialogar com o desejo de bem que leva as pessoas a aderir a essa posição. Veremos que, muitas vezes, a adesão ideológica se funda em bons sentimentos, como a empatia pelos que sofrem, a busca por afetos sinceros e a luta por liberdade.

Cabe ao educador dialogar com esse desejo de bem que habita o coração dos jovens, mostrando-lhes os vários caminhos que se abrem à sua liberdade e as implicações de cada um.

Oferecer soluções

A crítica às ideologias frequentemente peca pela falta de soluções aos problemas existentes. Aponta-se o erro de uma posição, mas não se oferece uma alternativa. Parece que deixar como está é a melhor alternativa. Mas o ser humano sempre quer mudar para melhor.

Pouco adianta, por exemplo, dizer que o capitalismo está errado, sem oferecer modelos econômicos alternativos e viáveis. Cria-se um entusiasmo momentâneo, que só se sustenta enquanto não há possibilidade real de mudança. Despertará pouca simpatia entre os jovens uma condenação da ideologia de gênero que não aponta caminhos de acolhida e inclusão dos homossexuais ou de uma vivência afetivo-sexual mais plena. Aliás, uma das dificuldades nesse debate é se imaginar que o outro reconhece as soluções que apresentamos, sem nos apercebermos que essas soluções só nos parecem viáveis por causa de uma longa história na comunidade cristã que não foi vivida pelo nosso interlocutor.

Confiar em Deus

Para os cristãos, deve ficar claro que “o cêntuplo e a vida eterna” (cf. Mc 10, 29-30; Mt 19, 28-29) não é o resultado de uma compreensão intelectual de certas ideias, mas uma graça que Deus dá aos que seguem a Cristo. Nesse sentido, nossa maior tarefa é a oração pelos jovens e nosso maior alento é a confiança em Deus. Os caminhos que cada ser humano deverá trilhar e como esses caminhos conduzirão a Ele são mistérios que não conhecemos, mas nunca poderemos deixar de confiar na bondade e na misericórdia de Deus.

Tal tranquilidade é particularmente importante quando estamos diante de jovens que já apresentam comportamentos que julgamos problemáticos e ideológicos. Pais e educadores muitas vezes tentam induzir mudanças que lhes parecem adequadas, num esforço que só gera mais resistência. Além disso, nem mesmo sabemos se nossos esforços correspondem à via de conversão que Deus escolheu para o outro. Muitos precisaram trilhar caminhos escuros para se tornar luz para os demais.

O caminho mais efetivo para educar aos valores cristãos, num mundo marcado pelas ideologias, é aquele que combina a ternura do amor com a sabedoria da verdade.

Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia

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Autor BorbaPublicado em 27 de junho de 2022Categorias Diálogo, Educação, FamíliaTags Amor, Caridade, cultura, Gênero, Ideologia, VerdadeDeixe um comentário em Como educar num mundo marcado por ideologias contrárias ao cristianismo?

Princípios irrenunciáveis e política no Brasil

Princípios irrenunciáveis e política no Brasil

Em períodos eleitorais, nós católicos, voltamos a ouvir com frequência falar nos “princípios irrenunciáveis”, destinados a orientar nosso voto e a conduta dos eleitos. Se tantos os citam como critérios de conduta, tantos outros os olham com desconfiança, acusando aos demais de estarem usando ideologicamente a doutrina social da Igreja – sintoma das dramáticas divisões que afetam a nós católicos, em nossa dificuldade para conciliar pluralidade e unidade. O problema de fundo não está nos princípios, mas sim em seu mal uso.

Os princípios e a partidarização da experiência cristã

As questões são decorrentes, em grande parte, do interesse que os grupos partidários têm de conseguir o voto católico. Cada um procura “filtrar” a doutrina social da Igreja a partir de suas convicções, tentando mostrar seus candidatos como os únicos que se adequam aos princípios propostos pelo Magistério. Essa tendência de ideologização não é, em si mesma, um desejo de manipulação. Muitos buscam fazer esse uso partidário com a melhor das intenções, porque acreditam realmente que seu grupo é aquele que melhor representa os ideais cristãos. Outras vezes, porém, vem com interesses demagógicos, de gente que se diz seguidora de princípios cristãos para conseguir apoio, mas de fato age de forma totalmente oposta a esses princípios.

O candidato ideal, perfeito tanto na teoria quanto na prática, não existe, por um motivo muito simples: todos eles são seres humanos limitados e sujeitos ao pecado – como nós mesmos, diga-se de passagem. Os partidos, enquanto agremiações que fatalmente incluem pessoas diferentes, tampouco podem ser perfeitos. A história recente mostrou os limites e as decepções trazidas pelos partidos autodenominados “democracias cristãs”, que muitas vezes usavam o cristianismo de forma falsa e demagógica.

A partir de constatações dessa natureza, o Compêndio de Doutrina Social da Igreja esclarece: “O cristão não pode encontrar um partido plenamente conforme às exigências éticas que nascem da fé e da pertença à Igreja: a sua adesão a uma corrente política não será jamais ideológica, mas sempre crítica, a fim de que o partido e o seu projeto político sejam estimulados a realizar formas sempre mais atentas a obter o verdadeiro bem comum, inclusive os fins espirituais do homem” (CDSI 573), de tal forma que “a adesão a um partido ou corrente política seja considerada uma decisão a título pessoal, legítima ao menos nos limites dos partidos e posições não incompatíveis com a fé e os valores cristãos” e “a ninguém é permitido reivindicar exclusivamente, em favor do seu parecer, a autoridade da Igreja: os crentes devem antes procurar «esclarecer-se mutuamente num diálogo sincero, guardando a caridade mútua e tendo, antes de mais, o cuidado do bem comum” (CDSI 274).

Estas passagens do Magistério são importantes para que tenhamos a prudência e o respeito necessários para que os princípios irrenunciáveis possam servir a um diálogo frutuoso sobre os temas políticos, tanto no seio da comunidade cristã quanto com a sociedade civil em seu conjunto.

A política é a arte da negociação

Esses princípios foram muitas vezes denominados como “inegociáveis”. O termo pode ser usado se entendemos que eles não podem ser sacrificados em negociações que visam o poder ou outros ganhos menos fundamentais. Contudo, a política é a arte da negociação e o próprio documento que os apresenta dá exemplos de negociações que podem se tornar necessárias para defendê-los ou minimizar o efeito de leis contrárias a eles (cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, 2002).

O exemplo de negociação vem justamente na questão do aborto, uma “exigência ética fundamental e irrenunciável”, no dizer do documento. Citando São João Paulo II e a sua encíclica Evangelium vitae (EV 73), a Nota Doutrinal explica que é possível que “um parlamentar, cuja pessoal oposição absoluta ao aborto seja clara e por todos conhecida, possa licitamente dar o próprio apoio a propostas tendentes a limitar os danos de uma tal lei e a diminuir os seus efeitos negativos no plano da cultura e da moralidade pública”. Ou seja, ele participaria de uma negociação com outros parlamentares para reduzir as situações em que o aborto é permitido.

Não seria lícito, contudo, uma negociação em que se aceitasse o aborto em troca da aprovação de uma lei que regulasse transações comerciais ou envolvesse privatizações. Nesse caso, o irrenunciável se apresenta como inegociável.

O desafio de ser integral

O maior problema para o justo entendimento desses princípios, contudo, é uma visão reduzida de sua aplicação, orientada por um falso “realismo político”. Muitos acreditam que chegar ao poder é a única forma de conseguir aquilo que almejamos. Assim, é realista sacrificar qualquer ideal para se chegar ao poder. Uns, em nome da opção pelos pobres, deixam de lutar contra o aborto. Outros, em nome da defesa da vida, fecham os olhos à situação dos mais pobres.

Quando caímos nesses reducionismos, perdemos a unidade e a coerência interna do Magistério católico, permitindo a instrumentalização da doutrina social e dando razão às dúvidas de nossos irmãos. A postura justa é aquela de sempre buscar uma visão integral e unitária de todos esses princípios, orientada ao diálogo e à construção do bem comum.

Sem fazer um elenco completo, mas procurando apenas dar exemplos, a Nota Doutrinal já citada lista cinco “princípios irrenunciáveis”: (1) o direito à vida, (2) a proteção e promoção da família, (3) a liberdade – em particular religiosa e de educação, (4) a economia a serviço da pessoa e (5) a construção da paz. Todos são irrenunciáveis, não podemos escolher um e esquecer outros.

Se nossos candidatos ou grupos políticos traem algum desses princípios, nosso dever é alertá-los e exortá-los a uma adesão mais completa e integral a todos eles – mesmo que isso signifique uma perda política. Podemos chegar até ao ponto de deixar de darmos nosso apoio a eles. O que não podemos é fechar os olhos quando abandonam algum desses princípios, com alegações como “o adversário faz pior” ou “temos que aceitar isso para defender aquilo”.

Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia

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Autor BorbaPublicado em 9 de maio de 2022Categorias Democracia, Diálogo, Eleições, Sem categoriaTags Aborto, Defesa da vida, Diálogo, Economia, Educação, família, Opção pelos pobres, PazDeixe um comentário em Princípios irrenunciáveis e política no Brasil

A Mensagem da CNBB, as disputas ideológicas e as eleições

A Mensagem da CNBB, as disputas ideológicas e as eleições

Em um ano político, todas as forças políticas, que buscam o voto católico, tendem a tentar usar a doutrina social da Igreja e os valores cristãos para conseguir votos. É sempre bom relembrar que a Igreja não indica partidos, cada um de nós é convidado a escolher os candidatos que considera melhores à luz da caridade e da verdade – e nesse sentido são úteis os princípios e ensinamentos presentes nos documentos do Magistério. Assim, as diversas tentativas de conquistar o voto católico, por parte de políticos e partidos, devem ser sempre acolhidas no que têm de verdadeiro e criticadas no que têm de falso.

A 59ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou, em 29 de abril, uma nova Mensagem ao povo brasileiro. Imediatamente, o texto foi tomado por uns e outros, favoráveis e contrários, como instrumento para a propaganda ideológica de cada tendência. Os que se sentem mais à vontade com o teor da Mensagem, dizem “vejam como os bispos concordam conosco”. Os que se sentem criticados, dizem “vejam como os bispos estão comprometidos ideologicamente com nossos adversários”.

Bispos, padres e lideranças religiosas têm opções e formas de expressão influenciadas pelos grandes debates socioculturais e econômicos do País. Seus documentos, em sua exposição, refletem essas influências. Contudo, será um erro pessoal grave de cada um de nós, católico, reduzir suas mensagens a essas influências, ao invés de procurar a provocação que o Espírito, por meio dos seres humanos falíveis que constituem a sua Igreja, nos faz. Nessa Mensagem, aqui comentada, podemos encontrar sete elementos – totalmente inspirados e afinados com a doutrina social da Igreja. São temas que aparecem, talvez com formulação um pouco diferente, mas com esse mesmo espírito, em documentos como Solicitudo rei socialis, Centesimus annus e Evangelium vitae, de São João Paulo II, Laudato si’ e Fratelli tutti, do Papa Francisco.

É inegável que os temas que mais preocupam os bispos são as questões sociais, particularmente a situação dos mais pobres e das populações mais sujeitas a injustiças, e a estabilidade política da democracia brasileira – e esse não pode deixar de ser um convite a nossa reflexão e discernimento político diante das eleições. Nessa perspectiva, a Mensagem:

  1. Valoriza a solidariedade e encoraja movimentos e organizações sociais a trabalharam por uma sociedade justa e fraterna.
  2. Enaltece o esforço das famílias, nesse período de pandemia, em particular em prol da educação (ver o Pacto Educativo Global, estimulado pelo Papa Francisco).
  3. Denuncia os graves problemas sociais do Brasil, que aumentaram com a crise sanitária e internacional, as ameaças aos mais vulneráveis e ao meio ambiente.
  4. Condena a violência, as guerras, o armamentismo e a lógica do confronto, na sociedade e na política.
  5. Defende a vida, da concepção até a morte natural.
  6. Se opõe à manipulação religiosa e às fake news.
  7. Condena a corrupção, ao citar a Lei da Ficha Limpa, e conclama ao voto consciente, por uma política melhor.

Dificilmente encontraremos um candidato nas eleições que, na teoria e na prática, ao longo de toda a sua vida pública, tenha agido de forma totalmente condizente com todos esses pontos. Cabe a cada um de nós ter o discernimento para escolhermos aqueles que estão mais próximos da doutrina social da Igreja, procurando nós mesmos nos convertemos sempre mais e exortando-os a serem cada vez mais fieis ao bem comum.

Francisco Borba Ribeiro Neto


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Autor BorbaPublicado em 2 de maio de 2022Categorias Democracia, Diálogo, Eleições, Papa Francisco, São João Paulo II, Sem categoriaTags Aborto, Bolsonaro, CNBB, Corrupção, Defesa da vida, família, Lula, Opção pelos pobres, Papa Francisco, Partidos políticos, PTDeixe um comentário em A Mensagem da CNBB, as disputas ideológicas e as eleições

Perdoa-lhes[nos], pois não sabem[os] o que fazem[os]

Perdoa-lhes[nos], pois não sabem[os] o que fazem[os]

A famosa frase de Jesus, ao ser crucificado (Lc 23, 34), permanece, por toda a história, como uma das lições mais duras do seguimento a Cristo: amar e perdoar o outro no momento em que ele nos inflige a maior dor. Talvez seja ainda mais desafiadora nesse tempo de “batalhas culturais” e “cancelamentos sociais”. Lutamos para que nossa dignidade seja respeitada e para que os valores naturais a todo ser humano (ou que pelo menos assim deveriam ser percebidos) sejam respeitados num mundo que já foi cristão (uma análise objetiva mostrará que em nossa sociedade as marcas do cristianismo ainda persistem, mas ele não é mais hegemônico). É fato que grande parte de nossas dificuldades vêm de um cristianismo mal vivido ao longo da história do Ocidente. As contradições, os pecados e as traições de gerações de cristãos – alguns poderosos, outros não – criaram o terreno fértil onde cresceram as objeções ao cristianismo nos tempos atuais, mas isso não muda nossa indignação e nossa dor.

Quando respondemos ao mal com o mal

Falando sobre a não-violência, Bento XVI explica que “dar a outra face” (cf. Lc 6, 29) não consiste em entregar-se nas mãos daquele que é mal, mas sim em responder ao mal com o bem (cf. Rm 12, 17-21). Mas, uma tentação diabólica de nossos tempos é justamente querermos usar as estratégias do mal para vencer o mal. Se o mundo se tornou ideológico, sejamos nós também ideológicos – o que interessa é que a ideologia seja “a nossa”, supostamente boa e cristã. Se a mentalidade hegemônica está recheada de mentiras, por que não adulterar um pouco a verdade, deixando-a um pouco mais escandalosa para que os outros entendam melhor o quanto estamos certos? Como aqueles que têm uma postura anticristã nos censuram e nos cancelam, melhor responder-lhes com igual virulência e agressividade, afinal, o mundo é dos fortes.

Com essa assimilação de nossa conduta aos comportamentos que nos ferem, acabamos esquecendo que o cristianismo não é uma ideologia ou um programa moral, mas sim o encontro pessoal de cada um de nós com Cristo, como lembram tanto Bento XVI (Deus caritas est, DCE 1) quanto Papa Francisco (cf. sua carta a Eugenio Scalffari). Esquecemos que não existem “meias verdades” e que “meias mentiras” e fake News, mesmo quando bem-intencionadas, só nos levam para um mundo de falsidade cada vez maior. Nos tornamos, nós mesmos, agressivos e violentos, cada vez mais distantes do modo de ser de Cristo, que era “manso e humilde de coração” (Mt 11, 29).

É verdade que, ao longo da história, muitos se aproveitaram da mensagem de Jesus, exortando os cristãos a uma obediência e a uma humildade ingênuas e submissas. Grande parte da revolta anticristã dos tempos modernos veio de uma compreensível repulsa a esse tipo de situação. Por outro lado, também é verdade que a negação dessa postura tem levado muitos cristãos a uma dura militância que confia mais nas estratégias humanas do que na graça de Deus, esquecendo-se que “não há rei que se salve com a grandeza dum exército, nem o homem valente se livra por sua muita força” (Sl 33, 16).

A dura verdade é que a Igreja se declara assentada sobre o sangue dos mártires e o testemunho dos santos, não sobre a força dos cruzados ou as vitórias dos generais cristãos. Não só isso! De que nos valeria ganhar o mundo inteiro, se perdêssemos a própria alma? (cf. Mt 16, 26). Muitas vezes os cristãos, querendo criar um mundo supostamente melhor com as próprias forças, espalharam dor e sofrimento. Muitos cristãos, confiando no próprio poder, se perderam e se afastaram do caminho de Cristo.

A força do testemunho da bondade

Existe um outro modo de responder ao mal, que é com uma bondade sincera e inteligente, vinda de nossa conversão e adesão a Cristo. Os maus podem não querer reconhecer a força da bondade, mas ela tem um poder avassalador. Nosso grande problema não é sermos muito “bonzinhos”, mas não sermos suficientemente bons, para que nossa bondade permita a nossos irmãos ao menos vislumbrar, por um instante, a verdadeira bondade de Deus…

Ficou famosa a pergunta de Stalin, que foi sem dúvida o mais poderoso ditador do século XX: quantas divisões militares tem o papa? Nenhuma, é verdade. Numa guerra como a atual da Ucrânia, ele não pode enviar exércitos, nem contribuir para com as sanções econômicas que procuram parar a guerra. Pode apenas rezar pela paz e pedir aos poderosos do mundo um pouco de bom senso e caridade. Mas, o grande império soviético, com seus exércitos, suas armas atômicas e seus espiões, não durou um século, enquanto a Igreja Católica subsiste praticamente a vinte séculos.

Com a graça de Deus, a bondade tem um poder real. Quando vemos a forma pela qual o mundo trata o Papa Francisco, percebemos claramente essa força. Concordem ou não com ele, sigam a Igreja Católica ou não, as pessoas não conseguem negar sua bondade e seu exemplo. Infelizmente, o povo cristão nem sempre está à altura do seu líder – e a força de seu testemunho é perdida em meio a nossas contradições e aos posicionamentos ideológicos que nos dividem.

A experiência da misericórdia e do perdão

Aqui voltamos à frase do início desse artigo. De onde vem a força do testemunho de Francisco? O segredo de sua força, que não fica oculto, mas frequentemente não é percebido até por seus seguidores mais deslumbrados, é a experiência da misericórdia. Bergoglio é um homem que se sabe pecador e que se reconhece perdoado. Por isso, olha com ternura a seus irmãos, mais preocupado em comunicar-lhes o perdão de Deus do que em julgá-los por critérios morais (o que não quer dizer que não reconheça esses critérios, apenas entende que eles vêm depois da experiência do amor e do perdão, não antes).

Francisco é o homem que repete o pedido de Cristo, “perdoa-lhes, Pai, eles não sabem o que fazem”. Mas também é aquele que sabe repetir “perdoa-me, Pai, eu não sei o que faço”. Com isso, responde às batalhas culturais e aos cancelamentos sociais de um modo novo e impensável aos olhos do mundo. Que Deus nos ajude a sermos como ele, para o nosso bem, para o bem da Igreja e do mundo.

Francisco Borba Ribeiro Neto

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Autor BorbaPublicado em 17 de abril de 202218 de abril de 2022Categorias Diálogo, Espiritualidade, Misericórdia, Papa Francisco, PáscoaTags bondade, cultura, Diálogo, Misericórdia, Papa Francisco, Páscoa, Perdão1 comentário em Perdoa-lhes[nos], pois não sabem[os] o que fazem[os]

O diálogo necessário e os outros diálogos

O diálogo necessário e os outros diálogos

Francisco Borba Ribeiro Neto

Muitos diálogos estão acontecendo sempre na sociedade. É verdade que, frequentemente, o que denominamos “diálogo” é apenas uma conversa entre pessoas que pensam as mesmas coisas e o DIÁlogo é muito mais um MONÓlogo compartilhado. Mas, nem por isso, deixa de haver muitos diálogos em nosso meio.

Contudo, mesmo esses diálogos ainda são, na maior parte das vezes, realizados entre pessoas que estão, por assim dizer, numa mesma grande frente. Compartilham os posicionamentos mais relevantes com relação à política, à moral, à família e à vida social. Não coincidem em tudo, mas – quando procuram dialogar – desenvolvem temas para os quais existe uma grande concordância.

Esse não é o diálogo que faz a diferença na sociedade, ao qual o Papa Francisco fez questão de convidar os brasileiros ao insistir “diálogo, diálogo, diálogo” (no Encontro com a classe dirigente do Brasil), em 27 de julho de 2013), aquele ao qual os cristãos estão sendo convidados na Campanha da Fraternidade desse ano – não importa aqui seus erros e acertos.

Leia também: Uma Campanha da Fraternidade ao gosto do Papa Francisco

Um diálogo que não nos incomoda, nem nos obriga a mudar, pelo menos um pouco, não é o diálogo com o qual os cristãos são chamados a contribuir para a construção de um mundo melhor. O diálogo que os cristãos deveriam ter entre eles e com todos os demais é aquele que exige a nossa adesão cada vez maior ao amor e à verdade. Nos incomoda, porque nos chama à conversão (nem que seja apenas para nos tornarmos mais pacientes e tolerantes com os que pensam diferente).

Se tornou muito falado, nesses tempos, o “paradoxo da tolerância” de K. Popper: se tolerarmos os intolerantes, eles criarão uma sociedade intolerante – aos seus moldes – e eliminarão a nós, os tolerantes”. Esse raciocínio é justo, ao menos em termos, mas não é válido para o diálogo.

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A tolerância pertence ao terreno da negociação e do pacto, da convivência pacífica – sem dúvida necessária – entre diferentes. O diálogo pertence ao terreno do encontro e da partilha, de uma convivência onde os diferentes não apenas convivem, mas conseguem construir algo juntos.

Dialogar com os sectários pode parecer igual a tolerar os intolerantes. Mas, não é. Tolerar os intolerantes leva a uma sociedade dominada pela intolerância. Não procurar dialogar com os sectários tornará a nós mesmos mais sectários e construirá uma sociedade mais fechada e que acabará se tornando intolerante e sectária – com sofrimentos para todos, mais cedo ou mais tarde.

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Por tudo isso, existe um diálogo particularmente significativo ao qual nós cristãos estamos sendo chamados nessa Campanha da Fraternidade Ecumênica: o diálogo entre posições ideológicas opostas. “Dialogar” com pessoas que estão no mesmo lado nosso do espectro ideológico é bom, mas não faz a diferença, essa não é a contribuição específica dos cristãos num momento de crise, confusão e conflitos sociais.

Temos a ilusão de que mudamos o mundo quando nos tornamos, nós e nossos correligionários, mais convictos de nossas posições – mesmo que isso nos torne mais sectários. Mas os cristãos ajudam a mudar o mundo quando, por amor a Cristo e aos irmãos, conseguem entender e acolher um pouco melhor as razões do outro (naquilo que têm de verdadeiro).

Assim como existem os sectários que se recusam a mudar, sempre haverá aqueles que, no diálogo, mudam para melhor – por pouco que seja.

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São essas pequenas mudanças, que podem parecer insignificantes para os que estão obcecados pelo poder, que criam a possibilidade de novas sínteses que superam as polêmicas e abrem a possibilidade de verdadeiros soluções para temas controversos.

 

Artigo originalmente publicado no jornal O São Paulo

Imagem: Sérgio Ricciuto Conte, jornal O São Paulo

Autor BorbaPublicado em 10 de março de 2021Categorias DiálogoTags Campanha da Fraternidade, Diálogo, Ideologia, Papa FranciscoDeixe um comentário em O diálogo necessário e os outros diálogos

Uma Campanha da Fraternidade ao gosto do Papa Francisco

Uma Campanha da Fraternidade ao gosto do Papa Francisco

Francisco Borba Ribeiro Neto

Existe, evidentemente, uma sintonia entre os vários temas das Campanhas da Fraternidade, promovidas pela CNBB, e os ensinamentos do Papa Francisco. Esse ano, contudo, essa sintonia é ainda mais evidente. Para começar, trata-se de uma Campanha da Fraternidade Ecumênica, patrocinada pela Igreja Católica em comunhão com várias outras Igrejas cristãs.

O ecumenismo, já há muito, é uma das metas perseguidas pelos vários papas, e Francisco é um dos que lhe têm dado grande apoio. As Campanhas da Fraternidade Ecumênicas acontecem desde 2000 e são sempre uma grande oportunidade para crescermos na comunhão cristã, tão desejada por ele. Mas não é só isso… Com o tema “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14), a Campanha toca em dois pontos particularmente importantes na mensagem do Pontífice.

A unidade deve prevalecer sobre o conflito

Não é exagero dizer que, no Brasil, o conflito está mais vivo hoje do que em qualquer outro momento dos últimos 50 anos. Violência e dominação, infelizmente, são uma realidade sempre presente entre nós. Mas, nos tempos atuais, o conflito – isso é, o choque violento entre opiniões e posições – tornou-se a tônica dominante nas relações sociais, até mesmo no âmbito familiar. Cada vez as pessoas têm que banir mais temas em suas conversas para evitar conflitos aparentemente sem solução. Cada vez mais, argumentos violentos – vindos de todas as partes – se sobrepõem ao diálogo.

Na Evangelii Gaudium (EG), o Papa Francisco propõe que a unidade deve prevalecer sobre o conflito (EG 226-230). Não se trata de ignorar ou esconder os conflitos. Eles devem ser reconhecidos e enfrentados. Mas podemos entrar neles procurando aumentá-los, acreditando que só a destruição do outro pode trazer a paz e criar o bem comum, ou podemos entrar neles procurando criar verdadeiros consensos, que não são simples pactos negociados de não agressão, mas a melhor solução visando a construção da paz e do bem comum.

Leia também: Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes

Podemos enfrentar o conflito com a violência – e aí nos tornamos instrumentos do mal, mesmo quando queremos construir o bem – ou com o diálogo sincero e aberto à verdade.

Dialogar sempre

Francisco é muito firme em suas convicções. Ninguém pode acusá-lo de tibieza ou conivência. Reafirma sempre que a identidade da Igreja é o anúncio do Evangelho e que devemos estar do lado dos pobres e dos excluídos, “em saída” rumo às periferias da existência. Mas, apesar de toda a sua firmeza, sempre considera que o diálogo é o caminho para a solução dos problemas sociais e religiosos. Testemunho claro de que a violência e o sectarismo não podem ser confundidos com firmeza, de que o diálogo e a abertura ao outro não são sinais de relativismo.

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Já em 2013, na Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro, durante o Encontro com a classe dirigente do Brasil, Francisco propunha três aspectos para a construção de um futuro melhor para todos os brasileiros: (1) o humanismo integral, respeitoso à nossa cultura original; (2) a responsabilidade solidária, que implica em lutar por justiça social e atenção para com os mais pobres e excluídos; (3) o diálogo construtivo. Insistia nesse último, dizendo: “Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo […] Quando os líderes dos diferentes setores me pedem um conselho, a minha resposta sempre é a mesma: diálogo, diálogo, diálogo. A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom. O outro tem sempre algo para nos dar, desde que saibamos nos aproximar dele com uma atitude aberta e disponível, sem preconceitos. Esta atitude aberta, disponível e sem preconceitos, eu a definiria como ‘humildade social’ que é o que favorece o diálogo”.

O Brasil precisa de nosso exemplo nessa Campanha da Fraternidade

Infelizmente, o conflito crescente na sociedade tem nos feito desacreditar do outro. Acreditamos que só aqueles que pensam como nós são bem intencionados, que as ideias diferentes são obrigatoriamente falsas. Com isso, deixamos de procurar o diálogo e acreditar no encontro. Pensamos que diálogo, encontro, unidade entre diferentes são ilusões enganadoras, que não podem acontecer na prática. Não percebemos que o diálogo, o encontro e a unidade deixam de acontecer não por serem impossíveis, mas sim porque nós deixamos de procurá-los. Quem não procura o diálogo, não encontra o diálogo, quem imagina que todos os demais são maus, só encontra pessoas más…

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Que essa Campanha da Fraternidade Ecumênica nos ajude a uma verdadeira conversão, que nos contraponha à violência e a falta de empatia crescentes em nossa sociedade. Que nos tornemos realmente cristãos que seguem cada vez mais a Cristo e não à ideologia hegemônica, mesmo quando ela vem revestida com palavras sedutoras e enganadoras.

 

Artigo originalmente publicado em Aleteia

Imagem: Flickr.com

Autor BorbaPublicado em 10 de março de 202110 de março de 2021Categorias DiálogoTags Diálogo, Ideologia, Papa FranciscoDeixe um comentário em Uma Campanha da Fraternidade ao gosto do Papa Francisco

Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes

Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes

Francisco Borba Ribeiro Neto

O bambu e o capim são da mesma família botânica. Mas, enquanto o primeiro é muito rígido, o segundo é flexível. Inicialmente, pensamos que é por causa do tamanho. Mas o bambu já é duro desde pequeno e os capins maiores continuam sendo flexíveis. Acontece, dizia minha colega, professora de Ecologia, que o bambu é oco, o capim não. Quanto mais vazia uma pessoa é, mais tende a ser rígida, intransigente e sectária – concluía essa amiga, pessoa muito cristã.

Os anos vão se passando, e eu só tenho visto confirmações dessa “teoria” de minha colega. As pessoas muito rígidas e sectárias estão sempre tentando esconder um vazio interior, uma carência afetiva e/ou intelectual que procuram disfarçar com uma força e uma segurança que são apenas aparentes.

Infelizmente, muitas vezes nos deixamos enganar por uma certeza arrogante, que esconde a falta de argumentos bem fundamentados e a incapacidade de amar. Somos seres gregários. Não queremos ser excluídos, menosprezados ou – para usar um termo da moda – “cancelados”, em nossos círculos de relacionamentos. Assim, quando um argumentado é dado por certo pela maioria, todos tendem a repeti-lo de forma acrítica e até a desprezarem quem pensa diferente.

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Esses círculos de relacionamento, que importam tanto para nós, podem ter as mesmas posições que a maioria – e repetirem à exaustão lugares comuns e slogans da moda – ou serem grupos que se consideram alternativos – “iluminados” que se consideram mais sábios do que os outros e continuam repetindo acriticamente frases feitas e ideias pensadas por outros. Num caso e no outro, o que conta é pensar como os amigos mais próximos, não ser diferente, não ter que enfrentar o descrédito das pessoas próximas. Existe um sectarismo de maiorias, onde se repete o que todo mundo diz, e um sectarismo de minorias, que negam a maioria, mas frequentemente ficam repetindo entre si os mesmos argumentos, sem perceber suas falhas.

O sectarismo não é a certeza cristã

Essa posição humana acaba identificando ter convicções firmes com ser sectário. Na verdade, trata-se da ilusão de que o bambu tem conteúdo só porque é duro. Firmeza não tem nada a ver com sectarismo. Pelo contrário… Na verdade as pessoas sectárias se fecham ao diálogo porque, no fundo, não têm certeza de suas ideias, acreditam que – num debate – os outros poderão vencê-los só porque usam argumentos mais ardilosos. No fundo, o sectário não acredita na força da verdade, mas apenas no poder da persuasão.

A certeza cristã nunca é sectária. Porque estou certo de que Deus me ama e se revela a mim a cada momento, sei que Ele poderá se comunicar a mim hoje, por meio de uma pessoa que pensa diferente de mim, e mostrar-me algum dos meus erros. Isso não representa uma ameaça, pois – se isso acontecer – será Deus me corrigindo e não o outro me dominando. A certeza última, aquela que a tudo supera e a tudo vence, é o fato de que Ele me ama, que deu a vida por mim, por meio de seu Filho, e toda minha vida será sempre resgatada por Seu amor, não importa a força dos poderes humanos.

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Por isso, um cristão de convicções firmes está sempre procurando o diálogo, sem se preocupar em impor-se ao outro. A conversão é sempre obra do encontro entre a graça de Deus e a nossa liberdade. Não podemos querer impor a ninguém a Verdade, aquela com “V” maiúsculo, a única que realmente pode salvar. As outras verdades são importantes e devemos lutar por elas na sociedade, mas não podemos deixar de aceitar o testemunho de Paulo: “tudo tenho como esterco, para ganhar a Cristo” (Fl 3, 8).

A verdadeira certeza convida ao diálogo

O sectarismo, contudo, nos leva a pensar todas as “nossas verdades” (que são hipóteses humanas, tão relativas como quaisquer outras) como “a Verdade”, ou como manifestações obrigatórias dessa Verdade. É como se Deus se visse, de repente, obrigado a pensar como nós – ao invés de nós termos de nos converter a Ele. Bento XVI, que sempre se colocou contra o relativismo da cultura atual, explica: “Sem dúvida, não somos nós que possuímos a verdade, mas é ela que possui a nós: Cristo, que é a Verdade, tomou-nos pela mão e, no caminho da nossa busca apaixonada de conhecimento, sabemos que a sua mão nos sustenta firmemente. O fato de sermos interiormente sustentados pela mão de Cristo torna-nos simultaneamente livres e seguros. Livres: se somos sustentados por Ele, podemos, abertamente e sem medo, entrar em qualquer diálogo. Seguros, porque Ele não nos deixa, a não ser que sejamos nós mesmos a desligar-nos d’Ele. Unidos a Ele, estamos na luz da verdade.” (Discurso à Cúria Romana na apresentação de votos natalícios, 21 de dezembro de 2012).

Quem não se confia a Cristo, se confia aos poderes do mundo. Acaba por transformar o anúncio da Verdade numa luta por poder como todas as outras do mundo. Pouco a pouco, deixa de propor a Cristo, para propor convicções particulares ditadas pelo poder (ou por um anti-poder que deseja se tornar poder). Numa Campanha da Fraternidade Ecumênica, tendo por tema o diálogo, como a desse ano, podem surgir muitas discordâncias, mal-entendidos e até mesmo erros brutais. O que não pode acontecer é deixarmo-nos levar pelo sectarismo, ao invés de aproveitar a oportunidade para uma conversão que nos leve à verdadeira certeza cristã.

 

Artigo originalmente publicado em Aleteia

Imagem: Randal Phoenix, Pix.org

Autor BorbaPublicado em 10 de março de 2021Categorias DiálogoTags Diálogo, Ideologia, VerdadeDeixe um comentário em Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes

Diálogo e busca da Verdade em uma sociedade ideologicamente dividida

Diálogo e busca da Verdade em uma sociedade ideologicamente dividida

Francisco Borba Ribeiro Neto

Quando observamos nossa sociedade atual, no Brasil e no mundo, percebemos que as divisões ideológicas parecem ter ganho uma dimensão nunca vista antes. De um modo ou de outro, sempre existiram algumas ideologias dominantes, “hegemônicas”, e outras subalternas, que não tinham reconhecido seu direito a se apresentar. Frequentemente, os momentos considerados “plurais” são aqueles em que uma ideologia subalterna ganha hegemonia. Seus seguidores não admitem que estão calando aos demais assim como foram calados no passado, então criam uma falsa imagem de que agora todos têm a mesma possibilidade de se exprimir.

Em alguns poucos momentos, como neste em que estamos hoje, ideologias dominantes perdem a legitimidade, mas as ideologias subalternas não conseguem se afirmar em seu lugar. Permanece então um conflito aberto, onde boas intenções, negacionismos e sectarismos podem ser encontrados em todas as facções que se opõem – algumas vezes de forma evidente; em outras, de forma velada.

Os impasses ideológicos não se mantêm apenas por um balanço aparentemente equilibrado de forças, mas também porque nenhum dos lados têm propostas reconhecidamente válidas e efetivas para superar as dificuldades. O capitalismo internacional e os Estados chamados “do bem-estar social” enfrentam uma crise há muitos anos, mas nenhuma proposta neoliberal ou socialista conseguiu responder de forma convincente aos problemas enfrentados. A liberalização dos costumes tem levado ao vazio existencial e à depressão, mas os valores da tradição não conseguem mostrar-se tão universais como deveriam ser.

Momentos assim são aqueles em que o diálogo se torna mais importante e difícil. O leitor me desculpe a insistência no tema da Campanha da Fraternidade de 2021, mas ele é absolutamente vital nessa época.

Ideologia e verdade

Não podemos esquecer nunca de que as ideologias não são apenas “afirmações mentirosas”. A mentira tem pernas curtas, como diz o ditado popular. Ideologias se perpetuam porque têm alguma coisa de verdadeiro (nem que seja apenas o desejo de bem que estava na sua origem mais remota). Sobrevivem porque seu seguidores se fixam nesse lado verdadeiro e fecham os olhos aos seus erros e mentiras.

Todos somos ideológicos em algumas coisas. Só Deus tem a verdade absoluta sobre todas as coisas. Numa analogia com o pensamento do Papa Francisco, podemos dizer que todos estamos sujeitos à ideologia, mas o ideólogo é aquele que se acomoda a ela, passando a transmiti-la sem se preocupar em descobrir a Verdade (o Papa explica que todos somos pecadores, mas o corrupto – à semelhança do ideólogo – se regozija com o pecado e com as vantagens que pode obter dele).

Leia também: O diálogo e o desejo mais profundo do coração

As ideologias vão sendo superadas (nunca definitivamente eliminadas) com nosso esforço contínuo para encontrarmos a Verdade última e as muitas pequenas verdades do cotidiano. Nesse trabalho, o diálogo se torna um dos mais eficientes instrumentos de luta contra as ideologias. Ao escutarmos quem pensa diferente, descobrimos as falhas de nossos pensamentos e, se estamos realmente comprometidos com a Verdade, reformulamos nossas ideias, para que se tornem mais correspondentes à realidade.

Na luta pelo poder, um se considera vencedor quando obriga o outro a aceitar suas ideias. Mas, no “bom combate” ao qual alude São Paulo (2Ti 4, 7), a luta pela fé, pelo bem e pela posse do próprio coração, ganha aquele que aprende no encontro com o outro e descobre mais sobre a Verdade. Muitas vezes teremos que reconhecer que existem coisas boas e certas nas ideias dos outros, mas isso não nos ameaça porque, ao reconhecer esses acertos do outro, passamos a compreender melhor também a Verdade última que já habita nossos corações.

O perigo das imagens falsas e preconceituosas

Imagens preconceituosas são ameaças contínuas ao diálogo. Acreditamos que os outros são maus, sectários e usarão a possibilidade do diálogo para nos sufocar com suas ideologias. Contudo, o mais frequente é que essa imagem seja falsa. Normalmente, para cada pessoa realmente sectária e mal-intencionada, temos várias pessoas bem-intencionadas e abertas ao diálogo – desde que descubramos os caminhos adequados para o entendimento mútuo. Com frequência, a “má intenção” é um engano causado pela falta (em ambas as partes) de uma comunicação adequada da verdade.

Vamos a alguns exemplos bem polêmicos. Defender os direitos dos homossexuais a terem uma vida digna não significa apoiar a ideologia de gênero (que poderíamos entender, grosseiramente, como apologia ao homossexualismo). Pedir que os criminosos não fiquem impunes é muito diferente de defender a truculência policial. Mas, em função de estereótipos preconceituosos, muitas vezes acreditamos que a pessoa que defendeu uma coisa também defende a outra.

O resultado dessa confusão preconceituosa é que não nos entendemos, nem nos corrigimos. Com isso, pessoas realmente mal-intencionadas conseguem nos influenciar e nos fechar tanto ao diálogo quanto à Verdade. Com certeza é possível respeitar a dignidade dos homossexuais sem fazer apologia do homossexualismo, praticar a justiça e condenar os culpados sem que a polícia seja truculenta. Mas só no diálogo iremos compreender por que tais ideias parecem atualmente em oposição – e encontrarmos as alternativas adequadas para que as verdades procuradas por todos os bem-intencionados prevaleçam.

 

Artigo originalmente publicado em Aleteia

Imagem: Ismael Martinez Sanches / Ajuda à Igreja que Sofre.

Autor BorbaPublicado em 10 de março de 2021Categorias DiálogoTags DiálogoDeixe um comentário em Diálogo e busca da Verdade em uma sociedade ideologicamente dividida

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