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O mundo na visão da doutrina social da Igreja

O mundo na visão da doutrina social da Igreja

Compreendendo a realidade numa perspectiva integral, a partir do pensamento social cristão

Categoria: Diálogo

Princípios irrenunciáveis e política no Brasil

Princípios irrenunciáveis e política no Brasil

Em períodos eleitorais, nós católicos, voltamos a ouvir com frequência falar nos “princípios irrenunciáveis”, destinados a orientar nosso voto e a conduta dos eleitos. Se tantos os citam como critérios de conduta, tantos outros os olham com desconfiança, acusando aos demais de estarem usando ideologicamente a doutrina social da Igreja – sintoma das dramáticas divisões que afetam a nós católicos, em nossa dificuldade para conciliar pluralidade e unidade. O problema de fundo não está nos princípios, mas sim em seu mal uso.

Os princípios e a partidarização da experiência cristã

As questões são decorrentes, em grande parte, do interesse que os grupos partidários têm de conseguir o voto católico. Cada um procura “filtrar” a doutrina social da Igreja a partir de suas convicções, tentando mostrar seus candidatos como os únicos que se adequam aos princípios propostos pelo Magistério. Essa tendência de ideologização não é, em si mesma, um desejo de manipulação. Muitos buscam fazer esse uso partidário com a melhor das intenções, porque acreditam realmente que seu grupo é aquele que melhor representa os ideais cristãos. Outras vezes, porém, vem com interesses demagógicos, de gente que se diz seguidora de princípios cristãos para conseguir apoio, mas de fato age de forma totalmente oposta a esses princípios.

O candidato ideal, perfeito tanto na teoria quanto na prática, não existe, por um motivo muito simples: todos eles são seres humanos limitados e sujeitos ao pecado – como nós mesmos, diga-se de passagem. Os partidos, enquanto agremiações que fatalmente incluem pessoas diferentes, tampouco podem ser perfeitos. A história recente mostrou os limites e as decepções trazidas pelos partidos autodenominados “democracias cristãs”, que muitas vezes usavam o cristianismo de forma falsa e demagógica.

A partir de constatações dessa natureza, o Compêndio de Doutrina Social da Igreja esclarece: “O cristão não pode encontrar um partido plenamente conforme às exigências éticas que nascem da fé e da pertença à Igreja: a sua adesão a uma corrente política não será jamais ideológica, mas sempre crítica, a fim de que o partido e o seu projeto político sejam estimulados a realizar formas sempre mais atentas a obter o verdadeiro bem comum, inclusive os fins espirituais do homem” (CDSI 573), de tal forma que “a adesão a um partido ou corrente política seja considerada uma decisão a título pessoal, legítima ao menos nos limites dos partidos e posições não incompatíveis com a fé e os valores cristãos” e “a ninguém é permitido reivindicar exclusivamente, em favor do seu parecer, a autoridade da Igreja: os crentes devem antes procurar «esclarecer-se mutuamente num diálogo sincero, guardando a caridade mútua e tendo, antes de mais, o cuidado do bem comum” (CDSI 274).

Estas passagens do Magistério são importantes para que tenhamos a prudência e o respeito necessários para que os princípios irrenunciáveis possam servir a um diálogo frutuoso sobre os temas políticos, tanto no seio da comunidade cristã quanto com a sociedade civil em seu conjunto.

A política é a arte da negociação

Esses princípios foram muitas vezes denominados como “inegociáveis”. O termo pode ser usado se entendemos que eles não podem ser sacrificados em negociações que visam o poder ou outros ganhos menos fundamentais. Contudo, a política é a arte da negociação e o próprio documento que os apresenta dá exemplos de negociações que podem se tornar necessárias para defendê-los ou minimizar o efeito de leis contrárias a eles (cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, 2002).

O exemplo de negociação vem justamente na questão do aborto, uma “exigência ética fundamental e irrenunciável”, no dizer do documento. Citando São João Paulo II e a sua encíclica Evangelium vitae (EV 73), a Nota Doutrinal explica que é possível que “um parlamentar, cuja pessoal oposição absoluta ao aborto seja clara e por todos conhecida, possa licitamente dar o próprio apoio a propostas tendentes a limitar os danos de uma tal lei e a diminuir os seus efeitos negativos no plano da cultura e da moralidade pública”. Ou seja, ele participaria de uma negociação com outros parlamentares para reduzir as situações em que o aborto é permitido.

Não seria lícito, contudo, uma negociação em que se aceitasse o aborto em troca da aprovação de uma lei que regulasse transações comerciais ou envolvesse privatizações. Nesse caso, o irrenunciável se apresenta como inegociável.

O desafio de ser integral

O maior problema para o justo entendimento desses princípios, contudo, é uma visão reduzida de sua aplicação, orientada por um falso “realismo político”. Muitos acreditam que chegar ao poder é a única forma de conseguir aquilo que almejamos. Assim, é realista sacrificar qualquer ideal para se chegar ao poder. Uns, em nome da opção pelos pobres, deixam de lutar contra o aborto. Outros, em nome da defesa da vida, fecham os olhos à situação dos mais pobres.

Quando caímos nesses reducionismos, perdemos a unidade e a coerência interna do Magistério católico, permitindo a instrumentalização da doutrina social e dando razão às dúvidas de nossos irmãos. A postura justa é aquela de sempre buscar uma visão integral e unitária de todos esses princípios, orientada ao diálogo e à construção do bem comum.

Sem fazer um elenco completo, mas procurando apenas dar exemplos, a Nota Doutrinal já citada lista cinco “princípios irrenunciáveis”: (1) o direito à vida, (2) a proteção e promoção da família, (3) a liberdade – em particular religiosa e de educação, (4) a economia a serviço da pessoa e (5) a construção da paz. Todos são irrenunciáveis, não podemos escolher um e esquecer outros.

Se nossos candidatos ou grupos políticos traem algum desses princípios, nosso dever é alertá-los e exortá-los a uma adesão mais completa e integral a todos eles – mesmo que isso signifique uma perda política. Podemos chegar até ao ponto de deixar de darmos nosso apoio a eles. O que não podemos é fechar os olhos quando abandonam algum desses princípios, com alegações como “o adversário faz pior” ou “temos que aceitar isso para defender aquilo”.

Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia

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Autor BorbaPublicado em 9 de maio de 2022Categorias Democracia, Diálogo, Eleições, Sem categoriaTags Aborto, Defesa da vida, Diálogo, Economia, Educação, família, Opção pelos pobres, PazDeixe um comentário em Princípios irrenunciáveis e política no Brasil

A Mensagem da CNBB, as disputas ideológicas e as eleições

A Mensagem da CNBB, as disputas ideológicas e as eleições

Em um ano político, todas as forças políticas, que buscam o voto católico, tendem a tentar usar a doutrina social da Igreja e os valores cristãos para conseguir votos. É sempre bom relembrar que a Igreja não indica partidos, cada um de nós é convidado a escolher os candidatos que considera melhores à luz da caridade e da verdade – e nesse sentido são úteis os princípios e ensinamentos presentes nos documentos do Magistério. Assim, as diversas tentativas de conquistar o voto católico, por parte de políticos e partidos, devem ser sempre acolhidas no que têm de verdadeiro e criticadas no que têm de falso.

A 59ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou, em 29 de abril, uma nova Mensagem ao povo brasileiro. Imediatamente, o texto foi tomado por uns e outros, favoráveis e contrários, como instrumento para a propaganda ideológica de cada tendência. Os que se sentem mais à vontade com o teor da Mensagem, dizem “vejam como os bispos concordam conosco”. Os que se sentem criticados, dizem “vejam como os bispos estão comprometidos ideologicamente com nossos adversários”.

Bispos, padres e lideranças religiosas têm opções e formas de expressão influenciadas pelos grandes debates socioculturais e econômicos do País. Seus documentos, em sua exposição, refletem essas influências. Contudo, será um erro pessoal grave de cada um de nós, católico, reduzir suas mensagens a essas influências, ao invés de procurar a provocação que o Espírito, por meio dos seres humanos falíveis que constituem a sua Igreja, nos faz. Nessa Mensagem, aqui comentada, podemos encontrar sete elementos – totalmente inspirados e afinados com a doutrina social da Igreja. São temas que aparecem, talvez com formulação um pouco diferente, mas com esse mesmo espírito, em documentos como Solicitudo rei socialis, Centesimus annus e Evangelium vitae, de São João Paulo II, Laudato si’ e Fratelli tutti, do Papa Francisco.

É inegável que os temas que mais preocupam os bispos são as questões sociais, particularmente a situação dos mais pobres e das populações mais sujeitas a injustiças, e a estabilidade política da democracia brasileira – e esse não pode deixar de ser um convite a nossa reflexão e discernimento político diante das eleições. Nessa perspectiva, a Mensagem:

  1. Valoriza a solidariedade e encoraja movimentos e organizações sociais a trabalharam por uma sociedade justa e fraterna.
  2. Enaltece o esforço das famílias, nesse período de pandemia, em particular em prol da educação (ver o Pacto Educativo Global, estimulado pelo Papa Francisco).
  3. Denuncia os graves problemas sociais do Brasil, que aumentaram com a crise sanitária e internacional, as ameaças aos mais vulneráveis e ao meio ambiente.
  4. Condena a violência, as guerras, o armamentismo e a lógica do confronto, na sociedade e na política.
  5. Defende a vida, da concepção até a morte natural.
  6. Se opõe à manipulação religiosa e às fake news.
  7. Condena a corrupção, ao citar a Lei da Ficha Limpa, e conclama ao voto consciente, por uma política melhor.

Dificilmente encontraremos um candidato nas eleições que, na teoria e na prática, ao longo de toda a sua vida pública, tenha agido de forma totalmente condizente com todos esses pontos. Cabe a cada um de nós ter o discernimento para escolhermos aqueles que estão mais próximos da doutrina social da Igreja, procurando nós mesmos nos convertemos sempre mais e exortando-os a serem cada vez mais fieis ao bem comum.

Francisco Borba Ribeiro Neto


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Autor BorbaPublicado em 2 de maio de 2022Categorias Democracia, Diálogo, Eleições, Papa Francisco, São João Paulo II, Sem categoriaTags Aborto, Bolsonaro, CNBB, Corrupção, Defesa da vida, família, Lula, Opção pelos pobres, Papa Francisco, Partidos políticos, PTDeixe um comentário em A Mensagem da CNBB, as disputas ideológicas e as eleições

Perdoa-lhes[nos], pois não sabem[os] o que fazem[os]

Perdoa-lhes[nos], pois não sabem[os] o que fazem[os]

A famosa frase de Jesus, ao ser crucificado (Lc 23, 34), permanece, por toda a história, como uma das lições mais duras do seguimento a Cristo: amar e perdoar o outro no momento em que ele nos inflige a maior dor. Talvez seja ainda mais desafiadora nesse tempo de “batalhas culturais” e “cancelamentos sociais”. Lutamos para que nossa dignidade seja respeitada e para que os valores naturais a todo ser humano (ou que pelo menos assim deveriam ser percebidos) sejam respeitados num mundo que já foi cristão (uma análise objetiva mostrará que em nossa sociedade as marcas do cristianismo ainda persistem, mas ele não é mais hegemônico). É fato que grande parte de nossas dificuldades vêm de um cristianismo mal vivido ao longo da história do Ocidente. As contradições, os pecados e as traições de gerações de cristãos – alguns poderosos, outros não – criaram o terreno fértil onde cresceram as objeções ao cristianismo nos tempos atuais, mas isso não muda nossa indignação e nossa dor.

Quando respondemos ao mal com o mal

Falando sobre a não-violência, Bento XVI explica que “dar a outra face” (cf. Lc 6, 29) não consiste em entregar-se nas mãos daquele que é mal, mas sim em responder ao mal com o bem (cf. Rm 12, 17-21). Mas, uma tentação diabólica de nossos tempos é justamente querermos usar as estratégias do mal para vencer o mal. Se o mundo se tornou ideológico, sejamos nós também ideológicos – o que interessa é que a ideologia seja “a nossa”, supostamente boa e cristã. Se a mentalidade hegemônica está recheada de mentiras, por que não adulterar um pouco a verdade, deixando-a um pouco mais escandalosa para que os outros entendam melhor o quanto estamos certos? Como aqueles que têm uma postura anticristã nos censuram e nos cancelam, melhor responder-lhes com igual virulência e agressividade, afinal, o mundo é dos fortes.

Com essa assimilação de nossa conduta aos comportamentos que nos ferem, acabamos esquecendo que o cristianismo não é uma ideologia ou um programa moral, mas sim o encontro pessoal de cada um de nós com Cristo, como lembram tanto Bento XVI (Deus caritas est, DCE 1) quanto Papa Francisco (cf. sua carta a Eugenio Scalffari). Esquecemos que não existem “meias verdades” e que “meias mentiras” e fake News, mesmo quando bem-intencionadas, só nos levam para um mundo de falsidade cada vez maior. Nos tornamos, nós mesmos, agressivos e violentos, cada vez mais distantes do modo de ser de Cristo, que era “manso e humilde de coração” (Mt 11, 29).

É verdade que, ao longo da história, muitos se aproveitaram da mensagem de Jesus, exortando os cristãos a uma obediência e a uma humildade ingênuas e submissas. Grande parte da revolta anticristã dos tempos modernos veio de uma compreensível repulsa a esse tipo de situação. Por outro lado, também é verdade que a negação dessa postura tem levado muitos cristãos a uma dura militância que confia mais nas estratégias humanas do que na graça de Deus, esquecendo-se que “não há rei que se salve com a grandeza dum exército, nem o homem valente se livra por sua muita força” (Sl 33, 16).

A dura verdade é que a Igreja se declara assentada sobre o sangue dos mártires e o testemunho dos santos, não sobre a força dos cruzados ou as vitórias dos generais cristãos. Não só isso! De que nos valeria ganhar o mundo inteiro, se perdêssemos a própria alma? (cf. Mt 16, 26). Muitas vezes os cristãos, querendo criar um mundo supostamente melhor com as próprias forças, espalharam dor e sofrimento. Muitos cristãos, confiando no próprio poder, se perderam e se afastaram do caminho de Cristo.

A força do testemunho da bondade

Existe um outro modo de responder ao mal, que é com uma bondade sincera e inteligente, vinda de nossa conversão e adesão a Cristo. Os maus podem não querer reconhecer a força da bondade, mas ela tem um poder avassalador. Nosso grande problema não é sermos muito “bonzinhos”, mas não sermos suficientemente bons, para que nossa bondade permita a nossos irmãos ao menos vislumbrar, por um instante, a verdadeira bondade de Deus…

Ficou famosa a pergunta de Stalin, que foi sem dúvida o mais poderoso ditador do século XX: quantas divisões militares tem o papa? Nenhuma, é verdade. Numa guerra como a atual da Ucrânia, ele não pode enviar exércitos, nem contribuir para com as sanções econômicas que procuram parar a guerra. Pode apenas rezar pela paz e pedir aos poderosos do mundo um pouco de bom senso e caridade. Mas, o grande império soviético, com seus exércitos, suas armas atômicas e seus espiões, não durou um século, enquanto a Igreja Católica subsiste praticamente a vinte séculos.

Com a graça de Deus, a bondade tem um poder real. Quando vemos a forma pela qual o mundo trata o Papa Francisco, percebemos claramente essa força. Concordem ou não com ele, sigam a Igreja Católica ou não, as pessoas não conseguem negar sua bondade e seu exemplo. Infelizmente, o povo cristão nem sempre está à altura do seu líder – e a força de seu testemunho é perdida em meio a nossas contradições e aos posicionamentos ideológicos que nos dividem.

A experiência da misericórdia e do perdão

Aqui voltamos à frase do início desse artigo. De onde vem a força do testemunho de Francisco? O segredo de sua força, que não fica oculto, mas frequentemente não é percebido até por seus seguidores mais deslumbrados, é a experiência da misericórdia. Bergoglio é um homem que se sabe pecador e que se reconhece perdoado. Por isso, olha com ternura a seus irmãos, mais preocupado em comunicar-lhes o perdão de Deus do que em julgá-los por critérios morais (o que não quer dizer que não reconheça esses critérios, apenas entende que eles vêm depois da experiência do amor e do perdão, não antes).

Francisco é o homem que repete o pedido de Cristo, “perdoa-lhes, Pai, eles não sabem o que fazem”. Mas também é aquele que sabe repetir “perdoa-me, Pai, eu não sei o que faço”. Com isso, responde às batalhas culturais e aos cancelamentos sociais de um modo novo e impensável aos olhos do mundo. Que Deus nos ajude a sermos como ele, para o nosso bem, para o bem da Igreja e do mundo.

Francisco Borba Ribeiro Neto

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Autor BorbaPublicado em 17 de abril de 202218 de abril de 2022Categorias Diálogo, Espiritualidade, Misericórdia, Papa Francisco, PáscoaTags bondade, cultura, Diálogo, Misericórdia, Papa Francisco, Páscoa, Perdão1 comentário em Perdoa-lhes[nos], pois não sabem[os] o que fazem[os]

O diálogo necessário e os outros diálogos

O diálogo necessário e os outros diálogos

Francisco Borba Ribeiro Neto

Muitos diálogos estão acontecendo sempre na sociedade. É verdade que, frequentemente, o que denominamos “diálogo” é apenas uma conversa entre pessoas que pensam as mesmas coisas e o DIÁlogo é muito mais um MONÓlogo compartilhado. Mas, nem por isso, deixa de haver muitos diálogos em nosso meio.

Contudo, mesmo esses diálogos ainda são, na maior parte das vezes, realizados entre pessoas que estão, por assim dizer, numa mesma grande frente. Compartilham os posicionamentos mais relevantes com relação à política, à moral, à família e à vida social. Não coincidem em tudo, mas – quando procuram dialogar – desenvolvem temas para os quais existe uma grande concordância.

Esse não é o diálogo que faz a diferença na sociedade, ao qual o Papa Francisco fez questão de convidar os brasileiros ao insistir “diálogo, diálogo, diálogo” (no Encontro com a classe dirigente do Brasil), em 27 de julho de 2013), aquele ao qual os cristãos estão sendo convidados na Campanha da Fraternidade desse ano – não importa aqui seus erros e acertos.

Leia também: Uma Campanha da Fraternidade ao gosto do Papa Francisco

Um diálogo que não nos incomoda, nem nos obriga a mudar, pelo menos um pouco, não é o diálogo com o qual os cristãos são chamados a contribuir para a construção de um mundo melhor. O diálogo que os cristãos deveriam ter entre eles e com todos os demais é aquele que exige a nossa adesão cada vez maior ao amor e à verdade. Nos incomoda, porque nos chama à conversão (nem que seja apenas para nos tornarmos mais pacientes e tolerantes com os que pensam diferente).

Se tornou muito falado, nesses tempos, o “paradoxo da tolerância” de K. Popper: se tolerarmos os intolerantes, eles criarão uma sociedade intolerante – aos seus moldes – e eliminarão a nós, os tolerantes”. Esse raciocínio é justo, ao menos em termos, mas não é válido para o diálogo.

Leia também: Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes

A tolerância pertence ao terreno da negociação e do pacto, da convivência pacífica – sem dúvida necessária – entre diferentes. O diálogo pertence ao terreno do encontro e da partilha, de uma convivência onde os diferentes não apenas convivem, mas conseguem construir algo juntos.

Dialogar com os sectários pode parecer igual a tolerar os intolerantes. Mas, não é. Tolerar os intolerantes leva a uma sociedade dominada pela intolerância. Não procurar dialogar com os sectários tornará a nós mesmos mais sectários e construirá uma sociedade mais fechada e que acabará se tornando intolerante e sectária – com sofrimentos para todos, mais cedo ou mais tarde.

Leia também: Diálogo e busca da Verdade em uma sociedade ideologicamente dividida

Por tudo isso, existe um diálogo particularmente significativo ao qual nós cristãos estamos sendo chamados nessa Campanha da Fraternidade Ecumênica: o diálogo entre posições ideológicas opostas. “Dialogar” com pessoas que estão no mesmo lado nosso do espectro ideológico é bom, mas não faz a diferença, essa não é a contribuição específica dos cristãos num momento de crise, confusão e conflitos sociais.

Temos a ilusão de que mudamos o mundo quando nos tornamos, nós e nossos correligionários, mais convictos de nossas posições – mesmo que isso nos torne mais sectários. Mas os cristãos ajudam a mudar o mundo quando, por amor a Cristo e aos irmãos, conseguem entender e acolher um pouco melhor as razões do outro (naquilo que têm de verdadeiro).

Assim como existem os sectários que se recusam a mudar, sempre haverá aqueles que, no diálogo, mudam para melhor – por pouco que seja.

Leia também: O diálogo e o desejo mais profundo do coração

São essas pequenas mudanças, que podem parecer insignificantes para os que estão obcecados pelo poder, que criam a possibilidade de novas sínteses que superam as polêmicas e abrem a possibilidade de verdadeiros soluções para temas controversos.

 

Artigo originalmente publicado no jornal O São Paulo

Imagem: Sérgio Ricciuto Conte, jornal O São Paulo

Autor BorbaPublicado em 10 de março de 2021Categorias DiálogoTags Campanha da Fraternidade, Diálogo, Ideologia, Papa FranciscoDeixe um comentário em O diálogo necessário e os outros diálogos

Uma Campanha da Fraternidade ao gosto do Papa Francisco

Uma Campanha da Fraternidade ao gosto do Papa Francisco

Francisco Borba Ribeiro Neto

Existe, evidentemente, uma sintonia entre os vários temas das Campanhas da Fraternidade, promovidas pela CNBB, e os ensinamentos do Papa Francisco. Esse ano, contudo, essa sintonia é ainda mais evidente. Para começar, trata-se de uma Campanha da Fraternidade Ecumênica, patrocinada pela Igreja Católica em comunhão com várias outras Igrejas cristãs.

O ecumenismo, já há muito, é uma das metas perseguidas pelos vários papas, e Francisco é um dos que lhe têm dado grande apoio. As Campanhas da Fraternidade Ecumênicas acontecem desde 2000 e são sempre uma grande oportunidade para crescermos na comunhão cristã, tão desejada por ele. Mas não é só isso… Com o tema “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14), a Campanha toca em dois pontos particularmente importantes na mensagem do Pontífice.

A unidade deve prevalecer sobre o conflito

Não é exagero dizer que, no Brasil, o conflito está mais vivo hoje do que em qualquer outro momento dos últimos 50 anos. Violência e dominação, infelizmente, são uma realidade sempre presente entre nós. Mas, nos tempos atuais, o conflito – isso é, o choque violento entre opiniões e posições – tornou-se a tônica dominante nas relações sociais, até mesmo no âmbito familiar. Cada vez as pessoas têm que banir mais temas em suas conversas para evitar conflitos aparentemente sem solução. Cada vez mais, argumentos violentos – vindos de todas as partes – se sobrepõem ao diálogo.

Na Evangelii Gaudium (EG), o Papa Francisco propõe que a unidade deve prevalecer sobre o conflito (EG 226-230). Não se trata de ignorar ou esconder os conflitos. Eles devem ser reconhecidos e enfrentados. Mas podemos entrar neles procurando aumentá-los, acreditando que só a destruição do outro pode trazer a paz e criar o bem comum, ou podemos entrar neles procurando criar verdadeiros consensos, que não são simples pactos negociados de não agressão, mas a melhor solução visando a construção da paz e do bem comum.

Leia também: Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes

Podemos enfrentar o conflito com a violência – e aí nos tornamos instrumentos do mal, mesmo quando queremos construir o bem – ou com o diálogo sincero e aberto à verdade.

Dialogar sempre

Francisco é muito firme em suas convicções. Ninguém pode acusá-lo de tibieza ou conivência. Reafirma sempre que a identidade da Igreja é o anúncio do Evangelho e que devemos estar do lado dos pobres e dos excluídos, “em saída” rumo às periferias da existência. Mas, apesar de toda a sua firmeza, sempre considera que o diálogo é o caminho para a solução dos problemas sociais e religiosos. Testemunho claro de que a violência e o sectarismo não podem ser confundidos com firmeza, de que o diálogo e a abertura ao outro não são sinais de relativismo.

Leia também: O diálogo e o desejo mais profundo do coração

Já em 2013, na Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro, durante o Encontro com a classe dirigente do Brasil, Francisco propunha três aspectos para a construção de um futuro melhor para todos os brasileiros: (1) o humanismo integral, respeitoso à nossa cultura original; (2) a responsabilidade solidária, que implica em lutar por justiça social e atenção para com os mais pobres e excluídos; (3) o diálogo construtivo. Insistia nesse último, dizendo: “Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo […] Quando os líderes dos diferentes setores me pedem um conselho, a minha resposta sempre é a mesma: diálogo, diálogo, diálogo. A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom. O outro tem sempre algo para nos dar, desde que saibamos nos aproximar dele com uma atitude aberta e disponível, sem preconceitos. Esta atitude aberta, disponível e sem preconceitos, eu a definiria como ‘humildade social’ que é o que favorece o diálogo”.

O Brasil precisa de nosso exemplo nessa Campanha da Fraternidade

Infelizmente, o conflito crescente na sociedade tem nos feito desacreditar do outro. Acreditamos que só aqueles que pensam como nós são bem intencionados, que as ideias diferentes são obrigatoriamente falsas. Com isso, deixamos de procurar o diálogo e acreditar no encontro. Pensamos que diálogo, encontro, unidade entre diferentes são ilusões enganadoras, que não podem acontecer na prática. Não percebemos que o diálogo, o encontro e a unidade deixam de acontecer não por serem impossíveis, mas sim porque nós deixamos de procurá-los. Quem não procura o diálogo, não encontra o diálogo, quem imagina que todos os demais são maus, só encontra pessoas más…

Leia também: O diálogo necessário e os outros diálogos

Que essa Campanha da Fraternidade Ecumênica nos ajude a uma verdadeira conversão, que nos contraponha à violência e a falta de empatia crescentes em nossa sociedade. Que nos tornemos realmente cristãos que seguem cada vez mais a Cristo e não à ideologia hegemônica, mesmo quando ela vem revestida com palavras sedutoras e enganadoras.

 

Artigo originalmente publicado em Aleteia

Imagem: Flickr.com

Autor BorbaPublicado em 10 de março de 202110 de março de 2021Categorias DiálogoTags Diálogo, Ideologia, Papa FranciscoDeixe um comentário em Uma Campanha da Fraternidade ao gosto do Papa Francisco

Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes

Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes

Francisco Borba Ribeiro Neto

O bambu e o capim são da mesma família botânica. Mas, enquanto o primeiro é muito rígido, o segundo é flexível. Inicialmente, pensamos que é por causa do tamanho. Mas o bambu já é duro desde pequeno e os capins maiores continuam sendo flexíveis. Acontece, dizia minha colega, professora de Ecologia, que o bambu é oco, o capim não. Quanto mais vazia uma pessoa é, mais tende a ser rígida, intransigente e sectária – concluía essa amiga, pessoa muito cristã.

Os anos vão se passando, e eu só tenho visto confirmações dessa “teoria” de minha colega. As pessoas muito rígidas e sectárias estão sempre tentando esconder um vazio interior, uma carência afetiva e/ou intelectual que procuram disfarçar com uma força e uma segurança que são apenas aparentes.

Infelizmente, muitas vezes nos deixamos enganar por uma certeza arrogante, que esconde a falta de argumentos bem fundamentados e a incapacidade de amar. Somos seres gregários. Não queremos ser excluídos, menosprezados ou – para usar um termo da moda – “cancelados”, em nossos círculos de relacionamentos. Assim, quando um argumentado é dado por certo pela maioria, todos tendem a repeti-lo de forma acrítica e até a desprezarem quem pensa diferente.

Leia também: Diálogo e busca da Verdade em uma sociedade ideologicamente dividida

Esses círculos de relacionamento, que importam tanto para nós, podem ter as mesmas posições que a maioria – e repetirem à exaustão lugares comuns e slogans da moda – ou serem grupos que se consideram alternativos – “iluminados” que se consideram mais sábios do que os outros e continuam repetindo acriticamente frases feitas e ideias pensadas por outros. Num caso e no outro, o que conta é pensar como os amigos mais próximos, não ser diferente, não ter que enfrentar o descrédito das pessoas próximas. Existe um sectarismo de maiorias, onde se repete o que todo mundo diz, e um sectarismo de minorias, que negam a maioria, mas frequentemente ficam repetindo entre si os mesmos argumentos, sem perceber suas falhas.

O sectarismo não é a certeza cristã

Essa posição humana acaba identificando ter convicções firmes com ser sectário. Na verdade, trata-se da ilusão de que o bambu tem conteúdo só porque é duro. Firmeza não tem nada a ver com sectarismo. Pelo contrário… Na verdade as pessoas sectárias se fecham ao diálogo porque, no fundo, não têm certeza de suas ideias, acreditam que – num debate – os outros poderão vencê-los só porque usam argumentos mais ardilosos. No fundo, o sectário não acredita na força da verdade, mas apenas no poder da persuasão.

A certeza cristã nunca é sectária. Porque estou certo de que Deus me ama e se revela a mim a cada momento, sei que Ele poderá se comunicar a mim hoje, por meio de uma pessoa que pensa diferente de mim, e mostrar-me algum dos meus erros. Isso não representa uma ameaça, pois – se isso acontecer – será Deus me corrigindo e não o outro me dominando. A certeza última, aquela que a tudo supera e a tudo vence, é o fato de que Ele me ama, que deu a vida por mim, por meio de seu Filho, e toda minha vida será sempre resgatada por Seu amor, não importa a força dos poderes humanos.

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Por isso, um cristão de convicções firmes está sempre procurando o diálogo, sem se preocupar em impor-se ao outro. A conversão é sempre obra do encontro entre a graça de Deus e a nossa liberdade. Não podemos querer impor a ninguém a Verdade, aquela com “V” maiúsculo, a única que realmente pode salvar. As outras verdades são importantes e devemos lutar por elas na sociedade, mas não podemos deixar de aceitar o testemunho de Paulo: “tudo tenho como esterco, para ganhar a Cristo” (Fl 3, 8).

A verdadeira certeza convida ao diálogo

O sectarismo, contudo, nos leva a pensar todas as “nossas verdades” (que são hipóteses humanas, tão relativas como quaisquer outras) como “a Verdade”, ou como manifestações obrigatórias dessa Verdade. É como se Deus se visse, de repente, obrigado a pensar como nós – ao invés de nós termos de nos converter a Ele. Bento XVI, que sempre se colocou contra o relativismo da cultura atual, explica: “Sem dúvida, não somos nós que possuímos a verdade, mas é ela que possui a nós: Cristo, que é a Verdade, tomou-nos pela mão e, no caminho da nossa busca apaixonada de conhecimento, sabemos que a sua mão nos sustenta firmemente. O fato de sermos interiormente sustentados pela mão de Cristo torna-nos simultaneamente livres e seguros. Livres: se somos sustentados por Ele, podemos, abertamente e sem medo, entrar em qualquer diálogo. Seguros, porque Ele não nos deixa, a não ser que sejamos nós mesmos a desligar-nos d’Ele. Unidos a Ele, estamos na luz da verdade.” (Discurso à Cúria Romana na apresentação de votos natalícios, 21 de dezembro de 2012).

Quem não se confia a Cristo, se confia aos poderes do mundo. Acaba por transformar o anúncio da Verdade numa luta por poder como todas as outras do mundo. Pouco a pouco, deixa de propor a Cristo, para propor convicções particulares ditadas pelo poder (ou por um anti-poder que deseja se tornar poder). Numa Campanha da Fraternidade Ecumênica, tendo por tema o diálogo, como a desse ano, podem surgir muitas discordâncias, mal-entendidos e até mesmo erros brutais. O que não pode acontecer é deixarmo-nos levar pelo sectarismo, ao invés de aproveitar a oportunidade para uma conversão que nos leve à verdadeira certeza cristã.

 

Artigo originalmente publicado em Aleteia

Imagem: Randal Phoenix, Pix.org

Autor BorbaPublicado em 10 de março de 2021Categorias DiálogoTags Diálogo, Ideologia, VerdadeDeixe um comentário em Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes

Diálogo e busca da Verdade em uma sociedade ideologicamente dividida

Diálogo e busca da Verdade em uma sociedade ideologicamente dividida

Francisco Borba Ribeiro Neto

Quando observamos nossa sociedade atual, no Brasil e no mundo, percebemos que as divisões ideológicas parecem ter ganho uma dimensão nunca vista antes. De um modo ou de outro, sempre existiram algumas ideologias dominantes, “hegemônicas”, e outras subalternas, que não tinham reconhecido seu direito a se apresentar. Frequentemente, os momentos considerados “plurais” são aqueles em que uma ideologia subalterna ganha hegemonia. Seus seguidores não admitem que estão calando aos demais assim como foram calados no passado, então criam uma falsa imagem de que agora todos têm a mesma possibilidade de se exprimir.

Em alguns poucos momentos, como neste em que estamos hoje, ideologias dominantes perdem a legitimidade, mas as ideologias subalternas não conseguem se afirmar em seu lugar. Permanece então um conflito aberto, onde boas intenções, negacionismos e sectarismos podem ser encontrados em todas as facções que se opõem – algumas vezes de forma evidente; em outras, de forma velada.

Os impasses ideológicos não se mantêm apenas por um balanço aparentemente equilibrado de forças, mas também porque nenhum dos lados têm propostas reconhecidamente válidas e efetivas para superar as dificuldades. O capitalismo internacional e os Estados chamados “do bem-estar social” enfrentam uma crise há muitos anos, mas nenhuma proposta neoliberal ou socialista conseguiu responder de forma convincente aos problemas enfrentados. A liberalização dos costumes tem levado ao vazio existencial e à depressão, mas os valores da tradição não conseguem mostrar-se tão universais como deveriam ser.

Momentos assim são aqueles em que o diálogo se torna mais importante e difícil. O leitor me desculpe a insistência no tema da Campanha da Fraternidade de 2021, mas ele é absolutamente vital nessa época.

Ideologia e verdade

Não podemos esquecer nunca de que as ideologias não são apenas “afirmações mentirosas”. A mentira tem pernas curtas, como diz o ditado popular. Ideologias se perpetuam porque têm alguma coisa de verdadeiro (nem que seja apenas o desejo de bem que estava na sua origem mais remota). Sobrevivem porque seu seguidores se fixam nesse lado verdadeiro e fecham os olhos aos seus erros e mentiras.

Todos somos ideológicos em algumas coisas. Só Deus tem a verdade absoluta sobre todas as coisas. Numa analogia com o pensamento do Papa Francisco, podemos dizer que todos estamos sujeitos à ideologia, mas o ideólogo é aquele que se acomoda a ela, passando a transmiti-la sem se preocupar em descobrir a Verdade (o Papa explica que todos somos pecadores, mas o corrupto – à semelhança do ideólogo – se regozija com o pecado e com as vantagens que pode obter dele).

Leia também: O diálogo e o desejo mais profundo do coração

As ideologias vão sendo superadas (nunca definitivamente eliminadas) com nosso esforço contínuo para encontrarmos a Verdade última e as muitas pequenas verdades do cotidiano. Nesse trabalho, o diálogo se torna um dos mais eficientes instrumentos de luta contra as ideologias. Ao escutarmos quem pensa diferente, descobrimos as falhas de nossos pensamentos e, se estamos realmente comprometidos com a Verdade, reformulamos nossas ideias, para que se tornem mais correspondentes à realidade.

Na luta pelo poder, um se considera vencedor quando obriga o outro a aceitar suas ideias. Mas, no “bom combate” ao qual alude São Paulo (2Ti 4, 7), a luta pela fé, pelo bem e pela posse do próprio coração, ganha aquele que aprende no encontro com o outro e descobre mais sobre a Verdade. Muitas vezes teremos que reconhecer que existem coisas boas e certas nas ideias dos outros, mas isso não nos ameaça porque, ao reconhecer esses acertos do outro, passamos a compreender melhor também a Verdade última que já habita nossos corações.

O perigo das imagens falsas e preconceituosas

Imagens preconceituosas são ameaças contínuas ao diálogo. Acreditamos que os outros são maus, sectários e usarão a possibilidade do diálogo para nos sufocar com suas ideologias. Contudo, o mais frequente é que essa imagem seja falsa. Normalmente, para cada pessoa realmente sectária e mal-intencionada, temos várias pessoas bem-intencionadas e abertas ao diálogo – desde que descubramos os caminhos adequados para o entendimento mútuo. Com frequência, a “má intenção” é um engano causado pela falta (em ambas as partes) de uma comunicação adequada da verdade.

Vamos a alguns exemplos bem polêmicos. Defender os direitos dos homossexuais a terem uma vida digna não significa apoiar a ideologia de gênero (que poderíamos entender, grosseiramente, como apologia ao homossexualismo). Pedir que os criminosos não fiquem impunes é muito diferente de defender a truculência policial. Mas, em função de estereótipos preconceituosos, muitas vezes acreditamos que a pessoa que defendeu uma coisa também defende a outra.

O resultado dessa confusão preconceituosa é que não nos entendemos, nem nos corrigimos. Com isso, pessoas realmente mal-intencionadas conseguem nos influenciar e nos fechar tanto ao diálogo quanto à Verdade. Com certeza é possível respeitar a dignidade dos homossexuais sem fazer apologia do homossexualismo, praticar a justiça e condenar os culpados sem que a polícia seja truculenta. Mas só no diálogo iremos compreender por que tais ideias parecem atualmente em oposição – e encontrarmos as alternativas adequadas para que as verdades procuradas por todos os bem-intencionados prevaleçam.

 

Artigo originalmente publicado em Aleteia

Imagem: Ismael Martinez Sanches / Ajuda à Igreja que Sofre.

Autor BorbaPublicado em 10 de março de 2021Categorias DiálogoTags DiálogoDeixe um comentário em Diálogo e busca da Verdade em uma sociedade ideologicamente dividida

O diálogo e o desejo mais profundo do coração

O diálogo e o desejo mais profundo do coração

Francisco Borba Ribeiro Neto

Dialogar e buscar a unidade com quem pensa diferente não é tarefa fácil. A Campanha da Fraternidade Ecumênica desse ano, com o tema “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14), antes mesmo de começar já provocava polêmicas e divisões.

De um lado, temos aqueles que realmente nunca quiseram dialogar. De outro, os que desejam instrumentalizar o diálogo para impor suas próprias opiniões. Entre eles, os cristãos de boa vontade, que são a grande maioria (felizmente!), ficam muitas vezes sem saber como proceder. Mas a dificuldade de uma tarefa necessária deveria ser um estímulo para nos dedicarmos mais ainda a ela – e o diálogo é uma necessidade tanto para a ordem social e o bem comum quanto para a prática do amor.

A construção do diálogo pode passar por duas estratégias. A “horizontal”, por assim dizer, trata-se de evitar os pontos de atrito e começar a trabalhar a partir dos pontos consensuais – para depois enfrentar os conflitos. Na “vertical”, o esforço é mergulhar, junto com nosso interlocutor, na compreensão das ideias, necessidades e ações que nos dividem, procurando entender qual é o desejo de bem que move a cada um de nós. Descobriremos sempre que, no fundo, todos nós compartilhamos um mesmo desejo de bem, ainda que cada um o entenda de forma diferente.

Os dois métodos têm suas vantagens e suas desvantagens…

Aparando arestas

Esse método “horizontal” é o mais comum. Procuramos aplicá-lo sempre que estamos diante de alguma situação conflituosa, num ambiente onde temos que procurar a união. Todos os dias o praticamos, com maior ou menor frequência, na família, no ambiente de trabalho e com os amigos. Ele é também o mais fácil, exige apenas que os interlocutores estejam dispostos a abstrair – ao menos por alguns momentos – suas diferenças e procurar avançar em suas concordâncias.

Sua desvantagem é a de facilmente gerar apenas pactos de convivência pacífica. Se nenhuma das partes se convence dos argumentos do outro, se não cresce uma simpatia mútua, o diálogo se resume a uma negociação formal. Não é um perigo abstrato: muitos casamentos chegam a naufragar porque o diálogo se restringe a esse tipo de negociação; nas arenas políticas de nossa sociedade, essa é a situação mais comum.

Negociações e pactos são necessários em muitas situações. Em si, não são um mal. Contudo, seu alcance é limitado e acabam permitindo o conflito e o rompimento de relações quando os desacordos se tornam maiores que os acordos – como acontece em situações muito polarizadas como a atual.

Nunca devemos desistir desse método horizontal de construir o diálogo, mas temos que ter consciência dessa sua limitação.

Indo a fundo nas questões

O método “vertical” é muito mais exigente, mas constrói diálogos mais profundos, onde uma certa compreensão do outro e uma simpatia mútua se tornam inevitáveis. Não excluí o entendimento “horizontal”, mas pode criar vínculos mais profundos e superar confrontos aparentemente insolúveis.

Todos nós, seres humanos, temos um mesmo conjunto de exigências inerentes e fundamentais. Assim como precisamos de alimento, também precisamos de paz, liberdade, beleza, verdade, justiça, alegria, amor, felicidade. O padre católico Luigi Giussani definia esse conjunto de exigências como “experiência elementar” (no sentido de ser uma experiência fundamental, básica, de toda pessoa), lembrando que a Bíblia se refere a ela com a palavra “coração”. Mas, se essas exigências são universais, as formas como as compreendemos e as tentativas de satisfazê-las são muito diferentes. Todos desejamos coisas belas, mas cada um vê beleza numa coisa diferente. Ninguém quer ser enganado, mas nos perdemos em intermináveis debates sobre quais são as “fake news”. Todos queremos ser felizes, mas cada um procura a felicidade a sua maneira.

Buscar o diálogo a partir dessa “experiência elementar” significa procurar entender as razões que levam uma pessoa a buscar satisfazer essas exigências de uma forma ou de outra – e a partir daí começar um caminho de entendimento compartilhado sobre as questões polêmicas. Trata-se de uma experiência menos frequente do que a do diálogo “horizontal”, mas que também é feita habitualmente por nós. Muitas vezes perguntamos sinceramente a uma pessoa querida, que parece estar tomando alguma decisão tresloucada: por que você quer fazer isso? Quando essa pergunta é sincera, corresponde a um desejo nosso de entabular um diálogo que aprofunde tanto as nossas razões quanto as do outro, um diálogo que leve a uma compreensão e uma comunhão mais profundas.

Todo diálogo exige amor

Seja o caminho “vertical”, seja aquele “horizontal”, todo diálogo exige não só um esforço intelectual, mas também um gesto primeiro de amor. Temos que demonstrar afeto pelo outro para que ele se disponha realmente a seguir conosco num caminho de diálogo, que leve ao verdadeiro encontro e à unidade (ainda que limitada).

Geralmente, cobramos um gesto de abertura do outro, para depois nos abrirmos. Como o outro tem a mesma postura, o diálogo não avança. Aquele que ama dá o primeiro passo e, com isso, descobre novos amigos e novas belezas. Que, nessa Quaresma, descubramos ainda mais a misericórdia que Deus tem por nós e, nos percebendo amados com misericórdia, possamos viver a alegria de amar nossos irmãos e dialogar com eles.

 

Nota

Para quem quiser aprofundar o conceito de experiência elementar, sugiro a leitura das obras:

GIUSSANI, L. O senso religioso. Jundiaí: Paco Editorial, 2017.

MAHFOUD, M. Experiência elementar em psicologia: aprendendo a reconhecer. Brasília: Universa, 2012.

 

Artigo originalmente publicado em Aleteia

Imagem Pxhere.com

Autor BorbaPublicado em 10 de março de 2021Categorias DiálogoTags DiálogoDeixe um comentário em O diálogo e o desejo mais profundo do coração
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