Atentados, suicídios: os jovens diante da violência do mundo

Mais um atentado em escolas brasileiras, este culminando com o assassinato de uma professora por seu aluno de 13 anos, nos obriga a pergunta: o que está acontecendo? A sociedade brasileira nunca foi tão pacífica quanto gostaríamos de supor. Assassinatos por motivos fúteis, violência doméstica, linchamentos sempre aconteceram entre nós – ainda que nem sempre noticiados. Contudo, no período recente, parece que estamos importando de países como os Estados Unidos esta nova praga dos atentados em escolas e universidades. Foram pelo menos 16 atentados nos últimos 20 anos, sendo ao menos sete no último ano.

Contudo, os atentados respondem apenas por uma parte do drama. Existe uma regra de não noticiar casos de suicídio, porque a sua divulgação tem o efeito de sugerir ideias suicidas entre outras pessoas. Contudo, a taxa de suicídios entre jovens no Brasil teve um aumento de quase 50% de 2016 a 2021. Seja tentando tirar a vida de outrem, seja tentando tirar a própria vida, estamos assistindo a um aumento vertiginoso da violência entre nossos jovens.

Entre os adultos, o escândalo e o medo gerados por essa situação são compreensíveis – mas pouco ajudam na resolução do problema. Raiva e medo são sempre maus conselheiros, as boas soluções nascem da reflexão serena, do olhar atento e da dedicação às pessoas envolvidas. Quando se trata de violência, a raiva e o medo são ainda mais deletérios, pois pessoas raivosas ou temerosas tendem a ser ainda mais agressivas, insuflando o estado de ânimo que deveriam inibir.

O que está acontecendo?

Tendemos sempre a procurar culpados por tudo de mal que acontece. Com isso, enfraquecemos nossa capacidade de análise e a visão objetiva da realidade. Cada qual tende a culpar aqueles com quem não simpatiza ou os adversários políticos, num comportamento ideológico no qual se revela uma parte do problema, mas se deixa de ver outros.

O fato é que vivemos numa sociedade onde as pessoas tendem a sentir-se cada vez mais ressentidas com a sociedade circundante. Lembrando o título de uma obra de Freud, podemos falar de um “mal-estar na civilização”. A ideia é simples e não precisa ser nenhum freudiano para constatar sua veracidade. Para nos adequarmos à vida em sociedade, temos que aceitar fadigas, pressões e desgostos. Trata-se de uma inevitabilidade com a qual convivemos todos os dias de nossa vida, desde a mais tenra idade.

Quanto mais simples, autoritária e estática é a estrutura social, mais esse “mal-estar” é naturalizado, aceito como normal e reconhecido como inevitável. Numa sociedade complexa, plural, liberal e dinâmica, como é a nossa, diminui a adesão às normas sociais, cujo lado autoritário se torna mais evidente. Por que seguir essa ou aquela norma social, se ela não nos faz mais felizes? Por que se esforçar para alcançar certas metas pessoais, se depois constatamos que elas não nos darão a satisfação prometida? Para que ser “bons cidadãos” se todos os dias vemos esses cidadãos frustrados e acabrunhados, esmagados pelo peso dos compromissos e pelo despotismo dos poderosos, insatisfeitos diante dos prazeres que lhes foram mostrados, mas não foram entregues?

Nossa sociedade vende uma realização que depois não consegue entregar. Somos todos como que forçados a nos apresentarmos como felizes e bem-sucedidos (veja-se as imagens que divulgamos de nós mesmos em nossas redes sociais), mas tão poucos alcançam realmente a felicidade e o sucesso! Tudo isso gera um contexto de ressentimento, depressão e raiva. Não é à toa que as pesquisas indicam que a taxa de pessoas diagnosticadas com depressão na sociedade brasileira subiu cerca de 34% entre 2013 e 2019.

É uma armadilha, um labirinto de difícil saída, montado para as novas gerações – que ouvem cada vez mais promessas de realização, mas são pressionadas a alcançarem um sucesso que não lhes parece factível. Nesse contexto, a explosão da violência se torna cada vez mais provável, podendo ser desencadeada por uma infinidade de “detonadores”, muitos dos quais quase imperceptíveis aos olhos dos demais.

Bullying, famílias disfuncionais e redes sociais

Três fatores são normalmente indicados entre esses “detonadores” de comportamentos agressivos, antissociais ou suicidas. Nos ambientes juvenis, se sobressai o bullying. Jovens diferentes, que não se encaixam nos padrões hegemônicos dentro do grupo social, se tornam vítimas das chacotas, do desprezo e do tão temido cancelamento por parte dos demais. Curiosamente, pessoas que poderiam ser colocadas em extremos opostos do espectro ideológico muitas vezes são vítimas do mesmo bullying. Por exemplo, o cristão que deseja viver sua castidade e o homossexual que deseja liberar sua sexualidade poderão ser igualmente cancelados por não se encaixarem num padrão de heterossexualidade permissiva… As armadilhas do poder são mais sutis do que imaginamos!

O segundo fator frequentemente apontado como desencadeador de comportamentos violentos entre jovens advém dos problemas familiares, como violência doméstica e abandono parental. Contudo, também aqui, é perigoso uma generalização esquemática. Não é que por traz de cada suicida e de cada perpetrador de atentados encontraremos uma família disfuncional. Além disso, muitas vezes os próprios pais são vítimas de más condições de trabalho ou de uma situação de pobreza material e humana que não lhes permite dar a atenção e o cuidado aos filhos que desejariam dar.

Por fim, as redes sociais se tornaram o grande vilão de nossos tempos. Elas permitem que ideologias, exemplos e até instruções sejam difundidas com uma facilidade nunca vista em nossa sociedade. Congregam solitários que nunca teriam se encontrado antes. Criam, no mundo virtual, falsas realidades que podem estimular comportamentos antissociais, ódios e agressões. Em sua abrangência e pluralidade, parecerem incontroláveis para famílias e governos.

O que fazer?

Soluções nascidas do desespero e da raiva são pouco eficientes. Aumentar o policiamento ostensivo nas escolas, impor uma disciplina mais rígida colocar detectores de metais são alternativas que podem até ser necessárias em alguns casos – mas não são respostas efetivas para o problema. Quem impedirá o agressor de atacar seus colegas e professores na rua? E os jovens que se suicidam em casa? Eles também são filhos de Deus e vítimas dessa situação generalizada.

O controle das redes sociais é uma necessidade de nossos tempos. A liberdade não é a mesma coisa que o direito de propagar o mal entre os influenciáveis. Contudo, o fato é que há muitas tentativas e poucos resultados realmente eficiente. A complexidade da questão pode ser vista nas discussões sobre a censura do Estado e a responsabilização das chamadas big techs, proprietárias das redes. Acompanhar o que os jovens estão vendo é, sem dúvida, uma das muitas responsabilidades dos pais, mas temos que ser realistas: como pais que trabalham por 8 a 10 horas diárias poderão fazer esse controle? E nem todos, na verdade muito poucos, tem a alternativa de deixar de trabalhar ou ter um emprego de só meio período para poder estar mais perto dos jovens.

Um passo fundamental – e talvez não tão difícil – é garantir assistência psicológica para professores, estudantes e até policiais. O corpo docente deve estar capacitado para perceber quando jovens estão em situações frágeis e/ou perigosas e ter para onde encaminhá-los. A polícia tem que saber o que fazer quando recebe uma denúncia ou constata uma situação violenta numa escola (no caso do assassinato da professora, o menor já havia sido inclusive denunciado para a polícia).

Saber amar

Diante dessa situação, existe uma tarefa que compete a todos nós: aprendermos a amar mais os jovens. Evidentemente isso vale em primeiro lugar para os pais, mas também a professores, sacerdotes, influenciadores e até chefes e empregadores. Os jovens precisam ser amados, mas o amor precisa ser verdadeiro e sábio. Amores possessivos, que sufocam os jovens com expectativas traçadas por outros, ou permissivos, que pecam pela falta de orientação, não ajudam. O exemplo dos adultos é fundamental – mas o primeiro exemplo é o de que somos felizes amando (e, muitas vezes, temos um longo caminho pessoal, pois não somos felizes, nem sabemos amar).

O primeiro passo do amor é a acolhida. Nossos jovens vivem numa sociedade que não sabe acolher, por mais que diga o contrário. Corrigi-los é sempre importante, mas só quem acolhe é reconhecido como tendo o direito de corrigir. A correção sem a acolhida não é aceita e tem o efeito contrário. As ideologias são perigosas, mas denunciá-las sem mostrar o amor só serve para gerar mais raiva e ressentimento.

Saber amar é uma capacidade inerente a todo ser humano, não depende dessa ou daquela confissão religiosa. Porém, Cristo – que se entregou à morte por amor a cada um de nós – é o maior mestre de amor que podemos encontrar. Oremos por nossos jovens, pelos que mais sofrem, pelas vítimas da violência, por nós mesmos, que o manto da misericórdia a tudo cubra, consolando-nos na dor, ensinando-nos a viver.

Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia

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Violência eleitoral: o pior cenário

O recente assassinato de um petista por um bolsonarista, em Foz do Iguaçu, trouxe uma carga a mais de tragédia numa campanha eleitoral que todos já temem ser particularmente violenta no Brasil. Na sociedade brasileira, a violência política sempre esteve presente, ainda que poucas vezes nos demos conta disso. Ela parece um fenômeno excepcional, como a facada em Bolsonaro, na campanha para as últimas eleições presidenciais. Mas, infelizmente, a realidade é bem diferente do que imaginamos…

Na última eleição municipal (2020), o Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, registrou 485 casos de violência eleitoral praticados contra políticos, incluindo ameaças, agressões, atentados, sequestros e até homicídios (que responderam por 21% das ocorrências).  Nos primeiros seis meses de 2022, o número de casos de violência eleitoral registrados por esse grupo de pesquisa já é 23% maior do que o de 2020 (214 contra 174 ocorrências). E devemos considerar que, em 2020, as eleições eram municipais, com um número muito maior de candidatos do que em 2022, quando são estaduais e nacionais.

A análise estatística realizada pela equipe do Observatório mostrou que a violência não estava associada particularmente a uma posição de direita ou esquerda, apesar de nossa tendência de sempre querer associar o mal àqueles que estão do lado oposto ao nosso no espectro ideológico. A maior parte das vítimas são brancos, com formação universitária, mas isto reflete apenas o fato de a maioria dos políticos brasileiros terem esse perfil pessoal. Segundo essa análise, os políticos que têm mais chance de serem vítimas de violência, sendo menos numerosos na população, mas sofrendo proporcionalmente mais ataques, são os não brancos, de baixa escolaridade e de cidades pequenas. Repete-se assim, na política, o padrão de vulnerabilidade à violência que perpassa nossa sociedade como um todo.

Um cenário a ser evitado a qualquer custo

A violência política é o resultado extremo de um quadro de insuficiência de uma democracia. Mostra que as instituições políticas e de segurança pública não estão à altura do desafio de garantir a participação, a justiça e a construção do bem comum na sociedade.

Países com democracias bem estabelecidas, com sociedades bastante seguras, podem enfrentar casos de violência contra políticos. É o caso recente do Japão, com o assassinato de Shinzo Abe, ex primeiro-ministro, praticado por uma pessoa desequilibrada, num evento totalmente desvinculado dos embates políticos em curso no país. Infelizmente, não é essa a situação na violência política brasileira.

O fato de um ato violento ter um componente político não significa que seja um ato premeditado ou mesmo conscientemente incentivado pelas lideranças políticas. No caso do assassinato ocorrido em Foz do Iguaçu ou da facada dada em Jair Bolsonaro, na última campanha eleitoral, as investigações nunca encontraram evidências de uma ação premeditada de um grupo político. Contudo, os perpetradores faziam uma associação ideológica que os motivava a cometer o crime.

Assassinatos premeditados, como o do prefeito petista Celso Daniel, ocorrido em 2002, famoso pela suspeita de ter acontecido para acobertar um escândalo de corrupção, são casos de polícia. Já os atos de violência não premeditados, que aparentemente não correspondem aos valores e à visão de mundo dos próprios perpetradores, indicam um outro problema, de natureza sociocultural.

O ressentimento e a raiva subtraem nossa humanidade

Instilar no povo a animosidade contra seus adversários sempre foi uma estratégia dos líderes políticos. Os novos meios de comunicação, contudo, criaram a possibilidade de alcançar mais pessoas e potencializar cada vez mais seu ressentimento e sua raiva. Os “influenciadores digitais” logo aprenderam que os discursos de ódio, que canalizam o ressentimento e a raiva represados nas consciências, se difundiam facilmente e davam celebridade a quem os enunciava – e o desencanto com as condições socioeconômicas, comprometidas por uma sucessão de crises econômicas, e a frustração com o desempenho dos políticos, afundados em escândalos de corrupção e incapazes de dar respostas aos problemas da população, são terreno fértil para discursos políticos violentos.

Assim, a polarização política vem se tornando cada vez mais extremada, o diálogo cada vez mais difícil e a raiva contra aquele que pensa diferente cada vez mais frequente. Nesse clima, quaisquer contrariedades ou ofensas – por menores que sejam – podem levar a uma violência desproporcional e descontrolada. A reação instintiva se sobrepõe à decisão racional e até mesmo aos valores professados, o diálogo necessário se transforma em confronto desnecessário, chegando à agressão indesejada e até à violência trágica.

O ressentimento e a raiva, mesmo que sejam compreensíveis, corrompem aquela autoconsciência que nos faz humanos, nos tornando cada vez mais animalescos, ainda que usemos os mais sofisticados discursos intelectuais para justificar nossas posições.

O cristianismo e a pacificação dos corações

É natural e justo que as pessoas fiquem indignadas e protestem diante de situações de corrupção, injustiça e não reconhecimento da sua dignidade. Nos Evangelhos, o próprio Cristo vive momentos de grande indignação, quando, por exemplo, acusa os escribas e fariseus de hipocrisia (Mt 23, 23-38) ou quando expulsa os vendilhões do templo (Jo 2,13-17). Existe, porém, uma grande diferença entre a justa indignação e a raiva ressentida.

Bento XVI, ao explicar a expressão “dar a outra face” (cf. Lc 6, 29), diz que não se trata de não responder ao mal, mas sim de responder ao mal com o bem (cf. Rm 12, 17-21). Essa é a atitude justa, que transforma a indignação em caminho de construção e não em violência ressentida. Mas, para isso, nosso coração tem que estar pacificado – e esse é um grande desafio vivido pelos cristãos nesses tempos difíceis e agressivos.

Aquilo que pacifica nosso coração é viver num âmbito de amor, terno e acolhedor, que se desenvolve não apenas em termos emocionais, mas se torna critério racional para olhar o mundo e discernir sobre o certo e o errado. Inversamente, quando nos abandonamos à raiva e ao ressentimento, nos afastamos desse âmbito de amor. Por isso, aqueles que instilam a indignação raivosa em nosso meio – mesmo que o façam com a melhor das intenções, denunciando, por exemplo, o aborto, a violência contra os mais pobres ou o aumento da fome – acabam colaborando para que nos afastemos de Cristo e percamos um pouco de nosso comportamento genuinamente humano.

Para os cristãos, a justa opção alternativa não é deixar de indignar-se, mas sempre ter em mente o amor de Cristo por nós mesmos e por todos os seres humanos, um amor que chama à santidade, mas também sabe perdoar, encher-se de misericórdia e de ternura, não quebrar a cana rachada, nem apagar o pavio que ainda fumega (cf. Mt 12, 20). Um amor que procura o bem comum, antes de optar pela mera destruição do adversário. Alternativa ingênua? Pode parecer, mas é a partir dela que o cristianismo há vinte séculos ajuda a fazer um mundo melhor. Nessa opção, cada um de nós pode transformar a própria indignação em ocasião de memória do amor de Deus por nós e oportunidade de nos reencontrarmos com Cristo.

Francisco Borba Ribeiro Neto
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O atentado aos estudantes no Texas e a ação policial no Rio de Janeiro: uma reflexão sobre o horror e o mal

Terça-feira, 24 de maio, foi um dia trágico. No Texas, um jovem assassinou 19 crianças e 2 adultos; 23 pessoas morreram numa ação policial do BOPE nas favelas do Rio de Janeiro. De um lado, uma sociedade que, mesmo sendo rica e desenvolvida, não consegue atender adequadamente pessoas com distúrbios psicológicos, onde o acesso fácil às armas de fogo se tornou uma ameaça à população. De outro, uma sociedade extremamente desigual, onde as populações pobres vivem simultaneamente sob a ameaça e o fascínio do crime organizado, onde a polícia age com truculência e a juventude muitas vezes olha o futuro com desesperança.

O horror do mal e a mensagem cristã

Atentados aparentemente fortuitos, perpetrados por pessoas que nos parecem desiquilibradas, são aparentemente mais comuns em alguns países, como nos Estados Unidos, onde ocorreram 213 tiroteios em massa só em 2022! Os atentados em escolas são mais frequentes naquele país, mas também ocorrem no Brasil. Nos últimos cinco anos, tivemos quatro atentados a escolas: Goiânia (GO) em 2017, Medianeira (PR) em 2018, Suzano (SP) em 2019 e Saudades (SC) em 2021.

Diante desses episódios, a pessoa de fé não consegue deixar de repetir a pergunta de Bento XVI no Campo Nazista de Extermínio de Judeus em Auschwitz-Birkenau: “Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou? Como pôde tolerar este excesso de destruição, este triunfo do mal?”. Para os diretamente envolvidos nas tragédias, palavras de consolo pouco adiantam. A solidariedade mais efetiva frequentemente se dá pela oração e, em alguns momentos, por um acontecimento inesperado no qual se vislumbra com mais clareza a presença da própria Misericórdia.

No Catecismo da Igreja Católica, encontramos uma interessante citação de Santo Agostinho: “Deus todo-poderoso […] nunca permitiria que qualquer mal existisse nas suas obras se não fosse suficientemente poderoso e bom para do próprio mal, fazer surgir o bem” (CIC 311). Vivemos nossa fé na esperança dessa revelação da bondade última de Deus, alicerçados num Acontecimento que de alguma forma já se faz presente entre nós, dando força para o presente e perspectiva para o futuro (cf. BENTO XVI. Spe salvi, SS 7-9).

Entender o mal, para saber que caminhos seguir

Ataques a escolas e atentados em locais públicos parecem ser cada vez mais frequentes. Em parte, isso se deve a condições propícias para a divulgação desse tipo de crime. São acontecimentos relativamente raros, mas de grande impacto midiático. A divulgação dos casos, dando notoriedade aos assassinos, e um certo incentivo a atos de violência nas redes sociais e em certos âmbitos da internet criaram um clima que estimula certas pessoas a realizarem tais atos. Isso não quer dizer que se tornam assassinas só por isso, mas esses estímulos podem induzir a manifestação de um comportamento agressivo.

O adensamento populacional e a forma de vida moderna reduziram em muito as oportunidades de encontro e os espaços de convivência. Em meio à multidão, estamos muito mais solitários que nossos antepassados em suas aldeias e comunidades. O anonimato e a aparente irrelevância pessoal acompanham a solidão. Ao mesmo tempo, os ideais de autonomia e autorrealização criaram como que uma obrigação de sucesso e diferenciação, particularmente entre os jovens. Ser um “looser” (perdedor) é a maior desgraça que pode acontecer a um deles.

Diante dessa contradição, da sensação de ser irrelevante, “descartável”, frente à necessidade de se tornar reconhecido e importante para ser amado e valorizado, passam a pulular na sociedade comportamentos extravagantes e grupos de desajustados. Campanhas de ressentimento e ódio nas redes sociais estimulam mais ainda a violência.

Os estudos mostram que os perpetradores de ataques a escolas frequentemente eram jovens tímidos e inseguros, com dificuldade para fazer amigos e sujeitos ao bullying por parte dos colegas. Frequentemente vem de contextos familiares “disfuncionais”, com pais violentos ou ausentes, traumas de infância, inaptidões ou marginalização social. São jovens que quase sempre têm dificuldade de encontrar um sentido e uma esperança na vida. Se julgam incapacitados de terem uma vida normal e procuram culpados para sua condição, podendo atribuir essa culpa a pessoas sem relação com sua história de vida. Importante observar a maioria dos jovens com esse perfil não se torna um assassino violento. Tomarão outra direção na vida e superarão, ao menos em parte, seus problemas.

Como enfrentar o mal?

Como poderemos nos proteger do mal? Como proteger aqueles que amamos? Essa é uma das perguntas mais fundamentais que todos ser humano faz ao longo de sua vida. Programas de saúde, seguradoras e empresas de segurança patrimonial existem e proliferam justamente por causa disso. Mas, conforme lembram os Salmos, quem confia nas próprias forças e nos recursos humanos para garantir sua segurança está se iludindo (cf. Sl 20, 31, 84). Essa não é uma afirmação derrotista, mas um sadio realismo que nos liberta de nossos próprios limites. Aquele que confia verdadeiramente no Senhor não se imobiliza diante dos desafios, mas pode analisá-los com mais tranquilidade e enfrentar as tragédias – quando ocorrem – com mais esperança.

Famílias bem formadas, em condições de acompanhar a vida dos filhos, e um ambiente sadio para crianças e jovens são as melhores defesas contra esses atentados. Mesmo isso não cria uma garantia que essas tragédias não acontecerão em nossos lares ou nossa comunidade. Alguns dos assassinos, nesses ataques a escolas, vinham de famílias consideradas bem formadas e viviam num ambiente sadio. Porém, o investimento nas famílias e no ambiente em que vivem os jovens, quando bem-feito, sempre ajudará a construir um mundo melhor.

Um olhar mais amplo sobre a segurança pública

As diferenças entre as duas realidades, do atentado no Texas e das mortes no Rio de Janeiro, ajudam a compreender que não se pode conquistar a segurança pública apostando na violência, seja pela truculência policial, seja pela ilusória garantia de autodefesa carregando armas. Nossa segurança é o fruto do “desenvolvimento humano integral”, que alcança todas as pessoas, em todas as dimensões de sua vida. Melhoria das condições socioeconômicas, acolhida tanto material quanto afetiva dos jovens, educação aos valores, maior eficiência da polícia e do sistema judiciário, recuperação e reinserção dos criminosos – são muitos aspectos da questão, todos agindo em conjunto.

O debate sobre o porte de armas, independentemente do direito de cada um de nós à autodefesa, tende a ocultar a necessidade de uma ação eficaz do Estado para garantir a segurança. A ênfase nos condicionamentos socioeconômicos muitas vezes oculta tanto a importância da liberdade e da responsabilidade pessoal, quanto as dificuldades enfrentadas pelos agentes da lei. Necessitamos de uma visão integral do problema, que considere todos seus aspectos, iluminados pela justiça e pelo amor.

Encontrar soluções para os problemas de segurança pública não é tarefa da Igreja. Contudo, como observou Bento XVI, a Igreja não pode deixar de se interessar por esta temática, uma vez que a busca da justiça e a promoção da civilização do amor constituem aspectos essenciais da sua missão de proclamar o Evangelho de Jesus Cristo.

Francisco Borba Ribeiro Neto
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