Somos seres inteligentes, que tomam decisões a partir de uma análise racional e objetiva da situação. Em política, avaliamos o desempenho dos políticos e escolhemos aqueles mais condizentes com a construção do bem comum e nossas convicções. Certo? Seria bom que fosse, mas infelizmente não é assim que as coisas acontecem. Estudos nas mais diversas áreas do conhecimento têm revelado que nossa suposta racionalidade, na tomada de decisões, é muito mais aparente do que imaginamos. Pensamos e agimos fortemente condicionados por sentimentos, emoções e paixões – ainda que empreguemos argumentos racionais para nos justificarmos perante os outros e perante nós mesmos.
Nossa primeira reação aos estímulos externos é de natureza instintiva e emocional. Só num segundo momento conseguimos raciocinar diante da situação. Quando a lógica entra em ação, uma percepção imediata do problema já se estabeleceu e tendemos a pensar a partir dessa percepção, que pode estar muito longe da realidade objetiva. Olhemos para nós mesmos, para a tendência que quase todos temos, quando algo subitamente dá muito errado, de pensar uma imprecação (mesmo que só pensemos, sem exteriorizar).
Diante de uma situação de perigo físico, uma resposta instintiva e rápida pode ser muito útil. Contudo, numa situação que exige reflexão e ponderação, pode tornar-se uma dificuldade a mais. Convivemos com esse limite em todas as ocasiões, mas os problemas podem ser ainda maiores em tempos de elevada polarização ideológica.
As emoções que nos mobilizam
Na política, algumas emoções parecem ser mais determinantes do que outras em nossos posicionamentos. O medo e o ressentimento têm sido frequentemente citados como os mais relevantes nesse contexto. Vivemos em sociedades complexas, onde frequentemente nos sentimos ameaçados por poderes muito superiores a nossas forças, manipulados por entidades que não conhecemos ou entendemos bem, mas que parecem não se importar minimamente conosco. Pode ser o sistema capitalista, os globalistas, o Estado comunista ou simplesmente “os chefes” impessoais e invisíveis. Sejam lá quem for, são considerados responsáveis pelas crises econômicas, pelas guerras, pelo desemprego, pela insegurança quanto ao futuro. Respondem por uma percepção instintiva e fortemente emocional, que dificulta ainda mais a compreensão dos problemas objetivamente enfrentados.
A resposta a essa situação vem como frustração e raiva. São os sentimentos mais facilmente manipuláveis por uma liderança política desonesta. O frustrado e o raivoso procuram uma alternativa que lhes permita exteriorizar aquilo que sentem da forma mais rápida e instintiva possível. Com isso, avaliam mal as situações, se deixando levar pela primeira pessoa que declara lhes oferece justiça (que frequentemente tem mais o sabor de sobrevivência ou vingança do que de verdadeira justiça).
Mas existem outros sentimentos igualmente poderosos. O entusiasmo de se sentir em meio a uma multidão que vai “fazer história” e mudar o mundo; a esperança num líder que se apresenta como poderoso salvador; a empatia diante daqueles que sofrem e os escândalo diante das injustiças. As emoções não são sempre negativas, mas quase sempre tendem a dificultar a análise objetiva da situação.
Sem o estímulo de emoções positivas, como a esperança e o entusiasmo, as emoções negativas, como a raiva e o ressentimento, nos frustram e paralisam, ao invés de nos induzir à mobilização. Por isso, os líderes de massa não apenas criticam seus adversários, mas também infundem a impressão de que são todo-poderosos e que poderão eliminar qualquer obstáculo – desde que contem com o apoio popular. Exploram o ressentimento e induzem a uma esperança, muitas vezes ilusória, de que as coisas a partir de agora serão diferentes.
Eliminar as emoções também não é uma boa alternativa
Nos embates ideológicos, é comum um lado acusar o outro de irracional e passional, incapaz de ver a realidade. Na verdade, comportamentos mais passionais, controlados pela emoção mais do que pela razão, se tornam mais comuns à medida que nos dirigimos aos extremos do espectro ideológico. Tanto a extrema esquerda quanto a extrema direita, tanto os progressistas mais radicais quanto os conservadores mais inflexíveis tendem a serem determinados mais pela emoção do que a razão.
O centro é mais racional? Tende a ser menos passional e agressivo, mas também aí não há uma garantia de decisões racionais e adequadamente refletidas. Muitas vezes o centro, por falta de uma carga emocional e de uma empatia real com os sofrimentos do povo, se torna apático e tem dificuldade de dar respostas mobilizadoras e até eficientes para os problemas. A falta de emoção pode ser tão ineficiente quanto o excesso de paixão. Muita paixão leva à impulsividade irrefletida; pouca emoção, à acomodação conformista.
Um ser exclusivamente lógico, destituído de emoções, não seria humano, seria um robô. A solução ideal é integrar as emoções positivas ao nosso arcabouço racional, usando-as para canalizar nossas energias rumo a bons objetivos, e controlar as emoções negativas, para que elas não nos façam perder o caminho certo.
A serenidade que não é indiferença
Manter-se sereno diante das circunstâncias adversas é um trunfo para qualquer ser humano. Não se trata de eliminar as emoções e sim de vivê-las com serenidade, sem deixar que elas nos dominem, mas – pelo contrário – sabendo dominá-las para que se tornem uma força positiva. Não é fácil e exige um certo treinamento, comum a pessoas acostumadas a enfrentar situações difíceis ou perigosas. Como tantas outras coisas no mundo, também o controle adequado das nossas emoções pode ser feito de uma forma característica do cristianismo.
Para nós, cristãos, a serenidade vem da confiança em Deus. Aquele que se sabe amado e cuidado por um Outro, vê e julga todas as situações com um olhar sereno, que não procura esquecer as dificuldades nem se encoleriza com os erros, mas encontra a forma mais adequada de enfrentar os problemas. “Aja como se tudo dependesse de você, sabendo bem que, na realidade, tudo depende de Deus”. A frase, atribuída a Santo Inácio de Loyola (apesar de não se ter uma referência precisa de onde e quando teria dito), ilustra bem o que seria esse modo sereno de agir e de se posicionar diante das coisas.
Um exercício ascético simples, que pode ajudar em situações que comprometem fortemente nossas emoções, é fazer a pergunta: se Cristo, que sempre amou e perdoou a todos, sem nunca deixar de dizer a verdade, viesse agora me aconselhar diante dessa situação, o que diria? Invariavelmente perceberemos que os conselhos de Jesus nos ajudariam a nos serenarmos, a recuperar a ternura necessária para ajudar os que sofrem, nos indignarmos com a injustiça sem sermos violentos.
A memória do amor recebido e da ternura com que Deus concebeu o mundo são como antídotos para as emoções negativas que nos desequilibram e uma fonte de emoções positivas que nos ajudam a raciocinar melhor e tomar as decisões justas diante os desafios tanto da vida cotidiana quanto da política.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia
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