A polêmica do partido cristão

Os católicos deveriam ter um partido ou votar obrigatoriamente em alguns candidatos e não em outros?

Como sublinha o Papa Francisco, na Fratelli tutti (FT), “a Igreja respeita a autonomia da política, não relega a sua própria missão para a esfera do privado. Pelo contrário, não pode nem deve ficar à margem na construção de um mundo melhor nem deixar de ‘despertar as forças espirituais’ (BENTO XVI, Deus caritas est, DCE 28) que possam fecundar toda a vida social. É verdade que os ministros da religião não devem fazer política partidária, própria dos leigos, mas mesmo eles não podem renunciar à dimensão política da existência, que implica uma atenção constante ao bem comum e a preocupação pelo desenvolvimento humano integral. A Igreja […] não pretende disputar poderes terrenos, mas oferecer-se como uma família entre as famílias […] disponível para testemunhar ao mundo de hoje a fé, a esperança e o amor ao Senhor, mas também àqueles que Ele ama com predileção” (FT 276).

Seria enganador, contudo, supor que existem princípios políticos confessionais, isso é que nascem da fé, dissociados da razão e da natureza humana, a serem seguidos pelos católicos. Sua natureza é de origem teológica, uma reflexão iluminada pela fé (cf. Compêndio de Doutrina Social da Igreja, CDSI 72-75), mas ela se destina a toda a humanidade – não apenas aos que têm fé (CDSI 83-84). Por isso, seus princípios no campo sociopolítico podem ser compreendidos e seguidos a partir de uma reflexão racional sobre a natureza do ser humano, da sociedade e da conjuntura.

Os partidos políticos são o espaço privilegiado para que a participação política se consolide em ações precisas e objetivas, mas, por esse alcance universal da doutrina social da Igreja, seria perigoso imaginar um único partido como portador da mensagem cristã para o mundo. Vários partidos podem incorporar, em grau variado, os princípios da doutrina social. Além disso, a história recente mostrou, na prática, os limites e as decepções trazidas pelos partidos autodenominados “democratas cristãos”, que muitas vezes usavam o cristianismo de forma falsa e demagógica. O candidato ideal, perfeito tanto na teoria quanto na prática, tampouco existe, por um motivo muito simples: todos eles são seres humanos limitados e sujeitos ao pecado – como nós mesmos, diga-se de passagem.

A partir dessas constatações, o Compêndio de Doutrina Social da Igreja esclarece: “O cristão não pode encontrar um partido plenamente conforme às exigências éticas que nascem da fé e da pertença à Igreja: a sua adesão a uma corrente política não será jamais ideológica, mas sempre crítica, a fim de que o partido e o seu projeto político sejam estimulados a realizar formas sempre mais atentas a obter o verdadeiro bem comum, inclusive os fins espirituais do homem” (CDSI 573), de tal forma que “a ninguém é permitido reivindicar exclusivamente, em favor do seu parecer, a autoridade da Igreja: os crentes devem antes procurar esclarecer-se mutuamente num diálogo sincero, guardando a caridade mútua e tendo, antes de mais, o cuidado do bem comum” (CDSI 574).

Isso não quer dizer que os cristãos não possam se organizar em partidos e frentes que consideram mais condizentes com suas convicções. Não podem apenas impor esses grupos como a única expressão política válida para toda a comunidade cristã. Assim, “a adesão a um partido ou corrente política seja considerada uma decisão a título pessoal, legítima ao menos nos limites dos partidos e posições não incompatíveis com a fé e os valores cristãos” (CDSI 574).

Existem posições e princípios incompatíveis com a fé e os valores cristãos, mas essa questão não pode ser analisada de modo esquemático. É muito fácil para um demagogo declarar que comunga com os princípios cristãos e depois ter uma conduta totalmente oposta a eles. Ou então selecionar alguns princípios e desconsiderar outros. A confiança na coerência e na honestidade pessoal de um político é uma avaliação sempre subjetiva. Podemos discordar, nesse aspecto, do juízo de um nosso irmão, mas não podemos obrigá-lo a concordar conosco.

Então o que fazer numa situação em que nenhum candidato comunga plenamente com os princípios cristãos, mas cada um concorda em alguns aspectos apenas, ou se os candidatos que parecem mais afinados com um dos princípios são também os mais distantes do outro?

Nesse caso, existe sempre uma questão de discernimento que envolve não apenas o discurso teórico, mas as realizações efetivas e até a confiança moral que depositamos na palavra de cada um deles. Contudo, um fator fundamental é não renunciar a um princípio em nome do outro, principalmente quando fazemos isso pensando que a vitória eleitoral e o poder conferido a um candidato garantem o bem comum e justifica que sacrifiquemos os princípios irrenunciáveis com os quais temos menos afinidade.

Um dos contra testemunhos mais danosos que podemos dar a nossos irmãos de outras confissões religiosas ou ateus é justamente essa tendência de escolhermos algumas causas que nos parecem mais simpáticas e “esquecermos” as demais. Fatalmente aqueles que estão mais sensibilizados pelas causas que rejeitamos irão rejeitar não apenas a nós, mas ao próprio cristianismo, alegando que somos hipócritas e nossos valores não são confiáveis.

Quando chegamos nesse ponto, temos que defender ainda com mais insistência os princípios que acreditamos estarem sendo postos em risco pelo candidato que ganhou a eleição, seja ele o que escolhemos ou o outro. Por exemplo, se escolhemos um candidato que se diz pró-vida, mas nos parece pouco preocupado com os mais pobres, temos que nos comprometer ainda mais com a transformação da sociedade e a justiça social. Se escolhemos um muito comprometido com os pobres, mas com posições dúbias em relação ao aborto, temos que aumentar mais nossa militância pró-vida.

Além disso, temos que lembrar que o Executivo não governa sozinho. As escolhas que fazemos para deputados e senadores são muito importantes para criar um contexto de equilíbrio onde os princípios irrenunciáveis sejam aplicados de forma integral.

A doutrina social perante os populismos na América Latina: um tema do qual não podemos escapar

O Observatório Socioantropológico Pastoral do CELAM acaba de publicar Democracia y neopopulismos: alternativas para superar la polarización en América Latina. Não se trata de um texto da própria Conferência Episcopal, mas sim de um documento de trabalho para ajudar a reflexão dos bispos e de toda a comunidade católica.

Salta aos olhos a pergunta: por que a Igreja deve se preocupar com um tema tão claramente político, tão problematicamente partidário? A doutrina social católica deixa claro que o amor cristão é muito concreto e nos impele a colaborar na construção do bem comum, que é a razão de ser da política. Nesse caminho, sem envolver-se com opções partidárias, a Igreja reconhece que a democracia é o sistema de governo que mais colabora com o bem comum. Sendo assim, vê com suspeita as tendências populistas que parecem pôr em risco nossas democracias.

Não cabe aqui resumir ou analisar o documento, disponível online, relativamente extenso e passível de críticas como qualquer obra do gênero. Contudo, algumas observações sobre o tema são importantes para o momento político atual que vivemos.

O que é populismo?

O populismo é uma estratégia de chegada ao poder em regimes democráticos. Caracteriza-se pela canalização, por parte de um líder social, da insatisfação e do ressentimento dos pobres e/ou da classe média contra as elites políticas e econômicas. Dos cinco presidentes brasileiros eleitos diretamente depois do regime militar, apenas Fernando Henrique Cardoso não foi criticado por seus adversários como “populista”. Lula e Bolsonaro foram os mais associados ao populismo, mas a crítica também foi aplicada a Collor e Dilma.

A estratégia populista é tão mais eficiente quanto maior o desencanto e a frustração com o desempenho dos políticos, geralmente tidos como interesseiros e corruptos, e a fragilidade da máquina pública em garantir a justiça e o bem-estar da população. Além disso, pode se apresentar como a única viável quando as organizações da sociedade civil e as instâncias democráticas parecem não conseguir construir um sistema político realmente comprometido com o bem comum da população e não com os interesses dos poderosos.

Democracia implica em controle social – e nossa democracia brasileira é fraca. A maioria dos eleitores não acompanha o desempenho dos políticos eleitos e os candidatos mais votados são frequentemente personalidades midiáticas, sem um histórico de engajamento social, ou lideranças comprometidas com esquemas de poder tradicionais. A ineficácia da justiça, quando se trata de condenar e punir corruptos, demonstra a força dos esquemas corporativistas, consolidados no próprio arcabouço legal, que em nome da defesa do indivíduo contra as arbitrariedades do Estado frequentemente criam condições para acobertar a corrupção. Apesar da insistência das mídias e até da justiça eleitoral, a maioria dos partidos continuam fragmentados, organizados numa perspectiva corporativista e não programática – e estão entre as instâncias consideradas menos confiáveis pela população. Nas eleições atuais, esse desencanto com os políticos e partidos se evidencia na dificuldade da chamada “terceira via”, que é, mais do que um caminho intermediário entre extremismos de esquerda e direita, a defesa das elites políticas institucionalizadas frente às lideranças personalistas de Lula e Bolsonaro.

Uma ameaça à construção democrática

A estratégia populista, com a vinculação direta da massa de eleitores a um líder que promete resolver os problemas gerados pelo fracasso do sistema democrático, pode ser utilizada tanto pela esquerda quanto pela direita. O lado perdedor é sempre a própria democracia, pois o populismo, no fundo, é autoritário. Atrela a mudança a uma determinada liderança pessoal e inibe o fortalecimento político das várias instâncias da sociedade organizada (tidas como ameaças a quem está no poder). Além disso, o governante populista, tendo se viabilizado sem o necessário suporte institucional e com uma base social forte, mas pouco articulada, termina enredado no corporativismo e no clientelismo das elites políticas tradicionais, repetindo esquemas fisiológicos que não consideram o bem comum.

O populismo pressupõe a lógica do “nós contra eles”, de certa forma inevitável em seu discurso, dificultando a construção de consensos necessários à organização da sociedade, ao desenvolvimento social e econômico. Ao culpabilizar o outro por todos os problemas sociais e econômicos, inibe a reflexão crítica e a construção do realmente novo. Implica numa adesão acrítica ao discurso do líder e/ou de seu grupo, associando-se à disseminação de notícias falsas e à deturpação da realidade.

Menos evidente é o perigo que o populismo representa para os próprios valores que pretende defender. Numa sociedade livre e plural, o convencimento é muito mais convincente que a mera imposição. O controle dos meios de comunicação ou da máquina estatal só é realmente eficiente quando articulado com um discurso capaz de convencer a população, em particular os jovens. O populismo, porém, uma vez no poder, imagina que o simples controle social pode garantir os valores que defende. Com isso, no plano cultural, permite a erosão gradual desses valores e inibe a busca construtiva de novos caminhos.

A superação do populismo na doutrina social da Igreja

O termo “populismo” era pouco presente na doutrina social da Igreja até recentemente. Contudo, a valorização das organizações sociais (ou dos “corpos intermédios”, nos termos usados até a publicação do Compêndio de Doutrina Social da Igreja, CDSI 356-357), a insistência na participação (CDSI 189ss) e a ênfase da sociedade organizada como contrapeso ao poder tanto do Estado quanto dos mercados (Caritas in veritate, CV 38) indicam claramente uma posição de “simpatia pela democracia” (Centesimus annus, CA 46) e desconfiança em relação ao populismo.

Com um bom senso tipicamente católico, Francisco, na Fratelli tutti observa que líderes populares que conseguem transformar as estruturas injustas são um bem para a sociedade (FT 169). Contudo, podem se revelar muitas vezes como demagogos que enganam o povo, ao invés de servirem ao bem comum (FT 156-162). Ideólogos de direita tendem a ver demagogia populista em qualquer tentativa de aumentar a participação popular e melhorar a distribuição de renda da população. Ideólogos de esquerda tendem a ver demagogia populista em qualquer defesa da ordem social ou dos valores morais tradicionais.

O fato é que a população quer justiça social, condições de vida dignas, respeito a seus valores morais e segurança. Grande parte de nossos problemas de engajamento vem da tendência dos grupos políticos de lutarem por algumas bandeiras e não levarem outras em consideração. É comum se dizer no Brasil que “o povo não sabe votar”. O problema maior, contudo, é que “as elites não sabem governar”, deixando o povo sem opções e entregue a líderes populistas de esquerda ou direita. Governos populistas são, de certa forma, um ponto de passagem no processo de amadurecimento democrático na América Latina. Isso não quer dizer que sejam obrigatórios, mas sua recorrência e duração depende em grande parte da capacidade de políticos e instituições democráticas conseguirem atender a população em suas reivindicações básicas.

A superação dessa situação só poderá acontecer com o aumento da participação; o fortalecimento, em todos os níveis, das organizações sociais e a formação de lideranças políticas cada vez menos personalistas e mais comprometidas com o bem comum. Por outro lado, implica em lideranças sociais realmente empenhadas em escutar a população, reconhecendo tanto suas necessidades quanto seus valores (FT 15-17).

O desenvolvimento humano integral (Populorum progressio, PP 4-21), que abarca todas as dimensões tanto da sociedade quanto da pessoa, e se propõe a chegar a todos, pode ser considerado como o caminho necessário para a superação dos populismos. Sem essa visão integral, as conquistas parciais obtidas em certos setores ou por certas categorias sociais não são suficientes para consolidar o amadurecimento democrático de uma nação.

Francisco Borba Ribeiro Neto

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A defesa da vida sem partidarismos

Uma declaração, no mínimo infeliz, de Lula trouxe de volta o tema do aborto para o debate eleitoral. Os textos do Magistério são bastante claros a esse respeito: “a consciência cristã bem formada não permite a ninguém favorecer, com o próprio voto, a atuação de um programa político ou de uma só lei, onde os conteúdos fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos com a apresentação de propostas alternativas ou contrárias aos mesmos” (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Nota doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política. Roma, 2002). Nesse mesmo documento, a defesa da vida, condenando o aborto e a eutanásia, são considerados como “princípios irrenunciáveis”. Daí o famoso lema “católico não vota em abortista”, simples e prático, que deveria funcionar como uma espécie de “divisor de águas” moral a orientar nosso voto. Contudo, muitos católicos se sentem incomodados com sua aplicação automática e sem questionamentos. Esse texto é voltado justamente a esses que se sentem incomodados e procura explicar alguns dos problemas mais comumente percebidos.

A insegurança se deve a dois fatores. Muitos políticos, sem grande compromisso com o bem comum, até mesmo corruptos e mal-intencionados, perceberam que condenar publicamente o aborto lhes garantia votos cristãos (mesmo que sua atuação, no conjunto, ficasse bem distante da construção do bem comum). Sabendo disso, muitos católicos bem formados hesitam em dar seu voto a esses candidatos. Por outro lado, a forte propaganda pró-aborto muitas vezes consegue ocultar o fato de que o embrião já é uma pessoa humana. Assim, candidatos bem-intencionados, mas ideologicamente contaminados, tomam posições pró-aborto – e como todo processo de convencimento não é exclusivamente racional, expor argumentos é importante, mas não basta para mudar a posição dessas pessoas bem-intencionadas, mas ideologicamente contaminadas.

Os princípios irrenunciáveis não são só um

Essa dificuldade em relação aos políticos se deve, em grande parte, a uma visão reduzida que nós mesmos temos dos princípios irrenunciáveis. A própria Nota doutrinal acima citada, elenca vários “princípios irrenunciáveis”. Considera, por exemplo, a defesa e promoção da família; a liberdade de educação; a tutela social dos menores e a libertação das vítimas das modernas formas de escravidão; a liberdade religiosa; o progresso para uma economia que esteja ao serviço da pessoa e do bem comum; a paz, que “exige a recusa radical e absoluta da violência”.

Dentro de uma visão integral, na qual todos esses princípios sejam considerados (não apenas em termos abstratos, mas em suas implicações concretas em termos de políticas públicas), se evidencia quando a condenação do aborto é apenas uma posição demagógica de um político. Ao mesmo tempo, surgem vários canais de comunicação e testemunho, que ajudam na difícil (mas necessária) tarefa de mostrar para certas pessoas, bem-intencionadas moralmente, mas ideologicamente enganadas, o valor da vida do nascituro.

Nesse aspecto, um sério obstáculo a uma posição católica coerente é a tendência a um falso “realismo político”, que nos leva a não criticar certas posições dos políticos porque, na prática, renunciamos a alguns princípios em nome de outros. Assim, uns renunciam à defesa da vida porque acreditam que candidatos pró-aborto estão mais comprometidos com uma economia voltada à pessoa humana, enquanto outros renunciam a uma economia voltada ao bem comum para garantir votos contrários ao aborto. Mas o sentido dos princípios irrenunciáveis é justamente a negação desse falso “realismo político”, que abandona certos princípios em nome de uma lógica partidária. O católico bem formado cobra de seus candidatos o compromisso não com um princípio ou outro, mas com TODOS eles – mesmo quando isso pode levar a um aparente enfraquecimento partidário.

A primazia do direito à vida

Ainda que existam vários princípios irrenunciáveis, o direito à vida tem evidentemente um lugar preponderante. Em primeiro lugar, nenhum dos demais princípios poderão ser aplicados se a pessoa não estiver viva. Além disso, tem um significado cultural: a primazia da vida se identifica com a primazia da pessoa, em oposição ao economicismo, ao coletivismo e ao individualismo, ao utilitarismo e à “cultura do descarte”.

Sua força, contudo, deve-se também a outros fatores, mais práticos e menos conceituais. A condenação do aborto tem uma carga afetiva inegável. Um dos aspectos mais cruéis daquilo que São João Paulo II chamou de “cultura da morte” é justamente a verdadeira amputação da humanidade das pessoas, ao fazer com que elas não percebam a vida que pulsa na criança por nascer. Mas, para aqueles que ainda não foram submetidos a essa operação ideológica, é inegável a carga afetiva e existencial associada à defesa da vida.

Por fim, não podemos negar que a condenação do aborto é um critério político muito simples e fácil de entender. Um princípio como a economia a serviço do bem comum depende, para sua aplicação, de uma série de considerações de caráter econômico. Por exemplo, até que ponto o mercado é um território determinado apenas pela busca do lucro e até onde é uma condição para garantir a liberdade pessoal e a construção mais efetiva do bem comum? Mesmo quando pensamos especificamente na defesa da vida, até que ponto as estratégias contra a pandemia de Covid-19 eram realmente indispensáveis e até onde eram fruto de uma certa visão ideológica de sociedade? São questões polêmicas, difíceis de se tornarem critérios evidentes, enquanto a condenação do aborto é objetiva e fácil de entender.

A questão partidária

A Igreja não toma posições partidárias. O Compêndio da Doutrina Social da Igreja lembra que “as instâncias da fé cristã dificilmente são assimiláveis a uma única posição política: pretender que um partido ou uma corrente política correspondam completamente às exigências da fé e da vida cristã gera equívocos perigosos. O cristão não pode encontrar um partido que corresponda plenamente às exigências éticas que nascem da fé e da pertença à Igreja” (CDSI 573). A opção partidária de cada cristão é pessoal, respeitando-se os “limites dos partidos e posições não incompatíveis com a fé e os valores cristãos” (CDSI 574).

No Brasil, nenhum partido foi tão explícito na defesa do aborto quanto o PT. Mas, nesse sentido, ele serve para mostrar o quanto uma militância sincera e comprometida faz a diferença. O partido continua majoritariamente pró-aborto, porém foi obrigado a abrandar seus posicionamentos particularmente após a segunda campanha de Dilma Rousseff para a presidência, quando percebeu que poderia perder muitos votos católicos se permanecesse em sua posição original. Assim, um católico simpatizante do PT é particularmente convidado a se comprometer com a defesa da vida e se tornar um instrumento de transformação dentro do partido, sem nunca deixar de denunciar seus erros e maus-feitos em função de uma conivência política.

Os que não desejam votar no PT também não estão isentos de uma responsabilidade nessa situação. Espera-se deles uma atenção redobrada com outros aspectos da construção do bem comum, para evitar que políticos mal-intencionados se aproveitem dos princípios irrenunciáveis para serem eleitos e depois não se comprometerem com o bem comum. Também eles podem trair os ideais de uma sociedade melhor em função de uma conivência política.

Uma decisão pessoal

O voto é uma decisão pessoal. Espera-se que tomemos essa decisão à luz de um discernimento cristão e nos ajudando mutuamente. Nas palavras da Gaudium et Spes, “embora as soluções propostas por uma e outra parte, mesmo independentemente da sua intenção, sejam por muitos facilmente vinculadas à mensagem evangélica, devem, no entanto, lembrar-se de que a ninguém é permitido, em tais casos, invocar exclusivamente a favor da própria opinião a autoridade da Igreja. Mas procurem sempre esclarecer-se mutuamente, num diálogo sincero, salvaguardando a caridade recíproca e atendendo, antes de mais, ao bem comum” (GS 43).

Que o critério da defesa da vida seja um princípio de discernimento útil para todos nós e que ajude na construção de um Brasil melhor, na próxima eleição e em todas as demais.

Francisco Borba Ribeiro Neto

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Imagem: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:BentoXVI-37-10052007.jpg