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O mundo na visão da doutrina social da Igreja

O mundo na visão da doutrina social da Igreja

Compreendendo a realidade numa perspectiva integral, a partir do pensamento social cristão

Tag: Ideologia

A defesa da vida integrada a uma economia a serviço da pessoa

A defesa da vida integrada a uma economia a serviço da pessoa

Os chamados “princípios irrenunciáveis” (cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, 2002) se propõem a ser norteadores das escolhas políticas dos cristãos. Contudo, sua aplicação de forma tendenciosa ou parcial frequentemente leva-nos a assumir posições partidarizadas que dividem a comunidade católica e escandalizam os cristãos, tanto de um lado quanto de outro do espectro ideológico. A justa aplicação desses princípios implica em que sejam vistos em sua integralidade, sem abdicar de qualquer um deles em favor de outro ou imaginar que possam ser relativizados para que nossos candidatos e partidos cheguem ao poder.

No confronto eleitoral deste ano, dois princípios irrenunciáveis aparecem como bandeiras de candidatos diferentes: a defesa da vida, pensada em termos principalmente de condenação ao aborto e à eutanásia, e a economia a serviço da pessoa. Na doutrina social católica, contudo, esses princípios não aparecem desvinculados. Fatalmente nos afastamos dos ensinamentos cristãos se imaginamos que podemos escolher um em detrimento do outro.

Seguindo os passos de São João Paulo II…

O Papa Wojtyla é amplamente reconhecido como ferrenho defensor da vida e contrário ao comunismo, cujos malefícios testemunhou pessoalmente. Sendo assim, seu ensinamento sobre as questões socioeconômicas não pode ser acusado de ideologicamente comprometido com as esquerdas ou coisa parecida. Trata-se de uma referência segura para os católicos que se alinham às doutrinas econômicas liberais pró-mercado.

Pois bem, seguindo a doutrina social da Igreja e o ensinamento de seus antecessores, São João Paulo II reconhecia a propriedade privada e o lucro como direitos humanos, mas subordinados à dignidade da pessoa e ao bem comum (cf. Laborem exercens, LE 14, Centesimus annus, CA 35, Compêndio da doutrina social da Igreja, CDSI 181-184, 340-341). Nessa perspectiva, considerava a opção preferencial pelos pobres como “primado na prática da caridade cristã, testemunhada por toda a Tradição da Igreja. Ela concerne a vida de cada cristão, enquanto deve ser imitação da vida de Cristo; mas aplica-se igualmente às nossas responsabilidades sociais e, por isso, ao nosso viver e às decisões que temos de tomar, coerentemente, acerca da propriedade e do uso dos bens. Mais ainda: hoje, dada a dimensão mundial que a questão social assumiu, este amor preferencial, com as decisões que ele nos inspira, não pode deixar de abranger as imensas multidões de famintos, de mendigos, sem-teto, sem assistência médica e, sobretudo, sem esperança de um futuro melhor” (Sollicitudo rei socialis, SRS 42). Na própria Evangelium vitae, documento maior da defesa da vida, São João Paulo II reúne a defesa da vida e a opção preferencial pelos pobres (cf. EV 32), mostrando que uma não pode ser separada da outra.

… E do Papa Francisco

Baseados no compromisso socioambiental sempre presente nas mensagens sociais do Papa Francisco, alguns tentaram relativizar a defesa da vida em seu magistério, reduzindo-a ao aspecto ecológico. De fato, a dimensão ambiental não pode ser esquecida quando falamos de defesa da vida, na perspectiva do Papa Bergoglio. Contudo, nas próprias palavras de Francisco: “a defesa da vida não se cumpre de uma só forma ou com um único gesto, mas realiza-se numa multiplicidade de ações, atenções e iniciativas; nem diz respeito apenas a algumas pessoas ou a certos âmbitos profissionais, mas concerne cada cidadão e a complexa rede das relações sociais […] a defesa da vida tem o seu fulcro no acolhimento de quem foi gerado e ainda está albergado no ventre materno, envolto no seio da mãe como num abraço amoroso que os une”. Essa passagem evidencia tanto sua firme condenação ao aborto como apresenta a defesa da vida como uma preocupação que concerne a todos nós, em todas as dimensões de nossa vida.

No aniversário de 25 anos da promulgação da Evangelium vitae, por São João Paulo II, o Papa Francisco expôs claramente tanto a importância desse compromisso com a vida quanto sua vinculação com outras mazelas sociais: “Cada ser humano é chamado por Deus a gozar da plenitude da vida; e, tendo sido confiado à solicitude materna da Igreja, qualquer ameaça à dignidade humana e à vida não pode deixar de se repercutir no seu coração, nas suas ‘entranhas’ maternas. Para a Igreja a defesa da vida não é uma ideologia, mas uma realidade, uma realidade humana que envolve todos os cristãos, precisamente porque são cristãos, porque são humanos. Infelizmente, os atentados contra a dignidade e a vida das pessoas persistem até nesta nossa época, que é o tempo dos direitos humanos universais; aliás, estamos diante de novas ameaças e escravidões, e as legislações nem sempre tutelam a vida humana mais frágil e vulnerável”.

A difícil tarefa do discernimento pessoal

Aplicar esses princípios, de forma integrada, na escolha de nosso candidato a um cargo majoritário, quando sabemos que nenhum deles se ajusta de forma inequívoca a todos os princípios, é uma tarefa realmente difícil. Não basta compreendermos os princípios, existem aspectos morais, mecanismos econômicos e relações políticas que devem ser consideradas.

No plano moral, existe sempre o risco de que as declarações dos candidatos sejam falsidades demagógicas. O fato de alguém se declarar a favor da vida ou lutando pelos pobres não quer dizer que ele realmente atue dessa forma. Podemos concordar ou não com a ideia que nossos irmãos têm da moralidade desse ou daquele candidato, podemos tentar dissuadi-lo de sua opinião sobre determinada pessoa, mas temos que reconhecer que se trata de uma avaliação subjetiva, que independe dos princípios de fundo envolvidos.

O mesmo raciocínio vale para as análises econômicas e políticas. Uns poderão julgar que a privatização de empresas públicas ajudará a melhorar as finanças do Estado e a eliminar a pobreza, outro pensará exatamente o contrário. Não se trata de uma questão de fé e a comunidade católica deve olhar para esses debates com liberdade. O importante é que cada um, independentemente da análise econômica e política que faça, se comprometa com o bem das pessoas e a defesa da vida.

Por difícil que possa parecer, uma visão integrada do direito à vida e da organização da vida econômica é fundamental para uma justa compreensão da mensagem cristã na vida política, que supere partidarismos e distorções ideológicas. É um caminho que todos podemos trilhar, se nos abrirmos ao diálogo, à correção fraterna e ao amor à verdade.

Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia

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Autor BorbaPublicado em 16 de maio de 2022Categorias Defesa da vida, Opção pelos pobresTags Aborto, Diálogo, Economia, Ideologia, Papa Francisco, pobreza, São João Paulo IIDeixe um comentário em A defesa da vida integrada a uma economia a serviço da pessoa

O ressentimento e o revanchismo que nos afastam de Cristo e do bem comum

O ressentimento e o revanchismo que nos afastam de Cristo e do bem comum

Se acompanhamos os movimentos da militância política no Brasil, vemos repetidamente sinais de que os posicionamentos e os gestos são definidos mais pelo ressentimento, pelo revanchismo e pela raiva do outro do que por uma intenção racional de construir o bem comum. Os vitoriosos frequentemente tendem a menosprezar os vencidos, que buscam se vingar quando “viram o jogo” e vencem. Com isso, se criam essas espirais crescentes de antagonismo, onde desqualificar o outro se torna ainda mais importante do que construir o bem comum. Assim, a direita vencedora quer cancelar as ideologias de esquerda, pelas quais foi cancelada no passado – e com isso tende a repetir os mesmos comportamentos que deveria eliminar. A esquerda quer agora anular e desacreditar tudo que levou a sua derrota, mais preocupada em se impor do que em rever as causas de sua queda.

Os sinais dessas tendências estão estampados nos jornais todos os dias. O resultado é que não se pratica o diálogo que leva à construção do bem comum, nem são feitas as mudanças e correções de rumo que cada um deveria fazer, seja de direita, esquerda ou do “centro moderado”.

Essa posição é justamente a oposta àquela proposta pela doutrina social da Igreja, que incentiva ao diálogo e à reconciliação em prol do bem comum. Ninguém é perfeito, ninguém é onisciente. O desejo de autocorreção, tão mais eficiente quanto mais é vivido em comunidade, é uma das maiores forças morais do cristianismo. Vale para a conduta pessoal, mas também para a busca de caminhos mais virtuosos na política. Buscar o diálogo, superar o revanchismo e assim encontrar caminhos de construção do bem comum não são comportamentos ingênuos, são – pelo contrário – os verdadeiros instrumentos para uma “política melhor”. O cristão deve negar um suposto “realismo político” que acredita que a conquista do poder justifica a tudo, que tudo é válido para eliminar o oponente.

Não deixe de ler, do Papa Francisco:

Fratelli tutti, FT 183-192; 198-214.

Discurso classe dirigente Brasil

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Autor BorbaPublicado em 20 de abril de 2022Categorias Democracia, Eleições, Instagram, Papa FranciscoTags Bolsonaro, Diálogo, Eleições, Ideologia, Lula, Partidos políticos, PTDeixe um comentário em O ressentimento e o revanchismo que nos afastam de Cristo e do bem comum

O diálogo necessário e os outros diálogos

O diálogo necessário e os outros diálogos

Francisco Borba Ribeiro Neto

Muitos diálogos estão acontecendo sempre na sociedade. É verdade que, frequentemente, o que denominamos “diálogo” é apenas uma conversa entre pessoas que pensam as mesmas coisas e o DIÁlogo é muito mais um MONÓlogo compartilhado. Mas, nem por isso, deixa de haver muitos diálogos em nosso meio.

Contudo, mesmo esses diálogos ainda são, na maior parte das vezes, realizados entre pessoas que estão, por assim dizer, numa mesma grande frente. Compartilham os posicionamentos mais relevantes com relação à política, à moral, à família e à vida social. Não coincidem em tudo, mas – quando procuram dialogar – desenvolvem temas para os quais existe uma grande concordância.

Esse não é o diálogo que faz a diferença na sociedade, ao qual o Papa Francisco fez questão de convidar os brasileiros ao insistir “diálogo, diálogo, diálogo” (no Encontro com a classe dirigente do Brasil), em 27 de julho de 2013), aquele ao qual os cristãos estão sendo convidados na Campanha da Fraternidade desse ano – não importa aqui seus erros e acertos.

Leia também: Uma Campanha da Fraternidade ao gosto do Papa Francisco

Um diálogo que não nos incomoda, nem nos obriga a mudar, pelo menos um pouco, não é o diálogo com o qual os cristãos são chamados a contribuir para a construção de um mundo melhor. O diálogo que os cristãos deveriam ter entre eles e com todos os demais é aquele que exige a nossa adesão cada vez maior ao amor e à verdade. Nos incomoda, porque nos chama à conversão (nem que seja apenas para nos tornarmos mais pacientes e tolerantes com os que pensam diferente).

Se tornou muito falado, nesses tempos, o “paradoxo da tolerância” de K. Popper: se tolerarmos os intolerantes, eles criarão uma sociedade intolerante – aos seus moldes – e eliminarão a nós, os tolerantes”. Esse raciocínio é justo, ao menos em termos, mas não é válido para o diálogo.

Leia também: Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes

A tolerância pertence ao terreno da negociação e do pacto, da convivência pacífica – sem dúvida necessária – entre diferentes. O diálogo pertence ao terreno do encontro e da partilha, de uma convivência onde os diferentes não apenas convivem, mas conseguem construir algo juntos.

Dialogar com os sectários pode parecer igual a tolerar os intolerantes. Mas, não é. Tolerar os intolerantes leva a uma sociedade dominada pela intolerância. Não procurar dialogar com os sectários tornará a nós mesmos mais sectários e construirá uma sociedade mais fechada e que acabará se tornando intolerante e sectária – com sofrimentos para todos, mais cedo ou mais tarde.

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Por tudo isso, existe um diálogo particularmente significativo ao qual nós cristãos estamos sendo chamados nessa Campanha da Fraternidade Ecumênica: o diálogo entre posições ideológicas opostas. “Dialogar” com pessoas que estão no mesmo lado nosso do espectro ideológico é bom, mas não faz a diferença, essa não é a contribuição específica dos cristãos num momento de crise, confusão e conflitos sociais.

Temos a ilusão de que mudamos o mundo quando nos tornamos, nós e nossos correligionários, mais convictos de nossas posições – mesmo que isso nos torne mais sectários. Mas os cristãos ajudam a mudar o mundo quando, por amor a Cristo e aos irmãos, conseguem entender e acolher um pouco melhor as razões do outro (naquilo que têm de verdadeiro).

Assim como existem os sectários que se recusam a mudar, sempre haverá aqueles que, no diálogo, mudam para melhor – por pouco que seja.

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São essas pequenas mudanças, que podem parecer insignificantes para os que estão obcecados pelo poder, que criam a possibilidade de novas sínteses que superam as polêmicas e abrem a possibilidade de verdadeiros soluções para temas controversos.

 

Artigo originalmente publicado no jornal O São Paulo

Imagem: Sérgio Ricciuto Conte, jornal O São Paulo

Autor BorbaPublicado em 10 de março de 2021Categorias DiálogoTags Campanha da Fraternidade, Diálogo, Ideologia, Papa FranciscoDeixe um comentário em O diálogo necessário e os outros diálogos

Uma Campanha da Fraternidade ao gosto do Papa Francisco

Uma Campanha da Fraternidade ao gosto do Papa Francisco

Francisco Borba Ribeiro Neto

Existe, evidentemente, uma sintonia entre os vários temas das Campanhas da Fraternidade, promovidas pela CNBB, e os ensinamentos do Papa Francisco. Esse ano, contudo, essa sintonia é ainda mais evidente. Para começar, trata-se de uma Campanha da Fraternidade Ecumênica, patrocinada pela Igreja Católica em comunhão com várias outras Igrejas cristãs.

O ecumenismo, já há muito, é uma das metas perseguidas pelos vários papas, e Francisco é um dos que lhe têm dado grande apoio. As Campanhas da Fraternidade Ecumênicas acontecem desde 2000 e são sempre uma grande oportunidade para crescermos na comunhão cristã, tão desejada por ele. Mas não é só isso… Com o tema “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14), a Campanha toca em dois pontos particularmente importantes na mensagem do Pontífice.

A unidade deve prevalecer sobre o conflito

Não é exagero dizer que, no Brasil, o conflito está mais vivo hoje do que em qualquer outro momento dos últimos 50 anos. Violência e dominação, infelizmente, são uma realidade sempre presente entre nós. Mas, nos tempos atuais, o conflito – isso é, o choque violento entre opiniões e posições – tornou-se a tônica dominante nas relações sociais, até mesmo no âmbito familiar. Cada vez as pessoas têm que banir mais temas em suas conversas para evitar conflitos aparentemente sem solução. Cada vez mais, argumentos violentos – vindos de todas as partes – se sobrepõem ao diálogo.

Na Evangelii Gaudium (EG), o Papa Francisco propõe que a unidade deve prevalecer sobre o conflito (EG 226-230). Não se trata de ignorar ou esconder os conflitos. Eles devem ser reconhecidos e enfrentados. Mas podemos entrar neles procurando aumentá-los, acreditando que só a destruição do outro pode trazer a paz e criar o bem comum, ou podemos entrar neles procurando criar verdadeiros consensos, que não são simples pactos negociados de não agressão, mas a melhor solução visando a construção da paz e do bem comum.

Leia também: Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes

Podemos enfrentar o conflito com a violência – e aí nos tornamos instrumentos do mal, mesmo quando queremos construir o bem – ou com o diálogo sincero e aberto à verdade.

Dialogar sempre

Francisco é muito firme em suas convicções. Ninguém pode acusá-lo de tibieza ou conivência. Reafirma sempre que a identidade da Igreja é o anúncio do Evangelho e que devemos estar do lado dos pobres e dos excluídos, “em saída” rumo às periferias da existência. Mas, apesar de toda a sua firmeza, sempre considera que o diálogo é o caminho para a solução dos problemas sociais e religiosos. Testemunho claro de que a violência e o sectarismo não podem ser confundidos com firmeza, de que o diálogo e a abertura ao outro não são sinais de relativismo.

Leia também: O diálogo e o desejo mais profundo do coração

Já em 2013, na Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro, durante o Encontro com a classe dirigente do Brasil, Francisco propunha três aspectos para a construção de um futuro melhor para todos os brasileiros: (1) o humanismo integral, respeitoso à nossa cultura original; (2) a responsabilidade solidária, que implica em lutar por justiça social e atenção para com os mais pobres e excluídos; (3) o diálogo construtivo. Insistia nesse último, dizendo: “Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo […] Quando os líderes dos diferentes setores me pedem um conselho, a minha resposta sempre é a mesma: diálogo, diálogo, diálogo. A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom. O outro tem sempre algo para nos dar, desde que saibamos nos aproximar dele com uma atitude aberta e disponível, sem preconceitos. Esta atitude aberta, disponível e sem preconceitos, eu a definiria como ‘humildade social’ que é o que favorece o diálogo”.

O Brasil precisa de nosso exemplo nessa Campanha da Fraternidade

Infelizmente, o conflito crescente na sociedade tem nos feito desacreditar do outro. Acreditamos que só aqueles que pensam como nós são bem intencionados, que as ideias diferentes são obrigatoriamente falsas. Com isso, deixamos de procurar o diálogo e acreditar no encontro. Pensamos que diálogo, encontro, unidade entre diferentes são ilusões enganadoras, que não podem acontecer na prática. Não percebemos que o diálogo, o encontro e a unidade deixam de acontecer não por serem impossíveis, mas sim porque nós deixamos de procurá-los. Quem não procura o diálogo, não encontra o diálogo, quem imagina que todos os demais são maus, só encontra pessoas más…

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Que essa Campanha da Fraternidade Ecumênica nos ajude a uma verdadeira conversão, que nos contraponha à violência e a falta de empatia crescentes em nossa sociedade. Que nos tornemos realmente cristãos que seguem cada vez mais a Cristo e não à ideologia hegemônica, mesmo quando ela vem revestida com palavras sedutoras e enganadoras.

 

Artigo originalmente publicado em Aleteia

Imagem: Flickr.com

Autor BorbaPublicado em 10 de março de 202110 de março de 2021Categorias DiálogoTags Diálogo, Ideologia, Papa FranciscoDeixe um comentário em Uma Campanha da Fraternidade ao gosto do Papa Francisco

Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes

Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes

Francisco Borba Ribeiro Neto

O bambu e o capim são da mesma família botânica. Mas, enquanto o primeiro é muito rígido, o segundo é flexível. Inicialmente, pensamos que é por causa do tamanho. Mas o bambu já é duro desde pequeno e os capins maiores continuam sendo flexíveis. Acontece, dizia minha colega, professora de Ecologia, que o bambu é oco, o capim não. Quanto mais vazia uma pessoa é, mais tende a ser rígida, intransigente e sectária – concluía essa amiga, pessoa muito cristã.

Os anos vão se passando, e eu só tenho visto confirmações dessa “teoria” de minha colega. As pessoas muito rígidas e sectárias estão sempre tentando esconder um vazio interior, uma carência afetiva e/ou intelectual que procuram disfarçar com uma força e uma segurança que são apenas aparentes.

Infelizmente, muitas vezes nos deixamos enganar por uma certeza arrogante, que esconde a falta de argumentos bem fundamentados e a incapacidade de amar. Somos seres gregários. Não queremos ser excluídos, menosprezados ou – para usar um termo da moda – “cancelados”, em nossos círculos de relacionamentos. Assim, quando um argumentado é dado por certo pela maioria, todos tendem a repeti-lo de forma acrítica e até a desprezarem quem pensa diferente.

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Esses círculos de relacionamento, que importam tanto para nós, podem ter as mesmas posições que a maioria – e repetirem à exaustão lugares comuns e slogans da moda – ou serem grupos que se consideram alternativos – “iluminados” que se consideram mais sábios do que os outros e continuam repetindo acriticamente frases feitas e ideias pensadas por outros. Num caso e no outro, o que conta é pensar como os amigos mais próximos, não ser diferente, não ter que enfrentar o descrédito das pessoas próximas. Existe um sectarismo de maiorias, onde se repete o que todo mundo diz, e um sectarismo de minorias, que negam a maioria, mas frequentemente ficam repetindo entre si os mesmos argumentos, sem perceber suas falhas.

O sectarismo não é a certeza cristã

Essa posição humana acaba identificando ter convicções firmes com ser sectário. Na verdade, trata-se da ilusão de que o bambu tem conteúdo só porque é duro. Firmeza não tem nada a ver com sectarismo. Pelo contrário… Na verdade as pessoas sectárias se fecham ao diálogo porque, no fundo, não têm certeza de suas ideias, acreditam que – num debate – os outros poderão vencê-los só porque usam argumentos mais ardilosos. No fundo, o sectário não acredita na força da verdade, mas apenas no poder da persuasão.

A certeza cristã nunca é sectária. Porque estou certo de que Deus me ama e se revela a mim a cada momento, sei que Ele poderá se comunicar a mim hoje, por meio de uma pessoa que pensa diferente de mim, e mostrar-me algum dos meus erros. Isso não representa uma ameaça, pois – se isso acontecer – será Deus me corrigindo e não o outro me dominando. A certeza última, aquela que a tudo supera e a tudo vence, é o fato de que Ele me ama, que deu a vida por mim, por meio de seu Filho, e toda minha vida será sempre resgatada por Seu amor, não importa a força dos poderes humanos.

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Por isso, um cristão de convicções firmes está sempre procurando o diálogo, sem se preocupar em impor-se ao outro. A conversão é sempre obra do encontro entre a graça de Deus e a nossa liberdade. Não podemos querer impor a ninguém a Verdade, aquela com “V” maiúsculo, a única que realmente pode salvar. As outras verdades são importantes e devemos lutar por elas na sociedade, mas não podemos deixar de aceitar o testemunho de Paulo: “tudo tenho como esterco, para ganhar a Cristo” (Fl 3, 8).

A verdadeira certeza convida ao diálogo

O sectarismo, contudo, nos leva a pensar todas as “nossas verdades” (que são hipóteses humanas, tão relativas como quaisquer outras) como “a Verdade”, ou como manifestações obrigatórias dessa Verdade. É como se Deus se visse, de repente, obrigado a pensar como nós – ao invés de nós termos de nos converter a Ele. Bento XVI, que sempre se colocou contra o relativismo da cultura atual, explica: “Sem dúvida, não somos nós que possuímos a verdade, mas é ela que possui a nós: Cristo, que é a Verdade, tomou-nos pela mão e, no caminho da nossa busca apaixonada de conhecimento, sabemos que a sua mão nos sustenta firmemente. O fato de sermos interiormente sustentados pela mão de Cristo torna-nos simultaneamente livres e seguros. Livres: se somos sustentados por Ele, podemos, abertamente e sem medo, entrar em qualquer diálogo. Seguros, porque Ele não nos deixa, a não ser que sejamos nós mesmos a desligar-nos d’Ele. Unidos a Ele, estamos na luz da verdade.” (Discurso à Cúria Romana na apresentação de votos natalícios, 21 de dezembro de 2012).

Quem não se confia a Cristo, se confia aos poderes do mundo. Acaba por transformar o anúncio da Verdade numa luta por poder como todas as outras do mundo. Pouco a pouco, deixa de propor a Cristo, para propor convicções particulares ditadas pelo poder (ou por um anti-poder que deseja se tornar poder). Numa Campanha da Fraternidade Ecumênica, tendo por tema o diálogo, como a desse ano, podem surgir muitas discordâncias, mal-entendidos e até mesmo erros brutais. O que não pode acontecer é deixarmo-nos levar pelo sectarismo, ao invés de aproveitar a oportunidade para uma conversão que nos leve à verdadeira certeza cristã.

 

Artigo originalmente publicado em Aleteia

Imagem: Randal Phoenix, Pix.org

Autor BorbaPublicado em 10 de março de 2021Categorias DiálogoTags Diálogo, Ideologia, VerdadeDeixe um comentário em Campanha da Fraternidade, diálogo e convicções firmes
Mesas redondas apresentando as duas grandes encíclicas do Papa Francisco
  • A defesa da vida integrada a uma economia a serviço da pessoa16 de maio de 2022
  • Princípios irrenunciáveis e política no Brasil9 de maio de 2022
  • A Mensagem da CNBB, as disputas ideológicas e as eleições2 de maio de 2022
  • O medo que nos afasta de Cristo25 de abril de 2022
  • O ressentimento e o revanchismo que nos afastam de Cristo e do bem comum20 de abril de 2022
  • Doutrina social da Igreja e homeschooling18 de abril de 2022
  • Perdoa-lhes[nos], pois não sabem[os] o que fazem[os]17 de abril de 2022
  • A defesa da vida sem partidarismos12 de abril de 2022
  • Catolicismo e educação11 de abril de 2022
  • A família no Oscar 20225 de abril de 2022
  • A beleza, a verdade, a bondade e a doutrina social da Igreja2 de fevereiro de 2022
  • A sabedoria cristã diante das enchentes e dos desastres naturais28 de janeiro de 2022
  • Papa Francisco e a nova evangelização na Amazônia e no mundo5 de dezembro de 2021
  • O que é democracia?12 de setembro de 2021
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