Pular para o conteúdo
O mundo na visão da doutrina social da Igreja

O mundo na visão da doutrina social da Igreja

Compreendendo a realidade numa perspectiva integral, a partir do pensamento social cristão

Tag: Opção pelos pobres

Princípios irrenunciáveis e política no Brasil

Princípios irrenunciáveis e política no Brasil

Em períodos eleitorais, nós católicos, voltamos a ouvir com frequência falar nos “princípios irrenunciáveis”, destinados a orientar nosso voto e a conduta dos eleitos. Se tantos os citam como critérios de conduta, tantos outros os olham com desconfiança, acusando aos demais de estarem usando ideologicamente a doutrina social da Igreja – sintoma das dramáticas divisões que afetam a nós católicos, em nossa dificuldade para conciliar pluralidade e unidade. O problema de fundo não está nos princípios, mas sim em seu mal uso.

Os princípios e a partidarização da experiência cristã

As questões são decorrentes, em grande parte, do interesse que os grupos partidários têm de conseguir o voto católico. Cada um procura “filtrar” a doutrina social da Igreja a partir de suas convicções, tentando mostrar seus candidatos como os únicos que se adequam aos princípios propostos pelo Magistério. Essa tendência de ideologização não é, em si mesma, um desejo de manipulação. Muitos buscam fazer esse uso partidário com a melhor das intenções, porque acreditam realmente que seu grupo é aquele que melhor representa os ideais cristãos. Outras vezes, porém, vem com interesses demagógicos, de gente que se diz seguidora de princípios cristãos para conseguir apoio, mas de fato age de forma totalmente oposta a esses princípios.

O candidato ideal, perfeito tanto na teoria quanto na prática, não existe, por um motivo muito simples: todos eles são seres humanos limitados e sujeitos ao pecado – como nós mesmos, diga-se de passagem. Os partidos, enquanto agremiações que fatalmente incluem pessoas diferentes, tampouco podem ser perfeitos. A história recente mostrou os limites e as decepções trazidas pelos partidos autodenominados “democracias cristãs”, que muitas vezes usavam o cristianismo de forma falsa e demagógica.

A partir de constatações dessa natureza, o Compêndio de Doutrina Social da Igreja esclarece: “O cristão não pode encontrar um partido plenamente conforme às exigências éticas que nascem da fé e da pertença à Igreja: a sua adesão a uma corrente política não será jamais ideológica, mas sempre crítica, a fim de que o partido e o seu projeto político sejam estimulados a realizar formas sempre mais atentas a obter o verdadeiro bem comum, inclusive os fins espirituais do homem” (CDSI 573), de tal forma que “a adesão a um partido ou corrente política seja considerada uma decisão a título pessoal, legítima ao menos nos limites dos partidos e posições não incompatíveis com a fé e os valores cristãos” e “a ninguém é permitido reivindicar exclusivamente, em favor do seu parecer, a autoridade da Igreja: os crentes devem antes procurar «esclarecer-se mutuamente num diálogo sincero, guardando a caridade mútua e tendo, antes de mais, o cuidado do bem comum” (CDSI 274).

Estas passagens do Magistério são importantes para que tenhamos a prudência e o respeito necessários para que os princípios irrenunciáveis possam servir a um diálogo frutuoso sobre os temas políticos, tanto no seio da comunidade cristã quanto com a sociedade civil em seu conjunto.

A política é a arte da negociação

Esses princípios foram muitas vezes denominados como “inegociáveis”. O termo pode ser usado se entendemos que eles não podem ser sacrificados em negociações que visam o poder ou outros ganhos menos fundamentais. Contudo, a política é a arte da negociação e o próprio documento que os apresenta dá exemplos de negociações que podem se tornar necessárias para defendê-los ou minimizar o efeito de leis contrárias a eles (cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, 2002).

O exemplo de negociação vem justamente na questão do aborto, uma “exigência ética fundamental e irrenunciável”, no dizer do documento. Citando São João Paulo II e a sua encíclica Evangelium vitae (EV 73), a Nota Doutrinal explica que é possível que “um parlamentar, cuja pessoal oposição absoluta ao aborto seja clara e por todos conhecida, possa licitamente dar o próprio apoio a propostas tendentes a limitar os danos de uma tal lei e a diminuir os seus efeitos negativos no plano da cultura e da moralidade pública”. Ou seja, ele participaria de uma negociação com outros parlamentares para reduzir as situações em que o aborto é permitido.

Não seria lícito, contudo, uma negociação em que se aceitasse o aborto em troca da aprovação de uma lei que regulasse transações comerciais ou envolvesse privatizações. Nesse caso, o irrenunciável se apresenta como inegociável.

O desafio de ser integral

O maior problema para o justo entendimento desses princípios, contudo, é uma visão reduzida de sua aplicação, orientada por um falso “realismo político”. Muitos acreditam que chegar ao poder é a única forma de conseguir aquilo que almejamos. Assim, é realista sacrificar qualquer ideal para se chegar ao poder. Uns, em nome da opção pelos pobres, deixam de lutar contra o aborto. Outros, em nome da defesa da vida, fecham os olhos à situação dos mais pobres.

Quando caímos nesses reducionismos, perdemos a unidade e a coerência interna do Magistério católico, permitindo a instrumentalização da doutrina social e dando razão às dúvidas de nossos irmãos. A postura justa é aquela de sempre buscar uma visão integral e unitária de todos esses princípios, orientada ao diálogo e à construção do bem comum.

Sem fazer um elenco completo, mas procurando apenas dar exemplos, a Nota Doutrinal já citada lista cinco “princípios irrenunciáveis”: (1) o direito à vida, (2) a proteção e promoção da família, (3) a liberdade – em particular religiosa e de educação, (4) a economia a serviço da pessoa e (5) a construção da paz. Todos são irrenunciáveis, não podemos escolher um e esquecer outros.

Se nossos candidatos ou grupos políticos traem algum desses princípios, nosso dever é alertá-los e exortá-los a uma adesão mais completa e integral a todos eles – mesmo que isso signifique uma perda política. Podemos chegar até ao ponto de deixar de darmos nosso apoio a eles. O que não podemos é fechar os olhos quando abandonam algum desses princípios, com alegações como “o adversário faz pior” ou “temos que aceitar isso para defender aquilo”.

Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia

Siga OLHARINTEGRAL no Instagram
ou no Facebook  –  a realidade vista a
partir  da  doutrina  social  da  Igreja.

Autor BorbaPublicado em 9 de maio de 2022Categorias Democracia, Diálogo, Eleições, Sem categoriaTags Aborto, Defesa da vida, Diálogo, Economia, Educação, família, Opção pelos pobres, PazDeixe um comentário em Princípios irrenunciáveis e política no Brasil

A Mensagem da CNBB, as disputas ideológicas e as eleições

A Mensagem da CNBB, as disputas ideológicas e as eleições

Em um ano político, todas as forças políticas, que buscam o voto católico, tendem a tentar usar a doutrina social da Igreja e os valores cristãos para conseguir votos. É sempre bom relembrar que a Igreja não indica partidos, cada um de nós é convidado a escolher os candidatos que considera melhores à luz da caridade e da verdade – e nesse sentido são úteis os princípios e ensinamentos presentes nos documentos do Magistério. Assim, as diversas tentativas de conquistar o voto católico, por parte de políticos e partidos, devem ser sempre acolhidas no que têm de verdadeiro e criticadas no que têm de falso.

A 59ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou, em 29 de abril, uma nova Mensagem ao povo brasileiro. Imediatamente, o texto foi tomado por uns e outros, favoráveis e contrários, como instrumento para a propaganda ideológica de cada tendência. Os que se sentem mais à vontade com o teor da Mensagem, dizem “vejam como os bispos concordam conosco”. Os que se sentem criticados, dizem “vejam como os bispos estão comprometidos ideologicamente com nossos adversários”.

Bispos, padres e lideranças religiosas têm opções e formas de expressão influenciadas pelos grandes debates socioculturais e econômicos do País. Seus documentos, em sua exposição, refletem essas influências. Contudo, será um erro pessoal grave de cada um de nós, católico, reduzir suas mensagens a essas influências, ao invés de procurar a provocação que o Espírito, por meio dos seres humanos falíveis que constituem a sua Igreja, nos faz. Nessa Mensagem, aqui comentada, podemos encontrar sete elementos – totalmente inspirados e afinados com a doutrina social da Igreja. São temas que aparecem, talvez com formulação um pouco diferente, mas com esse mesmo espírito, em documentos como Solicitudo rei socialis, Centesimus annus e Evangelium vitae, de São João Paulo II, Laudato si’ e Fratelli tutti, do Papa Francisco.

É inegável que os temas que mais preocupam os bispos são as questões sociais, particularmente a situação dos mais pobres e das populações mais sujeitas a injustiças, e a estabilidade política da democracia brasileira – e esse não pode deixar de ser um convite a nossa reflexão e discernimento político diante das eleições. Nessa perspectiva, a Mensagem:

  1. Valoriza a solidariedade e encoraja movimentos e organizações sociais a trabalharam por uma sociedade justa e fraterna.
  2. Enaltece o esforço das famílias, nesse período de pandemia, em particular em prol da educação (ver o Pacto Educativo Global, estimulado pelo Papa Francisco).
  3. Denuncia os graves problemas sociais do Brasil, que aumentaram com a crise sanitária e internacional, as ameaças aos mais vulneráveis e ao meio ambiente.
  4. Condena a violência, as guerras, o armamentismo e a lógica do confronto, na sociedade e na política.
  5. Defende a vida, da concepção até a morte natural.
  6. Se opõe à manipulação religiosa e às fake news.
  7. Condena a corrupção, ao citar a Lei da Ficha Limpa, e conclama ao voto consciente, por uma política melhor.

Dificilmente encontraremos um candidato nas eleições que, na teoria e na prática, ao longo de toda a sua vida pública, tenha agido de forma totalmente condizente com todos esses pontos. Cabe a cada um de nós ter o discernimento para escolhermos aqueles que estão mais próximos da doutrina social da Igreja, procurando nós mesmos nos convertemos sempre mais e exortando-os a serem cada vez mais fieis ao bem comum.

Francisco Borba Ribeiro Neto


Siga OLHARINTEGRAL no Instagram
ou no Facebook  –  a realidade vista a
partir  da  doutrina  social  da  Igreja.

Autor BorbaPublicado em 2 de maio de 2022Categorias Democracia, Diálogo, Eleições, Papa Francisco, São João Paulo II, Sem categoriaTags Aborto, Bolsonaro, CNBB, Corrupção, Defesa da vida, família, Lula, Opção pelos pobres, Papa Francisco, Partidos políticos, PTDeixe um comentário em A Mensagem da CNBB, as disputas ideológicas e as eleições
Mesas redondas apresentando as duas grandes encíclicas do Papa Francisco
  • A defesa da vida integrada a uma economia a serviço da pessoa16 de maio de 2022
  • Princípios irrenunciáveis e política no Brasil9 de maio de 2022
  • A Mensagem da CNBB, as disputas ideológicas e as eleições2 de maio de 2022
  • O medo que nos afasta de Cristo25 de abril de 2022
  • O ressentimento e o revanchismo que nos afastam de Cristo e do bem comum20 de abril de 2022
  • Doutrina social da Igreja e homeschooling18 de abril de 2022
  • Perdoa-lhes[nos], pois não sabem[os] o que fazem[os]17 de abril de 2022
  • A defesa da vida sem partidarismos12 de abril de 2022
  • Catolicismo e educação11 de abril de 2022
  • A família no Oscar 20225 de abril de 2022
  • A beleza, a verdade, a bondade e a doutrina social da Igreja2 de fevereiro de 2022
  • A sabedoria cristã diante das enchentes e dos desastres naturais28 de janeiro de 2022
  • Papa Francisco e a nova evangelização na Amazônia e no mundo5 de dezembro de 2021
  • O que é democracia?12 de setembro de 2021
  • Caminhos para um Brasil melhor5 de setembro de 2021
O mundo na visão da doutrina social da Igreja Orgulhosamente desenvolvido com WordPress