Gustavo Santos, Doutor em Teoria Política pela Catholic University of America e mestre em Antropologia Social pela Unicamp. Foi Vice-Diretor Presidente e Gerente de Programas na Oficina Municipal – SP e coordenador de projetos na área de formação política para a Fundação Konrad Adenauer no Brasil. Tradutor de obras e artigos de Russel Kirk e revisor técnico de traduções de obras de Eric Voegelin
Recentemente, foi posto em evidência o crescimento de uma concepção errônea e perigosa acerca do relacionamento entre o Estado, a sociedade civil e os grupos religiosos, com implicações graves para o direito humano fundamental de liberdade religiosa. Em Recife, PE, um sacerdote católico teve um inquérito civil aberto contra si na Justiça por um promotor público em função de uma homilia na qual ele alertara os fiéis presentes a respeito da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão N. 26, recentemente julgada pelo Supremo Tribunal Federal, que equipara a “homofobia e a transfobia, qualquer que seja a sua forma de manifestação” ao crime de racismo.
Há mais de um erro grave no curso de ação tomado pelo MP. Para começar, a própria AD N. 26 protege ostensivamente – em nome da liberdade religiosa – o direito de pregar e divulgar o pensamento em consonância com a orientação doutrinária e teológica do grupo religioso a que se pertence (desde que não se configure “discurso de ódio”, incitando à discriminação, hostilidade e violência). Em segundo lugar, é impossível ignorar a ironia de que a ação do promotor público exemplifica perfeitamente o tipo de perseguição ou tentativa de “amordaçamento” sobre a qual o sacerdote alertava em seu discurso.
A Doutrina Social da Igreja nos ajuda a remediar esses erros, em total harmonia com o Estado democrático de direito. A Declaração Dignitatis Humanae sobre a Liberdade Religiosa, que o papa Paulo VI promulgou ao final do Concílio Vaticano II, afirma que a “exigência de liberdade na sociedade humana diz respeito principalmente ao que é próprio do espírito, e, antes de mais, ao que se refere ao livre exercício da religião na sociedade.” (DH, n.1) De fato, a liberdade de ação, protegida pelo Estado como consequência direta da dignidade da pessoa humana, nasce no santuário interior mais íntimo que é a consciência humana, e a crença ético-religiosa é a sua origem primeira.
Esta é a base fundamental do Estado laico, ou seja, um regime que, ao não impor pela força uma forma religiosa ao conjunto da população, deixa as pessoas livres para crerem e agirem conforme suas convicções, desde que não infrinjam o direito de seus semelhantes.
A vivência desses direitos, por sua vez, requer maturidade, tolerância e respeito, expressamente no tocante a opiniões contrárias que, referindo-se a temas muito caros a determinados grupos, podem ao manifestar-se causar sentimentos de incompreensão e hostilidade. Assim são, por exemplo, visões antirreligiosas, que parecem menosprezar as crenças mais importantes dos fiéis, ou considerações sobre a moralidade sexual, que tocam em um aspecto íntimo da vida humana, ligado à expressão da afetividade e, hoje em dia, da própria identidade.
Numa sociedade que quer respeitar a liberdade de consciência e de religião, e a liberdade – a elas indissociável – de expressão, a única maneira correta de lidar com essas diferenças passa pelo respeito ao direito de formular e viver as próprias convicções, ainda que as mesmas pareçam irracionais, arbitrárias, ou até mesmo ofensivas. É somente por meio do diálogo franco que será possível encontrar pontos em comum para possibilitar uma convivência harmônica – e não há diálogo sem que aos dialogantes seja garantido manter suas próprias posições!
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