Netflix, internet, educação cristã e a sexualidade dos adolescentes

O jornal Folha de São Paulo publicou um artigo, do jornalista Leonardo Sanchez, comentando o aumento de situações eróticas e relações sexuais entre adolescentes nas séries de TV (particularmente a cabo) e as pesquisas sobre como essa faixa etária vive a sexualidade na prática. Em linhas gerais, a matéria mostra que essas séries sugerem uma juventude cada vez mais liberada sexualmente e envolvida em relações sexuais menos tradicionais, enquanto as pesquisas indicam que os jovens – em termos globais – estão reduzindo sua atividade sexual e tendo mais tarde sua primeira relação sexual. À primeira vista, portanto, as séries não correspondem ao que está acontecendo na realidade.

Talvez essas séries retratem mais a juventude dos adultos que hoje as produzem do que a vida dos adolescentes atuais. Também existe uma boa chance de que estejam retratando grupos específicos de jovens, onde uma erotização precoce realmente vem se dando, e não o cenário médio da população mundial. No Brasil, na década de ’90, a série de TV Confissões de Adolescente, recebeu uma crítica nessa linha: estaria levando para o resto do Brasil uma problemática que seria típica dos jovens de classe média e alta do Rio de Janeiro e outras grandes cidades brasileiras.

De qualquer forma, a discussão exposta no artigo mostra que a liberação sexual da segunda metade do século XX não levou a um desregramento sexual incontrolável, como temiam alguns. Mesmo que a atividade sexual entre os jovens de hoje seja maior do que no passado, os próprios parecem tender a criar limites e barreiras, a perceber que uma “liberação geral” não seria boa para eles mesmos. Se recuperarmos algumas lições da teologia do corpo, de São João Paulo II, podemos encontrar algumas explicações interessantes para esse fenômeno:

1. Para o ser humano, sexualidade e afetividade estão intimamente ligados. Um “sexo sem compromisso”, mesmo que fisicamente prazeroso, se ressente de alguma coisa a mais, de um comprometimento integral da pessoa. Assim, para o próprio jovem, uma relação sexual precoce, sem o devido envolvimento afetivo, pode parecer inadequada e insegura.

2. A dinâmica do sexo está intimamente ligada ao dom e ao pudor. Os amantes, no ato sexual, doam toda a sua intimidade um ao outro, algo que não deve ser dado a ninguém que não compartilhe – com o devido respeito e valorização – dessa intimidade. O pudor é justamente a salvaguarda desse dom, que não pode ser distribuído de forma inconsequente. Assim, a relação sexual precoce pode aparecer como uma ameaça à intimidade um do outro, mais do que uma exploração positiva de suas potencialidades.

3. Essa compreensão da sexualidade não deve ser uma imposição social, mas uma descoberta da própria pessoa. Por isso, a teologia do corpo não se trata de uma lista de normas a serem seguidas, mas sim um caminho de investigação para que a pessoa descubra o amor e o sexo em sua integralidade. Trata-se de uma pedagogia, que permite ao jovem compreender o que é mais adequado para si sem passar por experiências existenciais que acabariam se tornando frustrantes ou deprimentes.

 

A situação brasileira

Contudo, as poucas pesquisas sobre o tema no Brasil, segundo o mesmo artigo da Folha, indicam que o comportamento sexual dos adolescentes brasileiros segue uma trajetória diversa daquela mundial. Aqui, os jovens têm a primeira relação sexual cada vez mais cedo e parecem ter cada vez mais relações sexuais. Os especialistas, sempre segundo o artigo, creditam esse fato a uma exposição maior de nossos jovens à internet e outros espaços que induziriam a uma erotização cada vez mais precoce.

Essas suposições apoiam a percepção de que os pais devem acompanhar o que os filhos veem, conhecer os ambientes que frequentam e as companhias coma as quais andam. Contudo, algumas lições a mais podem nascer de todas essas observações:

1. Uma sadia educação cristã, que valorize a integração entre afetividade e sexualidade, corresponde realmente à natureza humana e a nosso desejo de realização. Portanto, nossa primeira preocupação deve ser mostrar a beleza do amor, em sua integralidade, e ajudar os jovens a descobrirem o que é mais adequado para eles em sua caminha pessoal.

2. A vida na comunidade cristã, o contato com adultos que vivem um casamento feliz, com outros jovens que não precisam recorrer à erotização e às drogas para serem alegres e externarem sua afetividade, é um poderoso testemunho que ilumina esse processo de descoberta que cada adolescente deve fazer.

 

Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

A cruz é uma experiência sempre provisória

Ana Lydia, professora da UNIFESP, fez doutorado em Nutrição na Universidade de Cambridge. Foi pesquisadora visitante do MIT e é conselheira do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Quando nós sofremos por algum motivo, fazemos quase sempre a experiência enganosa de que este sofrimento parece que nunca vai acabar. Parece que o nosso afundar-se ali naquela dor é definitivo, sem fim. E isso é um sintoma do próprio mal que nos assola, seguramente colocado ali pelo pai das trevas. No entanto, não é assim, pois no mundo que Deus criou e governa, a cruz é invariavelmente uma passagem, uma experiência provisória.

Um bispo italiano, Dom Antonio Bello, em uma de suas homilias quaresmais, escreveu algo lindo e verdadeiro sobre a provisoriedade da cruz: “Na antiga catedral de Molfetta, havia um grande crucifixo de terracota. O pároco, esperando para resolver onde colocá-lo definitivamente, encostou-o na parede da sacristia e colocou um cartão com a inscrição: ‘Localização provisória’. A escrita, que a princípio eu pensei que fosse o título da obra, parecia providencialmente inspirada, ponto de eu implorar ao pároco que não retirasse por qualquer motivo o crucifixo de lá, daquela parede nua, daquela posição precária, com aquele papelão amarelado”.

Localização provisória. Eu acho que não existe uma fórmula melhor para definir a cruz. Minha, sua cruz, não apenas a de Cristo. Coragem, você que sofre pregado em uma cadeira de rodas. Anime-se, você que sente as dores da solidão. Tenha confiança, você que bebe do cálice amargo do abandono. Não se desespere, doce mãe que deu à luz um filho malformado. Não maldiga, irmã, quando você se vê sendo destruída dia após dia por um mal que não perdoa. Seque suas lágrimas, irmão, você que foi esfaqueado pelas costas por aqueles que pensou que eram seus amigos. Não puxe os remos no barco, você que está cansado de lutar e que acumulou decepções sem fim. Não se abata, irmão pobre, se ninguém o ajuda, e as pessoas em vez de pão, o forçam a engolir pedaços de amargura. Não desanime, amigo desafortunado, que em sua vida viu tantos navios partirem, e você sempre permaneceu no chão. Coragem, sua cruz, mesmo se durasse toda uma vida, é sempre “local provisório”. O calvário onde está plantada não é uma área residencial. E o terreno desta colina, onde seu sofrimento é consumido, nunca será vendido como terreno de construção.

O Evangelho nos convida a considerar sempre a natureza provisória da cruz. “Do meio-dia até as três da tarde, a escuridão caiu sobre toda a terra.” Do meio-dia às três da tarde. Aqui estão as margens que delimitam o rio das lágrimas humanas. Do meio-dia às três da tarde.

Só por esse período foi concedido ao Senhor ficar no Gólgota. Fora daquele horário, é proibido estacionar. Após três horas, haverá remoção forçada de todas as cruzes. Uma estada mais longa também será considerada abusiva por Deus. Coragem, irmão que sofre. Há, também, para você a deposição da cruz. Coragem! Daqui a pouco, as trevas logo darão lugar à luz, a terra recuperará suas cores originais e o sol da Páscoa eclodirá entre as nuvens que fogem.

O que mais podemos desejar a todos os que sofrem (e são todos!) é que se lembrem de que a cruz é sempre provisória. Não deixe de avisar a todas as pessoas que você encontrar!

Publicado originalmente no jornal O São Paulo, edição de 16/10/2019.

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