Daniel Gomes*
Discernir o voto no 2o turno das eleições de 2022 a partir de um olhar integral para com a realidade: esse foi o desafio que 20 jovens universitários do Movimento Comunhão e Libertação (CL) se propuseram a vivenciar em outubro. Neste movimento, hoje presente em cerca de 90 países, fundado em Milão, na Itália, pelo Padre Luigi Giussani (1922-2005), com o objetivo de alcançar uma madura educação cristã e colaborar com a missão da Igreja em todos os âmbitos da sociedade, estes jovens participam das Escolas de Comunidade, nas quais refletem sobre as experiências que vivenciam.
Para alcançar o objetivo proposto, primeiro os jovens entenderam que precisariam ter uma percepção da realidade além de suas bolhas de relacionamento. Assim, decidiram que cada participante iria pesquisar aspectos que o surpreendesse positivamente no candidato em que não votaria de modo algum. O passo seguinte, foi compartilhar esses apontamentos em um ambiente virtual em que os demais pudessem ver e comentar tais postagens. Por fim, uma semana antes do 2o turno das eleições, os jovens realizaram um encontro remoto para compartilhar dúvidas e as experiências de discernimento realizadas nesse período.
Participante de CL desde 2016, Ricardo Chiquetto do Lago, 20, estudante de Engenharia Elétrica na Poli-USP, participou dessa atividade. Nesta entrevista, ele detalha como se deram os encontros e os resultados alcançados, entre os quais a tolerância com aqueles que pensam de modo diferente e o entendimento sobre o papel dos cristãos como promotores da esperança na sociedade.
Daniel Gomes. Como surgiu esta iniciativa realizada durante as eleições? E de que maneira a espiritualidade do Padre Luigi Giussani serviu-lhes de inspiração?
Ricardo Chiquetto do Lago. Conversando entre amigos do Movimento Comunhão e Libertação (CL), sentimos um incômodo muito grande quando olhávamos ao nosso redor, em nossos ambientes de trabalho ou estudo. No que tangia à política, ficamos preocupados com a polarização que aparecia. Mais do que isso, porém, ficamos também preocupados em como as eleições tomavam um caráter totalizante, como se esse fosse o fim de tudo. Então, a partir dos ensinamentos de Dom Giussani, resolvemos nos ajudar a olhar de forma diferente para esse momento, sem reduzir os fatos que nos cercavam. Aprendemos com ele, dentro da experiência do movimento, a procurar olhar integralmente para a realidade. Assim, vimos nesse contexto em que estávamos inseridos o aparecimento de uma oportunidade para nos educarmos e nos ajudamos, a partir do texto de um encontro com um professor universitário italiano de CL, Giorgio Vittadini, a enfrentar esse novo desafio que nos era apresentado.
Como ocorreram os encontros e com quais foram focos principais?
Localmente, realizamos encontros presenciais, porém, dada a distância entre as comunidades dos diferentes estados, ou até mesmo a dificuldade de se encontrar em uma metrópole como São Paulo, fizemos algumas propostas também on-line. Mas tudo girava em torno de dois grandes temas, que notamos ao final estarem bem interligados: “O que constrói a esperança nos dias atuais?” e “O que constrói de verdade a história?”. Como resultado, nos deparamos com a fragilidade da esperança que carregávamos e, depois, com o desejo entender o que de fato construía algo sólido ao longo da história.
Essa proposta de uma pessoa se debruçar sobre aspectos que considerasse positivo nas propostas de um candidato em que não votaria de modo algum trouxe quais resultados para as reflexões do grupo?
Isso surgiu com a consciência de que, para escolher em quem votar, era necessário conhecer, de verdade, a realidade, em todos os seus fatores. Assim, essa proposta incômoda nos foi útil ao educar o nosso coração para não se contentar com a bolha de narrativas em que nos inserimos, sobretudo daquelas que sempre carregam apenas as falhas alheias, sem algo positivo próprio. No fim, foi impressionante ver o quanto que, aos poucos, isso nos fazia irmos além da mentalidade das pessoas que nos cercam. Definitivamente, o resultado me surpreendeu.
Essa experiência deixou quais legados principais aos jovens em termos de percepção e interesse sobre a política e a construção do bem comum?
Em primeiro lugar, conforme passou o tempo, notamos que houve uma mudança em onde depositamos a nossa esperança. Ela ficava frágil quando, antes, era depositada na votação, pois não gostar profundamente de nenhum dos candidatos podia ser razão de desespero. Contudo, perceber que a esperança estava na construção da comunidade cristã inseriu um novo paradigma no nosso olhar para os acontecimentos. Simplesmente mudou tudo. A própria eleição ganhou outro rosto. Tanto que até mesmo aqueles que no começo não se importavam com o voto viram brotar em si um interesse pela política como jamais ocorrera antes.
A partir desta experiência, qual o entendimento de vocês sobre como o jovem católico pode tomar parte da atividade política com vista a ajudar na formação de uma sociedade melhor?
Cada vez mais, meus amigos e eu fomos percebendo o quanto ficamos incomodados com as opiniões das pessoas em nossos ambientes de trabalho ou estudo, por exemplo quando muitos de nossa geração afirmam expressamente que não querem ter filhos. Em contrapartida, encontramos em CL um olhar para a realidade diferente, que traz mais esperança na forma como encarar a vida. A partir de então, percebemos o quanto construir a comunidade cristã é também um gesto político, muitas vezes nevrálgico diante das outras questões ao nosso redor. Ou seja, reconhecemos que nossa grande atividade política é sermos geradores de esperança. Existe, porém, uma questão importante em todo esse caminho: antes de mais nada, antes de comunicar os valores cristãos, é necessário um esforço individual e coletivo de verificação. Afinal, sem ele, os juízos da Igreja permanecem só bonitos, sem uma real capacidade de persuasão das pessoas.
Como avaliam que o católico pode colaborar para que haja a superação do atual clima de polarização política no Brasil?
Nesse caminho percorrido, notamos uma gigante ampliação dos nossos horizontes, e foi nítido que, semana após semana, alguém mais fazia essa experiência. Quando nos perguntamos “De quem queremos ser?”, o olhar para aqueles ao nosso redor mudou. Por exemplo, mudou-se a consciência de quem amamos, nos permitindo até amar alguém que votava em um candidato pelo qual tivéssemos aversão. E isso nos fez reconhecer a beleza do que encontrávamos na Igreja, pois não éramos excluídos pelos nossos votos. E dentro da polarização que vivíamos na sociedade, isso definitivamente não era algo óbvio.
Essa iniciativa transcorreu nas escolas da comunidade. Pode explicar melhor como elas funcionam?
Para mim, elas são um ponto crucial no carisma de Comunhão e Libertação. São reuniões, semanais ou quinzenais, que fazemos entre alguns que vivem realidades minimamente próximas, com objetivo de nos ajudar a julgar melhor as experiências que vivemos. Muitas vezes, trabalhamos em cima de algum texto, por exemplo aquele do Vittadini sobre política que comentei acima. E são essenciais para mim, por me fazerem aprender a usar a razão e entender a fé de forma concretíssima.
Conheça mais sobre as Escolas da Comunidade em: https://portugues.clonline.org/escola-de-comunidade
* Daniel Gomes é jornalista, com atuação em mídias católicas e de comunicação comunitária
Sugiro que as Escolas da Cominidades procurem também- além da questão comportamental muito bem examinada na entrevista – examinar as causas políticas que levaram e levarão cada vez mais a ocorrer a polarização política nas eleições brasileiras.
Atitude inspiradora a desses jovens!