Os desafios para construir uma família

Não é preciso recorrer a dados estatísticos, análises econômicas ou reflexões sociológicas para perceber que formar uma família é cada vez mais difícil no Brasil. Todos os brasileiros que já têm família, ou que estão tentando constituir uma, experimentam as dificuldades na própria pele. No contexto eclesial, é muito comum se ouvir falar de ideologias contrárias à família. Elas de fato existem e estão disseminadas em nossa sociedade, mas frequentemente os maiores perigos não estão tão evidentes, pois de certa forma já nos acostumamos a eles.

As ameaças no campo socioeconômico

Atualmente, a crise econômica, as dificuldades do mercado de trabalho, os custos crescentes com educação dos filhos e saúde são os maiores desafios para aqueles que estão formando ou desejam começar a formar uma família. Uma parcela muito pequena de brasileiros jovens pode se gabar de uma situação socioeconômica consolidada, sem apertos financeiros, com segurança para o futuro. Os jovens não têm dinheiro para se casar, os pais fazem árduos esforços para garantir o sustento, a educação e a segurança dos filhos e depois não conseguem estar tão perto deles quanto gostariam e deveriam.

Não estamos falando aqui de luxos ou gastos supérfluos. O valor mínimo de uma remuneração justa é aquele que permite que os adultos possam dar a seus filhos uma educação e uma qualidade de vida equivalente àquela que tiveram. É natural que todo adulto queira dar a seus filhos um pouco mais do que recebeu ou pelo menos as mesmas oportunidades que teve na vida. Hoje em dia, frequentemente, mesmo que os pais tenham ganhos satisfatórios, o tempo de deslocamento, o trabalho fora do expediente convencional, a pressão por resultados e a insegurança quanto ao futuro causam um desgaste psicológico e um consumo de energia que dificultam sua presença junto aos filhos.

Com raras exceções, as escolas públicas não se apresentam como opções desejáveis para as famílias. Fora das políticas de quotas, as taxas de ingresso de alunos de escolas públicas em boas universidades são muito baixas. Assim, o custo da escola se tornou um fator limitante para o número de filhos e um fator de desgaste crescente para os pais. O sistema público de saúde também não transmite confiança e os planos de saúde são caríssimos – onerando ainda mais as famílias, particularmente no caso de seus idosos, que utilizam mais esses serviços.

O desafio ideológico

Além disso, as ideologias dominantes em nossa sociedade não facilitam uma justa compreensão do que deve ser uma família. Fala-se muito na ideologia de gênero, mas muitas outras concepções ideológicas, ainda mais entranhadas em nosso subconsciente, ameaçam a família. O individualismo e a idolatria à autonomia pessoal, o materialismo e a busca do êxito profissional a qualquer custo, a cultura do descarte refletida nas relações interpessoais são, provavelmente, as maiores ameaças culturais à formação da família em nossa sociedade.

As famílias se desenvolvem como espaço de educação ao dom de si e à gratuidade. São tão mais felizes quanto mais seus membros estão atentos às necessidades e desejos uns dos outros e se esforçam pelo bem dos demais. Aprendemos a amar e compreendemos o valor do outro olhando, em primeiro lugar, aos esforços e sacrifícios que nossos pais fazem por nós. Por mais que os noivos se queiram bem, é na doação continua, no perdão mútuo, nas alegrias e dores compartilhadas que aprendem – ao longo de uma vida – a grandeza e a felicidade do amor. Mas o individualismo e o desejo de autonomia fazem com que cada membro da família pense nos outros como funcionais a si, em vez de se pensar como responsável pelo bem dos outros.

Sendo feita por seres humanos falíveis, toda família é cheia de erros e acertos. Quando cada um está atento e se sente, ao menos em parte, responsável pela felicidade dos demais, os erros tendem a ser perdoados e os acertos, a alegrar e encher de gratidão. Quando cada um está centrado em si mesmo, cobrando a própria felicidade dos demais, os erros se tornam insuportáveis, os acertos nada mais que obrigações e a vida familiar se torna infernal.

Ainda que os desafios socioeconômicos sejam objetivos, o materialismo hedonista que domina em nossos dias multiplica nossas necessidades, nos tornando insaciáveis. O sucesso profissional, a ostentação material, os lazeres caros parecem ser quase uma obrigação. O espaço familiar e as relações interpessoais recheadas de gratuidade são os primeiros sacrifícios imolados nos altares dessa idolatria ao êxito mundano. O pior é que não nos damos conta quando somos doutrinados nessa nova religião. Absorvemos essa mentalidade ao vermos propagandas onde personagens elegantes, em ambientes sofisticados, parecem se realizar consumindo produtos caros. A multiplicamos ao distribuir selfies e fotos onde nós mesmos nos apresentamos como vivenciando essas situações, mesmo que isso seja apenas o “flash” de um instante. Ensinamos nossos filhos a seguirem essa idolatria quando lhes dizemos que devem estudar e se esforçar para “se darem bem na vida” – uma admoestação justa, mas que é ressignificada nesse contexto cultural em que vivemos.

Um trabalho político e comunitário

Os obstáculos socioeconômicos à formação das famílias podem ser superados, em parte, com o esforço individual e algumas condições favoráveis. As soluções exclusivamente particulares, contudo, não constroem o bem comum e tendem a gerar outros problemas – como os pais que ganham bem, mas não têm tempo para acompanhar o crescimento dos filhos. Nesse campo, a dedicação pessoal deve ser amparada e recompensada por políticas públicas adequadas. Não se trata do assistencialismo do Estado, como muitas pensam, pois até o chamado Estado mínimo neoliberal depende de decisões e compromissos políticos assumidos por toda a sociedade.

Remunerações justas, horários de trabalho adequados, transportes eficientes, escolas públicas de qualidade, bons serviços de saúde são todos fatores que podem melhorar a qualidade de vida das famílias e ajudá-las. Já existem empresas que procuram se apresentar como “amigas das famílias”, para desse modo conseguir funcionários mais motivados e preparados. Tais empresas precisam, contudo, de políticas trabalhistas que apoiem seu compromisso com a família, ou correm o risco de perderem competitividade em comparação a outras. É todo um conjunto de fatores que depende, de uma forma ou de outra, de decisões políticas adequadas. Family talks, por exemplo, é uma organização voltada à proteção da família, através da atuação junto ao governo e à opinião pública. Em seu site podem ser vistos vários exemplos de ações, tanto no campo governamental quanto no empresarial, para apoiar as famílias.

Já no campo ideológico, leis e regulamentações estatais, mesmo que necessárias em muitos casos, são pouco efetivas. Mentalidades são formadas por convencimento, não por coação. Nesse campo, a ação dos influenciadores e das mídias sociais é particularmente poderoso. Mas é aqui, também, que o trabalho de nossas comunidades se faz mais efetivo e necessário. O testemunho dos mais sábios, a solidariedade nas dificuldades, os ambientes sadios para a convivência dos jovens são os grandes instrumentos que a comunidade cristã tem para enfrentar as ideologias contrárias à família.

Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia

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Necessidade de evitar que a Igreja se torna campo de aproveitadores e de infiltração ideológica

Sobre os acontecimentos do Ato Inter-Religioso no dia 30 de setembro na Catedral Metropolitana de São Paulo

 

No dia 30 de setembro de 2019 houve um ato Inter-Religioso na Catedral Sé em São Paulo. Em sua essência, tratava-se de gesto promovido por uma organização inter-religiosa, que desejava dar o seu apoio ao Sínodo da Pan-Amazônia, que o Papa Francisco vai abrir em Roma no próximo domingo, dia 06 de outubro. Em si mesmo não se trata de um ato político, ideológico, de apoio a algum partido político ou de apoio a algum grupo no estilo “Lula Livre”.

No entanto, para surpresa, como noticiado em algumas redes sociais, houve tumulto no final do evento, alguns militantes políticos portavam estandartes com o slogan “Lula Livre” e alguns jovens católicos consideram essa postura como agressão a fé católica e profanação do templo religioso.

Como esclareceu o Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, na Nota de Esclarecimento sobre o Ato Inter-Religioso na Catedral da Sé: “Estejamos muito atentos àquilo que ouvimos e lemos e de quem recebemos mensagens. Checagem das informações e discernimento são coisas indispensáveis, para não sermos arrastados por informações de todo tipo. É necessário ver, se as fontes das informações são confiáveis. Há muita fonte poluída por aí e quem bebe de fontes envenenadas, fica envenenado também e pode até morrer”.

De um lado, o templo religioso cristão é a “casa de Deus” (Hebreus 3, 6) e o “corpo de Cristo” (I Coríntios 12, 27). Por isso, merece ser respeitado pelos próprios cristãos e por não-cristãos. Nesse contexto, não cabe dentro do templo religioso atos políticos, ideológicos e nada no estilo “Lula Livre”. Não se pode permitir que um templo religioso, seja cristão ou de outra religião, seja transformado em palanque eleitoral, em campanha publicitária ou de outra natureza. O templo, acima de tudo, deve ser a “casa de oração” (Mateus 12, 13). Manifestações políticas, ideológicas e de outras naturezas já possuem seus devidos espaços dentro da sociedade. Por isso, deve-se respeitar o espaço do sagrado.

Do outro lado, não se pode aceitar, como bem colocou o Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, a existência dentro da Igreja dos chamados “justiceiros”, ou seja, pessoas que, dentro das melhores disposições éticas, terminam caindo no julgamento apresado e até mesmo na calunia e na difamação. De forma lamentável, dentro e fora da Igreja, impulsionados pelas redes sociais, atualmente existem vários “justiceiros” que, por razões diversas, algumas éticas e outras nem tanto, terminam espalhando notícias tendenciosas, meias verdades e até mesmo interpretações equivocadas de fatos que ocorreram dentro dos templos católicos.

Diante dessa realidade é preciso haver a moderação, o cuidado com as palavras, o amor a Cristo e ao irmão, a fidelidade ao magistério e a Igreja. Não basta dizer “sou católico” e no outro dia estar nas ruas ou nas redes sociais acusando, de forma apressada, os pastores que, mesmo que com suas limitações, guiam o rebanho de Cristo.

É necessário evitar que a Igreja se torna um campo, talvez de batalha, entre aproveitadores, os “justiceiros” e de gente infiltrada, militantes políticos, que percebem a Igreja apenas como um palanque eleitoral ou oportunidade para se autopromover nas redes sociais.

Por Ivanaldo Santos, filósofo, escritor, professor universitário.

 

Veja também: Encontrar uma posição justa nas polêmicas sobre o Sínodo para a Amazônia     Nem direita nem esquerda, mas sim integral​     A Igreja diante do mal-estar da sociedade contemporânea

Drauzio Varella e a ideologia de gênero

A ideologia de gênero deve ser enfrentada com um diálogo construtivo, que ajude as pessoas a encontrarem sua plena realização afetiva e sexual, reconhecendo os direitos de todos.

Tem causado impacto um artigo bastante agressivo onde Drauzio Varella diz que ideologia de gênero não existe e que aqueles que a combatem são repressores, ignorantes e manipulados por demagogos.

No artigo, Varella faz um link à notícia de que um grupo tentou forçar Judith Butler, uma das autoras da “teoria de gênero”, a não dar palestras no Brasil. Um erro não justifica outro, o diabo se diverte quando pessoas boas incitam a violência para opor-se ao mal.

Mas pode-se fazer, sem obscurantismo, uma demonstração crítica e racional da existência da ideologia de gênero – e de seus problemas teóricos e práticos.

Varella levanta uma série de dados científicos sobre indefinições biológicas do sexo. Poderíamos até acrescentar mais dados, envolvendo fatores psicológicos e até sociais que impedem que a pessoa se identifique como homem ou mulher.

Dois problemas de fundo acabam transformando esse debate numa luta infrutífera em vez de um diálogo construtivo:

  1. Todos reconhecemos a existência de pessoas homossexuais, o erro é a concepção ideológica de que a pessoa pode construir seu próprio gênero sem uma adequada referência a sua biologia. O diálogo construtivo é aquele sobre a melhor forma de ajudar cada um a realizar-se plenamente no campo afetivo-sexual, respeitando sua liberdade e suas características pessoais.
  2. A existência de grupos extremistas – em ambos os lados – que desejam se afirmar violentamente sobre os que pensam diferente. Criam desnecessariamente um clima de guerra que acaba inviabilizando o diálogo construtivo entre aqueles que querem realmente o bem do outro.