Quando a segurança pública é insegura

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

 

Na favela de Paraisópolis, em São Paulo, na madrugada de domingo, 01 de novembro, 9 jovens morreram pisoteados em meio à debandada geral provocada por uma ação da Policial Militar, que procurava – num “pancadão” com cerca de 5 mil pessoas – capturar dois fugitivos que haviam atirado contra policiais.

A Polícia e sua corregedoria iniciaram investigações para saber o que aconteceu e já se iniciou a guerra de versões entre a população e os policiais envolvidos. Seja qual for o resultado do inquérito, é evidente que a ação no seu com junto foi desastrosa e trágica.

O incidente se torna particularmente emblemático nesse momento em que o governo federal envia ao Congresso um projeto de lei que estabelece excludente de ilicitude para operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), conferindo maior autonomia para que polícia e forças armadas atuem de forma violenta quando julgarem que isso é necessário para manter a ordem pública.

A população brasileira – principalmente a de baixa renda – vive entre duas inseguranças, uma causada pela impunidade de criminosos contumazes e assassinos, outra causada pela truculência policial em aglomerações populares ou contra praticantes de pequenos delitos. Conferir maior autonomia para a ação policial não parece ser uma solução, pois o problema não é de força, mas de efetividade.

Diante dessa situação, parece que estamos sempre oscilando entre a ineficácia de uma violência punitivista e a ineficácia de um pacifismo ingênuo. Mas na verdade as coisas não são assim. Existe uma postura humana, que deveria ser de todos os cristãos, mas não só deles, que ajuda a discernir o que é mais adequado nesses momentos.

Papa Francisco apresenta essa posição como um realismo que procura olhar a todos os fatores da realidade, sem se perder em ideologizações, procurando sempre o diálogo e tendo a paciência histórica necessária para acompanhar o desenvolvimento dos processos (cf. Evangelii Gaudium, EG 221-237).

Quando temos essa postura, vemos que, em primeiro lugar, as investigações sobre situações como essas não devem estar centradas em punir culpados, por mais que isso seja necessário. Como acontece em desastres aéreos, as investigações devem procurar entender o conjunto de acontecimentos que levaram à tragédia, para criar protocolos de ação e programas de treinamento que evitem a repetição da catástrofe. A responsabilização de culpados sempre será necessária, mas se torna punitivismo ineficiente sem esse olhar realista sobre a totalidade dos fatores e essa preocupação de desenvolver procedimentos mais adequados para o futuro.

Muitos especialistas têm se dedicado a esse trabalho e muito se sabe. Mas a população pouco conhece de suas conclusões e os políticos, de ambos os lados, frequentemente preferem discursos ideológicos fáceis ao compromisso continuado com a melhora das condições de trabalho e da eficiência das polícias.

Da parte dos governos, é necessário implementar programas de educação e treinamento dos policiais, estabelecer protocolos de atuação mais eficientes em manifestações e aglomerações populares, fornecer equipamentos adequados. Da parte da população, é importante estabelecer um clima de diálogo e apoio às forças de segurança. O mau policial deve ser afastado, mas o bom policial deve ser apoiado e valorizado pela comunidade que atende.

Poucos de nós temos responsabilidade direta na segurança pública, mas todos podemos colaborar para que haja mais segurança sem haver mais violência.

 

Veja também: Anseio de justiça e segunda instância    Doutrina social da Igreja e políticas públicas em segurança

 

Imagem: Fear 39, de Dan Gonyea, em Flickr.com

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