Recentemente, as mídias católicas publicaram vários artigos sobre uma “agenda gay não secreta” nos filmes de animação da Pixar/Disney, como Lightyear. Para quem quiser saber mais sobre o caso, aconselho a leitura do artigo publicado em Aleteia. Mas o problema é mais amplo. Falamos muito da “ideologia de gênero”, tema que inquieta a alguns enquanto recebe pouca atenção de outros, mas o individualismo, o consumismo, o hedonismo e o niilismo são ideologias até mais presentes e influentes na sociedade – já quase transformadas em modo de ser inconsciente de jovens e adultos. Nasce daí uma pergunta sempre mais significativa para pais e educadores: como formar crianças e jovens num mundo cada vez mais marcado por ideologias contrárias aos valores cristãos?
Existem alguns comportamentos já consagrados, como resposta a essa pergunta: acompanhar de perto o desenvolvimento das crianças; saber o que estão vendo na TV, nos jogos e nos grupos de amigos; conversar com elas, procurando responder de modo sincero a suas dúvidas e inquietações; estar atento para que as situações sejam apresentadas em momentos adequados ao seu amadurecimento afetivo e intelectual, evitando expô-las àquilo a que não estão preparadas.
Muitas vezes, contudo, a preocupação em alertar para com os erros e desvios nos leva a não apresentar de modo adequado aquilo que é certo ou aquilo que realmente é importante para nós. Ao diabo, pouco importa ser seguido – para o ser humano se perder, basta que olhe mais para o demônio que para Deus. Em nosso afã por combater as ideologias, acabamos caindo exatamente nessa armadilha: nos detemos mais em explicar o que é errado do que em valorizar o que é certo.
A reflexão a seguir toma por base o debate entre acolhida aos homossexuais e ideologia de gênero, mas a sua estrutura vale para qualquer desafio ideológico que enfrentemos na educação dos jovens.
Uma posição integral
A educação rotulada como conservadora tende a idealizar os valores da tradição, ignorando as contradições do passado. Insiste em alguns princípios, mas não dá respostas adequadas aos desafios do momento. Aquela rotulada de progressista idealiza os novos valores, ignorando as contradições do presente, dando respostas esquemáticas, que podem até parecer simpáticas, mas não dão conta de toda complexidade dos problemas.
Uma boa formação deve ser integral, nem conservadora, nem progressista. Só Deus é perfeito, mas um bom educador deve sempre se perguntar tanto sobre os valores quanto sobre as contradições que se encontram em todas as posições e procurar sua superação.
O maior valor é sempre a caridade
Para educar bem a crianças e jovens é preciso mostrar-lhes claramente o que é a caridade, o amor gratuito. “A caridade na verdade […] é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira”, lembra Bento XVI na Caritas in veritate (CV 1).
Todos amamos nossos filhos, mas esse amor nem sempre demonstra adequadamente o amor cristão. Papa Francisco frequentemente lembra que esse amor é, em primeiro lugar, misericórdia, que perdoa e acolhe com ternura. Além disso, é gratuito, não espera nada em troca, apenas quer o bem do outro. São tais características que legitimam a orientação e a correção, sempre necessárias, mas que são confundidas com coação e prepotência quando não percebidas dentro de uma relação de amor.
Além disso, o amor deve se estender a todos. Como diz Jesus (Lc 6, 32), se amamos só aos que nos amam, que mérito temos? Até os maus fazem isso… Muitos bons cristãos se lembram de ter aprendido a fé com o testemunho silencioso de suas mães e pais, que sempre acolhiam os necessitados. Por outro lado, como dizer que somos contra a ideologia de gênero e não contra as pessoas homossexuais se não as acolhemos e procuramos ajudá-las em suas dificuldades? Para enfrentar adequadamente as ideologias, temos que praticar o amor para com todos, pois essa universalidade da caridade evidencia uma verdade maior.
Reconhecer as contradições
Ideologias se sustentam porque mostram problemas verdadeiros, usados para ocultar a totalidade do real. A homossexualidade, por exemplo, é um dado que transcende as escolhas morais – que tanto para o homossexual quanto para o heterossexual dizem respeito aos atos praticados e à castidade (cf. Catecismo da Igreja Católica, CIC 2337ss). Os gêneros, entendidos como construções sociais (e como tais passíveis de diferentes manifestações) a partir dos sexos biológicos, também são dados do real.
Aquilo que deve ser percebido, com tranquilidade e com clareza, é que a dissociação entre sexo biológico, afetos e comportamentos – isso é, possuir um gênero que difere do sexo biológico – não é um problema apenas porque não é aceito pela sociedade. Chega a ser óbvio a constatação de que as pessoas que vivem todas as suas dimensões de modo unitário e integrado terão um caminho de realização mais fácil do que aqueles que não vivem essa unidade. Esses “devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza”, evitando-se, “em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta” (CIC 2358). A discriminação potencializa muito os problemas vividos por essas pessoas e os cristãos têm o dever de acolhê-las e acompanhá-las, com amor e sem falsas condescendências, sempre conscientes da objetividade da situação. Desse modo, reconhece-se os dados reais, mas não se oculta as dificuldades.
Buscar o desejo de bem
Na base de qualquer posição ideológica existe sempre um desejo de bem. Ninguém quer o mal para si ou para aqueles a quem ama. Ideologias não se expandem porque as pessoas escolheram o mal para si, mas porque fizeram uma escolha errada ao procurar o bem para si mesmas. Antes de condenar ou desqualificar uma ideologia, temos que dialogar com o desejo de bem que leva as pessoas a aderir a essa posição. Veremos que, muitas vezes, a adesão ideológica se funda em bons sentimentos, como a empatia pelos que sofrem, a busca por afetos sinceros e a luta por liberdade.
Cabe ao educador dialogar com esse desejo de bem que habita o coração dos jovens, mostrando-lhes os vários caminhos que se abrem à sua liberdade e as implicações de cada um.
Oferecer soluções
A crítica às ideologias frequentemente peca pela falta de soluções aos problemas existentes. Aponta-se o erro de uma posição, mas não se oferece uma alternativa. Parece que deixar como está é a melhor alternativa. Mas o ser humano sempre quer mudar para melhor.
Pouco adianta, por exemplo, dizer que o capitalismo está errado, sem oferecer modelos econômicos alternativos e viáveis. Cria-se um entusiasmo momentâneo, que só se sustenta enquanto não há possibilidade real de mudança. Despertará pouca simpatia entre os jovens uma condenação da ideologia de gênero que não aponta caminhos de acolhida e inclusão dos homossexuais ou de uma vivência afetivo-sexual mais plena. Aliás, uma das dificuldades nesse debate é se imaginar que o outro reconhece as soluções que apresentamos, sem nos apercebermos que essas soluções só nos parecem viáveis por causa de uma longa história na comunidade cristã que não foi vivida pelo nosso interlocutor.
Confiar em Deus
Para os cristãos, deve ficar claro que “o cêntuplo e a vida eterna” (cf. Mc 10, 29-30; Mt 19, 28-29) não é o resultado de uma compreensão intelectual de certas ideias, mas uma graça que Deus dá aos que seguem a Cristo. Nesse sentido, nossa maior tarefa é a oração pelos jovens e nosso maior alento é a confiança em Deus. Os caminhos que cada ser humano deverá trilhar e como esses caminhos conduzirão a Ele são mistérios que não conhecemos, mas nunca poderemos deixar de confiar na bondade e na misericórdia de Deus.
Tal tranquilidade é particularmente importante quando estamos diante de jovens que já apresentam comportamentos que julgamos problemáticos e ideológicos. Pais e educadores muitas vezes tentam induzir mudanças que lhes parecem adequadas, num esforço que só gera mais resistência. Além disso, nem mesmo sabemos se nossos esforços correspondem à via de conversão que Deus escolheu para o outro. Muitos precisaram trilhar caminhos escuros para se tornar luz para os demais.
O caminho mais efetivo para educar aos valores cristãos, num mundo marcado pelas ideologias, é aquele que combina a ternura do amor com a sabedoria da verdade.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia
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