Para 2023, nossa esperança está no poder ou no amor?

Aos poucos, à medida que o carnaval se aproxima e as aulas retornam nas escolas, o ano começa a ganhar seus contornos cotidianos “normais” – ainda que muita coisa já tenha acontecido nesse janeiro conturbado… E as sequelas do ano que passou permanecem bem evidentes em muitos de nós. Com relação à política, três tentações podem comprometer nosso estado de espírito.

Quem viu seu candidato vencer, está tentado a uma euforia desproporcional, como se os governos pudessem resolver os problemas do mundo e como se tudo fosse andar bem só porque nosso candidato ganhou. No extremo oposto, quem viu o político em quem depositava esperança perder, tende a uma depressão e uma raiva desproporcionais, como se o mundo fosse acabar porque o opositor venceu. Também temos uma tendência intermediária, uma certa “sabedoria” cética (que de sábia pouco tem) que considera que todos são iguais, como se o resultado da eleição não fosse influenciar a história.

Ora, o fato da eleição ter sido vencida por um ou outro candidato fará muita diferença em nosso futuro. Contudo, é verdade que nenhum eleito garantirá por si só o bem comum ou nos levará a uma catástrofe irremediável. Cada governante tem méritos e defeitos, em qualquer caso devemos estar atentos para apoiar os acertos e combater os erros. Valendo-nos do sábio conselho de Santo Inácio de Loyola, temos que agir como se tudo dependesse de nós, mas sabendo que tudo depende de Deus. Essa postura nos traz o justo equilíbrio para não desanimarmos nem nos descomprometermos, ao mesmo tempo que vivemos confiantes na ação de Deus.

 

A ilusão do poder

Estas situações acontecem principalmente pela tentação de depositar nossa esperança no poder. Citando as reflexões de Romano Guardini, na Laudato si’, o Papa Francisco observa: “Tende-se a crer que ‘toda a aquisição de poder seja simplesmente progresso, aumento de segurança, de utilidade, de bem-estar, de força vital, de plenitude de valores’ (GUARDINI, R. O fim dos tempos modernos. Brasília: Ed. Monergismo, 2021)” (LS 105).

A palavra poder tem duas acepções básicas: capacidade (o poder de fazer as coisas) e dominação (o poder sobre os demais). Tendemos a crer que as coisas vão mal simplesmente porque nossos adversários têm poder/dominação e que elas irão bem quando nossos correligionários passarem a ter esse poder. Mas, na verdade, as coisas são muito mais complicadas.

Para começar o poder/dominação não garante o poder/capacidade. Por exemplo, nenhum governante, por mais poderoso que fosse, teve capacidade de evitar que seu país sofresse as consequências da pandemia de Covid ou não fosse afetado pela crise financeira internacional de 2008. Os fenômenos naturais, a vida econômica, as relações internacionais e o próprio coração do ser humano não obedecem docilmente à dominação. Quanto mais tentamos forçá-los, ao invés de nos valermos da capacidade que vem do conhecimento e da sabedoria, mais erros cometemos.

Além disso, o poder/dominação corrompe. Todos os governantes que se perpetuaram no tempo e que adquiriram grande poder enfrentaram cada vez mais problemas de corrupção e mau uso de sua autoridade – por parte deles mesmos e/ou de seus correligionários. Entre as lições mais importantes das ciências políticas modernas estão a necessidade de um equilíbrio de forças no Estado (os chamados três poderes) e a positividade da alternância de governo entre grupos diferentes.

 

A confiança no amor

Para os cristãos, o problema mais profundo dessa crença no poder é a perda da capacidade de amar. Em um trecho famoso, C.G. Jung considera que “onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina há falta de amor”. A frase está no contexto da teoria psicanalítica, mas se tornou muito conhecida porque reflete uma grande verdade sobre o ser humano. Quem se sente oprimido, não se sente amado. Quem insiste em dominar, perde a capacidade de amar.

Podemos observar como a confiança e a luta pelo poder nos últimos anos tornou nossa sociedade mais ressentida e raivosa, como nosso coração se endureceu muitas vezes, como muitas amizades ficaram mais difíceis. Muitas vezes, em nome da defesa de valores cristãos, nos afastamos do maior valor cristão, que é o amor gratuito para com o outro – a caridade.

Quem não se descobre amado por Deus não é capaz de ter uma verdadeira esperança. Precisa se apegar às ilusões da força ou do pensamento positivo. Quem confia no poder humano, na sua capacidade de dominação, não é capaz de perceber o amor de Deus se movendo nas entranhas da realidade. Ao cedermos à ilusão do poder, caímos numa espiral crescente de crença na dominação e descrença em Deus e seu amor.

Que 2023 se revele, para todos nós, para o Brasil e para o mundo, um tempo de crescimento no amor e de libertação da idolatria ao poder.

 

Francisco Borba Ribeiro Neto

 

Publicado originalmente em Aleteia

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Onde a sabedoria cristã se evidencia… e onde é perdida

O jornal Folha de São Paulo, insuspeito em suas posições secularizadas, publicou dois artigos sobre religião, no mínimo curiosos. O primeiro, datado de 1 de setembro, estampava no título “Religiosos são mais satisfeitos com suas vidas sexuais, diz estudo britânico”. O outro, publicado no dia seguinte, dizia que 56% da população acredita que política e valores religiosos devem andar juntos.

Sexo feliz é sexo com amor

A pesquisa inglesa é particularmente interessante, ainda que os resultados sejam até óbvios para quem tem uma boa formação religiosa. Os pesquisadores encontraram, conforme esperavam, que pessoas religiosas fazem menos sexo do que as não-religiosas. Contudo, essa diferença se dá entre os que não vivem com um cônjuge estável (sejam esposos oficialmente ou não). Casados, sejam religiosos ou não, praticam sexo com frequências semelhantes. Como esperado pelas normas da maioria das igrejas, pessoas religiosas evitam o sexo fora do casamento e/ou sem uma relação afetiva forte e confiável.

O que surpreendeu, na pesquisa, foi constatar que esposas religiosas se declaram, em média, mais satisfeitas com sua vida sexual que as não religiosas. O estudo mostrou também que as mulheres, mais que os homens, para se realizarem sexualmente, parecem depender mais da vinculação entre o amor e o sexo. Ora, ao valorizar o matrimônio, o amor e o respeito mútuo, desaconselhar relações extraconjugais, as religiões indiretamente incentivam os casais (e mais ainda os homens, que não se sentem tão propensos a isso) a praticar o ato sexual como um gesto de amor e não como simples manifestação instintiva.

A fé e a razão na política

Vamos ao outro caso, o da política. À primeira vista, parece irracional uma pessoa considerar que política e valores religiosos devem andar sempre juntos (frase com a qual 56% dos brasileiros concordam total ou parcialmente) ou dizer que é mais importante um candidato defender os valores da família do que ter boas ideias sobre economia (visão compartilhada total ou parcialmente por 60% dos brasileiros). Mas, se analisarmos com cuidado, veremos que se trata de uma observação absolutamente racional, para quem tem uma experiência positiva com a religião.

De que adianta uma pessoa ter ótimas ideias, se for desonesto e não estiver preocupado com o bem comum? Usará suas ideias para se enriquecer e manipular a nação, ao invés de apoiar os cidadãos. Por outro lado, se não tiver boas ideias, mas for sincero, humilde e bem-intencionado, mudará de posição ao perceber que suas ideias não estão dando certo e descobrirá um caminho justo. Como a família é o apoio mais importante e seguro para os pobres e os fracos, parece óbvio que uma pessoa que a defende deve ser honesta e se orientar para a construção do bem comum.

Quem encontrou acolhida, apoio e orientação dentro de uma religião, tenderá a confiar mais em pessoas religiosas ou que têm ideias religiosas do que nas demais. É natural e lógico, não tem nada de fundamentalismo ou de fé cega…

Os valores religiosos não são irracionais e realmente correspondem às aspirações do ser humano. Mas, então, por que enfrentamos uma onda secularizante e um cancelamento cultural dos cristãos tão forte? Uma resposta fácil é dizer que se trata do poder dos mal-intencionados, que querem manipular o povo. Não deixa de ser verdade, mas não podemos negar que, no passado, o “lado cristão” (se é que podemos falar assim) é que estava no poder (ao menos aparentemente), então algo mais complexo deve ter acontecido para essa “virada do jogo”.

Entender o que aconteceu

O “exame de consciência” pode estar fora de moda, mas ainda é um dos maiores instrumentos que a sabedoria da Igreja nos deu para chegarmos mais facilmente à verdade. Perguntar-se “onde foi que eu errei?” sempre nos ajuda a ver as coisas de forma mais realista. Pois bem, onde os cristãos erraram para que acontecesse essa “virada de jogo”, que fez com que a sabedoria e a humanidade do cristianismo deixassem de ser reconhecidas?

As religiões de modo geral costumam ser carregadas de uma profunda inteligência sobre a natureza e os anseios das pessoas, porém, para que isso se manifeste,  a religião deve andar em consonância com a razão, tal como defendeu Bento XVI no seu célebre discurso em Regensburg (infelizmente reduzido, por seus críticos, a uma simples disputa sobre a violência do islamismo). Razão é fé, se orientando mutuamente, nos permitem compreender melhor quem somos nós, quais são nossas necessidades e nossos anseios, como nos realizarmos no mundo.

Uma adesão irracional aos valores da fé, mesmo quando esses são verdadeiros, nos leva ao sectarismo e à violência. Ficamos mais apegados a nossas normas do que ao amor gratuito, que recebemos de Deus e devemos comunicar a todos. Temos que reconhecer, por exemplo, que um apego moralista a muitos valores cristãos fez com que se perdesse em muitas oportunidades a comunicação da íntima associação entre sexo e amor, característica do cristianismo… Ou que muitos políticos demagogos se dizem defensores da família e dos valores cristãos, mas demonstram exatamente o contrário em suas vidas e decisões.

Onde falta o discernimento, o mal se infiltra com facilidade e a natureza mais intima do cristianismo, que é o amor gratuito de Deus por nós, é perdido e substituído por valores e normas que parecem cristãos, mas não satisfazem o mais íntimo do coração humano.

A sabedoria, a humanidade e o amor expressos na fé cristã são um fato. Cabe a nós o discernimento justo que nos permite testemunhar essa riqueza – sem nos perdermos em sectarismos e posturas ideológicas que podem até imitar o cristianismo, mas são caminho para o mal.

Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia

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