Aos poucos, à medida que o carnaval se aproxima e as aulas retornam nas escolas, o ano começa a ganhar seus contornos cotidianos “normais” – ainda que muita coisa já tenha acontecido nesse janeiro conturbado… E as sequelas do ano que passou permanecem bem evidentes em muitos de nós. Com relação à política, três tentações podem comprometer nosso estado de espírito.
Quem viu seu candidato vencer, está tentado a uma euforia desproporcional, como se os governos pudessem resolver os problemas do mundo e como se tudo fosse andar bem só porque nosso candidato ganhou. No extremo oposto, quem viu o político em quem depositava esperança perder, tende a uma depressão e uma raiva desproporcionais, como se o mundo fosse acabar porque o opositor venceu. Também temos uma tendência intermediária, uma certa “sabedoria” cética (que de sábia pouco tem) que considera que todos são iguais, como se o resultado da eleição não fosse influenciar a história.
Ora, o fato da eleição ter sido vencida por um ou outro candidato fará muita diferença em nosso futuro. Contudo, é verdade que nenhum eleito garantirá por si só o bem comum ou nos levará a uma catástrofe irremediável. Cada governante tem méritos e defeitos, em qualquer caso devemos estar atentos para apoiar os acertos e combater os erros. Valendo-nos do sábio conselho de Santo Inácio de Loyola, temos que agir como se tudo dependesse de nós, mas sabendo que tudo depende de Deus. Essa postura nos traz o justo equilíbrio para não desanimarmos nem nos descomprometermos, ao mesmo tempo que vivemos confiantes na ação de Deus.
A ilusão do poder
Estas situações acontecem principalmente pela tentação de depositar nossa esperança no poder. Citando as reflexões de Romano Guardini, na Laudato si’, o Papa Francisco observa: “Tende-se a crer que ‘toda a aquisição de poder seja simplesmente progresso, aumento de segurança, de utilidade, de bem-estar, de força vital, de plenitude de valores’ (GUARDINI, R. O fim dos tempos modernos. Brasília: Ed. Monergismo, 2021)” (LS 105).
A palavra poder tem duas acepções básicas: capacidade (o poder de fazer as coisas) e dominação (o poder sobre os demais). Tendemos a crer que as coisas vão mal simplesmente porque nossos adversários têm poder/dominação e que elas irão bem quando nossos correligionários passarem a ter esse poder. Mas, na verdade, as coisas são muito mais complicadas.
Para começar o poder/dominação não garante o poder/capacidade. Por exemplo, nenhum governante, por mais poderoso que fosse, teve capacidade de evitar que seu país sofresse as consequências da pandemia de Covid ou não fosse afetado pela crise financeira internacional de 2008. Os fenômenos naturais, a vida econômica, as relações internacionais e o próprio coração do ser humano não obedecem docilmente à dominação. Quanto mais tentamos forçá-los, ao invés de nos valermos da capacidade que vem do conhecimento e da sabedoria, mais erros cometemos.
Além disso, o poder/dominação corrompe. Todos os governantes que se perpetuaram no tempo e que adquiriram grande poder enfrentaram cada vez mais problemas de corrupção e mau uso de sua autoridade – por parte deles mesmos e/ou de seus correligionários. Entre as lições mais importantes das ciências políticas modernas estão a necessidade de um equilíbrio de forças no Estado (os chamados três poderes) e a positividade da alternância de governo entre grupos diferentes.
A confiança no amor
Para os cristãos, o problema mais profundo dessa crença no poder é a perda da capacidade de amar. Em um trecho famoso, C.G. Jung considera que “onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina há falta de amor”. A frase está no contexto da teoria psicanalítica, mas se tornou muito conhecida porque reflete uma grande verdade sobre o ser humano. Quem se sente oprimido, não se sente amado. Quem insiste em dominar, perde a capacidade de amar.
Podemos observar como a confiança e a luta pelo poder nos últimos anos tornou nossa sociedade mais ressentida e raivosa, como nosso coração se endureceu muitas vezes, como muitas amizades ficaram mais difíceis. Muitas vezes, em nome da defesa de valores cristãos, nos afastamos do maior valor cristão, que é o amor gratuito para com o outro – a caridade.
Quem não se descobre amado por Deus não é capaz de ter uma verdadeira esperança. Precisa se apegar às ilusões da força ou do pensamento positivo. Quem confia no poder humano, na sua capacidade de dominação, não é capaz de perceber o amor de Deus se movendo nas entranhas da realidade. Ao cedermos à ilusão do poder, caímos numa espiral crescente de crença na dominação e descrença em Deus e seu amor.
Que 2023 se revele, para todos nós, para o Brasil e para o mundo, um tempo de crescimento no amor e de libertação da idolatria ao poder.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia
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