A famosa frase de Jesus, ao ser crucificado (Lc 23, 34), permanece, por toda a história, como uma das lições mais duras do seguimento a Cristo: amar e perdoar o outro no momento em que ele nos inflige a maior dor. Talvez seja ainda mais desafiadora nesse tempo de “batalhas culturais” e “cancelamentos sociais”. Lutamos para que nossa dignidade seja respeitada e para que os valores naturais a todo ser humano (ou que pelo menos assim deveriam ser percebidos) sejam respeitados num mundo que já foi cristão (uma análise objetiva mostrará que em nossa sociedade as marcas do cristianismo ainda persistem, mas ele não é mais hegemônico). É fato que grande parte de nossas dificuldades vêm de um cristianismo mal vivido ao longo da história do Ocidente. As contradições, os pecados e as traições de gerações de cristãos – alguns poderosos, outros não – criaram o terreno fértil onde cresceram as objeções ao cristianismo nos tempos atuais, mas isso não muda nossa indignação e nossa dor.
Quando respondemos ao mal com o mal
Falando sobre a não-violência, Bento XVI explica que “dar a outra face” (cf. Lc 6, 29) não consiste em entregar-se nas mãos daquele que é mal, mas sim em responder ao mal com o bem (cf. Rm 12, 17-21). Mas, uma tentação diabólica de nossos tempos é justamente querermos usar as estratégias do mal para vencer o mal. Se o mundo se tornou ideológico, sejamos nós também ideológicos – o que interessa é que a ideologia seja “a nossa”, supostamente boa e cristã. Se a mentalidade hegemônica está recheada de mentiras, por que não adulterar um pouco a verdade, deixando-a um pouco mais escandalosa para que os outros entendam melhor o quanto estamos certos? Como aqueles que têm uma postura anticristã nos censuram e nos cancelam, melhor responder-lhes com igual virulência e agressividade, afinal, o mundo é dos fortes.
Com essa assimilação de nossa conduta aos comportamentos que nos ferem, acabamos esquecendo que o cristianismo não é uma ideologia ou um programa moral, mas sim o encontro pessoal de cada um de nós com Cristo, como lembram tanto Bento XVI (Deus caritas est, DCE 1) quanto Papa Francisco (cf. sua carta a Eugenio Scalffari). Esquecemos que não existem “meias verdades” e que “meias mentiras” e fake News, mesmo quando bem-intencionadas, só nos levam para um mundo de falsidade cada vez maior. Nos tornamos, nós mesmos, agressivos e violentos, cada vez mais distantes do modo de ser de Cristo, que era “manso e humilde de coração” (Mt 11, 29).
É verdade que, ao longo da história, muitos se aproveitaram da mensagem de Jesus, exortando os cristãos a uma obediência e a uma humildade ingênuas e submissas. Grande parte da revolta anticristã dos tempos modernos veio de uma compreensível repulsa a esse tipo de situação. Por outro lado, também é verdade que a negação dessa postura tem levado muitos cristãos a uma dura militância que confia mais nas estratégias humanas do que na graça de Deus, esquecendo-se que “não há rei que se salve com a grandeza dum exército, nem o homem valente se livra por sua muita força” (Sl 33, 16).
A dura verdade é que a Igreja se declara assentada sobre o sangue dos mártires e o testemunho dos santos, não sobre a força dos cruzados ou as vitórias dos generais cristãos. Não só isso! De que nos valeria ganhar o mundo inteiro, se perdêssemos a própria alma? (cf. Mt 16, 26). Muitas vezes os cristãos, querendo criar um mundo supostamente melhor com as próprias forças, espalharam dor e sofrimento. Muitos cristãos, confiando no próprio poder, se perderam e se afastaram do caminho de Cristo.
A força do testemunho da bondade
Existe um outro modo de responder ao mal, que é com uma bondade sincera e inteligente, vinda de nossa conversão e adesão a Cristo. Os maus podem não querer reconhecer a força da bondade, mas ela tem um poder avassalador. Nosso grande problema não é sermos muito “bonzinhos”, mas não sermos suficientemente bons, para que nossa bondade permita a nossos irmãos ao menos vislumbrar, por um instante, a verdadeira bondade de Deus…
Ficou famosa a pergunta de Stalin, que foi sem dúvida o mais poderoso ditador do século XX: quantas divisões militares tem o papa? Nenhuma, é verdade. Numa guerra como a atual da Ucrânia, ele não pode enviar exércitos, nem contribuir para com as sanções econômicas que procuram parar a guerra. Pode apenas rezar pela paz e pedir aos poderosos do mundo um pouco de bom senso e caridade. Mas, o grande império soviético, com seus exércitos, suas armas atômicas e seus espiões, não durou um século, enquanto a Igreja Católica subsiste praticamente a vinte séculos.
Com a graça de Deus, a bondade tem um poder real. Quando vemos a forma pela qual o mundo trata o Papa Francisco, percebemos claramente essa força. Concordem ou não com ele, sigam a Igreja Católica ou não, as pessoas não conseguem negar sua bondade e seu exemplo. Infelizmente, o povo cristão nem sempre está à altura do seu líder – e a força de seu testemunho é perdida em meio a nossas contradições e aos posicionamentos ideológicos que nos dividem.
A experiência da misericórdia e do perdão
Aqui voltamos à frase do início desse artigo. De onde vem a força do testemunho de Francisco? O segredo de sua força, que não fica oculto, mas frequentemente não é percebido até por seus seguidores mais deslumbrados, é a experiência da misericórdia. Bergoglio é um homem que se sabe pecador e que se reconhece perdoado. Por isso, olha com ternura a seus irmãos, mais preocupado em comunicar-lhes o perdão de Deus do que em julgá-los por critérios morais (o que não quer dizer que não reconheça esses critérios, apenas entende que eles vêm depois da experiência do amor e do perdão, não antes).
Francisco é o homem que repete o pedido de Cristo, “perdoa-lhes, Pai, eles não sabem o que fazem”. Mas também é aquele que sabe repetir “perdoa-me, Pai, eu não sei o que faço”. Com isso, responde às batalhas culturais e aos cancelamentos sociais de um modo novo e impensável aos olhos do mundo. Que Deus nos ajude a sermos como ele, para o nosso bem, para o bem da Igreja e do mundo.
Francisco Borba Ribeiro Neto