Preparando o Caderno Fé e Cultura sobre G.K. Chesterton, deparei-me, com uma curiosa ideia deste que foi, provavelmente o maior e mais genial apologeta do catolicismo no século XX. Segundo ele “uma palavra estúpida de um membro da Igreja faz mais estrago que cem palavras estúpidas de pessoas de fora da Igreja”. Todos nós já sentimos raiva, em alguma ocasião, por escutar ou ler uma frase que nos parece estupida vinda de algum católico ilustre. “Chestertonianamente”, devo acrescentar: talvez a ideia seja mesmo estúpida ou talvez o estúpido seja eu.
Por favor, caros leitores, eu faço tantas idiotices quanto todos os outros, talvez até mais. Detesto certo modismo que julga os outros como “imbecis coletivos”, “vendidos ao sistema”, hereges ou seja lá o que for – como se nos tornássemos inteligentes e bons cristãos só por atacar os demais. A estupidez, dos outros ou nossa, gera raiva mas, de certa forma, faz parte da vida. Irmãos brigam entre si e se enfurecem com frequência, o importante é que a ira seja superada pela reconciliação e, idealmente, que a posição menos estupida acabe prevalecendo.
A estupidez de um católico, contudo, é motivo de escândalo para os que não creem, arranha a própria credibilidade da Igreja, afasta ainda mais aquelas pessoas de boa vontade que não conhecem a Cristo. Trabalho há décadas cercado por jovens universitários e posso confirmar a ideia de Chesterton. A imensa maioria dos jovens busca o bem. Perdem-se quando não encontram o caminho justo… E muitas vezes o acesso à estrada justa está atulhado por enormes pedras de estupidez.
Exemplifico aqui algumas situações com que me deparo frequentemente nos meios universitários. Um pai católico, bem-intencionado, mas que costuma tomar decisões autoritárias e ter falas agressivas, pode fazer mais estrago que uma dezena de “ideólogos de gênero”, cuja posição se fortalece na crítica à postura daquele pai. Por outro lado, pessoas igualmente bem-intencionadas, que desejam combater a discriminação e a injustiça, frequentemente deixam-se levar por um extremismo que nega a realidade e a própria natureza do ser humano. Teólogos e padres espalham a confusão e minam a credibilidade da Igreja atacando seus irmãos de fé que pensam diferente, sem buscar uma posição mais verdadeira que integre a todos – acabam fazendo proselitismo em causa própria, prejudicando tanto o bem-comum quanto o cristianismo.
Nenhum de nós é particularmente culpado da maior parte das idiotices com que muitas vezes “brindamos” nossos irmãos. Muitas vezes repetimos aquilo que aprendemos de nossos mestres, que por sua vez repetem o que aprenderam de outros mestres. Em outras ocasiões, nos posicionamos de forma reativa contra idiotices e não percebemos verdades profundas que as acompanham. Carregamos um tesouro, que nos vem por meio de Cristo, em vasos de barro, que somos nós mesmos e nossa limitada inteligência do mundo (cf. 2Cor 4, 7).
Observando as reações de jovens sem fé às idiotices que fazemos muitas vezes, constato que nossos erros geralmente nascem de um descuido com relação a três compromissos:
O compromisso com o amor
Todo ser humano quer ser amado. Nos escandalizamos quando sentimos que não fomos amados tal como merecemos ou quando vemos alguém sofrer intensamente por não se perceber amado. O amor é o maior dos mandamentos (Mt 22, 37-40), o maior dos valores cristãos (cf. 1Cor 13, 13). Ele se expressa no cuidado com o pobre, na acolhida ao aflito, no perdão ao ofensor, na tolerância com o diferente. Toda vez que faltamos com o amor, por razões até compreensíveis (como a exaustação ou uma desatenção momentânea) ou inaceitáveis (como o olhar egoísta ou preconceituoso), estamos – de alguma forma – cometendo uma destas idiotices que afastam os outros de Cristo e da Igreja.
O compromisso com a verdade
Frequentemente amamos mais nossas ideias do que a verdade. Preferimos recortar a realidade, ficando apenas com aqueles aspectos que nos interessam, do que aceitá-la integralmente, o que nos obrigaria a reconhecer coisas que não nos agradam. Assim como se escandalizam com a falta de amor, as pessoas também não se sentem atraídas por um espaço onde a realidade não é respeitada e compreendida. A polarização partidária nas últimas eleições foi, sob esse aspecto, um flagelo para a comunidade católica. De todos os lados parecem ter vindo fake news e informações desencontradas, sem argumentos racionais. A falta de um diálogo construtivo, que reconheça acertos e erros de ambos os lados, é um contratestemunho que afasta justamente aqueles que estão mais interessados e abertos à verdade.
A verdade e o amor devem andar juntos
A verdade não pode ser pregada sem amor. Muitas vezes somos agressivos e intransigentes com o outro, porque não procuramos ouvi-lo e entendê-lo antes de condenar sua posição. Jesus diz de si, “eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6). Se Cristo é a verdade, evidentemente suas ideias também são verdadeiras, mas a formulação evangélica sugere algo mais: a verdade se manifesta no encontro com uma pessoa que nos ama, não na exposição das ideias que são verdadeiras. Essa exposição de ideias verdadeiras só adquire sentido se precedida e acompanhada por um gesto de amor.
Por outro lado, um amor que não expõe a verdade deixa de ser um amor real. Como podemos amar uma pessoa e aceitar que viva na mentira e no erro? Mais cedo ou mais tarde ela encontrará a infelicidade. Portanto, o amor também supõe a apresentação da verdade – porém dentro de uma caminhada marcada pelo amor mútuo. Os amigos e os amantes descobrem e redescobrem juntos a verdade ao longo da vida, respeitando os tempos e os passos um do outro.
O compromisso com a humildade
Não sabemos amar como deveríamos, nem mesmo como gostaríamos. Não somos donos da verdade, pelo contrário, deveríamos ser apenas seus servidores. Já fizemos, continuamos a fazer e iremos continuar fazendo coisas estupidas ao longo de nossa vida. Não adianta nos escandalizarmos com a estupidez, seja de nossos irmãos, seja de nós mesmos. Mas não podemos nos acomodar a ela. Temos que procurar superá-la sempre, por amor a nossos irmãos e a nós mesmos. Para isso, é fundamental sermos humildes, reconhecer nossos erros, aceitarmos a justa correção, estarmos dispostos a mudar para melhor. O verdadeiramente humilde não se envergonha diante do outro. O medo e a sensação de constrangimento quando nos mostram nossos erros nascem de nosso orgulho e não de nossa humildade. Aquele que é verdadeiramente humilde tem uma liberdade que se torna um convite ao irmão, que faz da correção uma ocasião de descoberta mútua e uma possibilidade de crescimento na amizade e na fé.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia