Violência eleitoral: o pior cenário

O recente assassinato de um petista por um bolsonarista, em Foz do Iguaçu, trouxe uma carga a mais de tragédia numa campanha eleitoral que todos já temem ser particularmente violenta no Brasil. Na sociedade brasileira, a violência política sempre esteve presente, ainda que poucas vezes nos demos conta disso. Ela parece um fenômeno excepcional, como a facada em Bolsonaro, na campanha para as últimas eleições presidenciais. Mas, infelizmente, a realidade é bem diferente do que imaginamos…

Na última eleição municipal (2020), o Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, registrou 485 casos de violência eleitoral praticados contra políticos, incluindo ameaças, agressões, atentados, sequestros e até homicídios (que responderam por 21% das ocorrências).  Nos primeiros seis meses de 2022, o número de casos de violência eleitoral registrados por esse grupo de pesquisa já é 23% maior do que o de 2020 (214 contra 174 ocorrências). E devemos considerar que, em 2020, as eleições eram municipais, com um número muito maior de candidatos do que em 2022, quando são estaduais e nacionais.

A análise estatística realizada pela equipe do Observatório mostrou que a violência não estava associada particularmente a uma posição de direita ou esquerda, apesar de nossa tendência de sempre querer associar o mal àqueles que estão do lado oposto ao nosso no espectro ideológico. A maior parte das vítimas são brancos, com formação universitária, mas isto reflete apenas o fato de a maioria dos políticos brasileiros terem esse perfil pessoal. Segundo essa análise, os políticos que têm mais chance de serem vítimas de violência, sendo menos numerosos na população, mas sofrendo proporcionalmente mais ataques, são os não brancos, de baixa escolaridade e de cidades pequenas. Repete-se assim, na política, o padrão de vulnerabilidade à violência que perpassa nossa sociedade como um todo.

Um cenário a ser evitado a qualquer custo

A violência política é o resultado extremo de um quadro de insuficiência de uma democracia. Mostra que as instituições políticas e de segurança pública não estão à altura do desafio de garantir a participação, a justiça e a construção do bem comum na sociedade.

Países com democracias bem estabelecidas, com sociedades bastante seguras, podem enfrentar casos de violência contra políticos. É o caso recente do Japão, com o assassinato de Shinzo Abe, ex primeiro-ministro, praticado por uma pessoa desequilibrada, num evento totalmente desvinculado dos embates políticos em curso no país. Infelizmente, não é essa a situação na violência política brasileira.

O fato de um ato violento ter um componente político não significa que seja um ato premeditado ou mesmo conscientemente incentivado pelas lideranças políticas. No caso do assassinato ocorrido em Foz do Iguaçu ou da facada dada em Jair Bolsonaro, na última campanha eleitoral, as investigações nunca encontraram evidências de uma ação premeditada de um grupo político. Contudo, os perpetradores faziam uma associação ideológica que os motivava a cometer o crime.

Assassinatos premeditados, como o do prefeito petista Celso Daniel, ocorrido em 2002, famoso pela suspeita de ter acontecido para acobertar um escândalo de corrupção, são casos de polícia. Já os atos de violência não premeditados, que aparentemente não correspondem aos valores e à visão de mundo dos próprios perpetradores, indicam um outro problema, de natureza sociocultural.

O ressentimento e a raiva subtraem nossa humanidade

Instilar no povo a animosidade contra seus adversários sempre foi uma estratégia dos líderes políticos. Os novos meios de comunicação, contudo, criaram a possibilidade de alcançar mais pessoas e potencializar cada vez mais seu ressentimento e sua raiva. Os “influenciadores digitais” logo aprenderam que os discursos de ódio, que canalizam o ressentimento e a raiva represados nas consciências, se difundiam facilmente e davam celebridade a quem os enunciava – e o desencanto com as condições socioeconômicas, comprometidas por uma sucessão de crises econômicas, e a frustração com o desempenho dos políticos, afundados em escândalos de corrupção e incapazes de dar respostas aos problemas da população, são terreno fértil para discursos políticos violentos.

Assim, a polarização política vem se tornando cada vez mais extremada, o diálogo cada vez mais difícil e a raiva contra aquele que pensa diferente cada vez mais frequente. Nesse clima, quaisquer contrariedades ou ofensas – por menores que sejam – podem levar a uma violência desproporcional e descontrolada. A reação instintiva se sobrepõe à decisão racional e até mesmo aos valores professados, o diálogo necessário se transforma em confronto desnecessário, chegando à agressão indesejada e até à violência trágica.

O ressentimento e a raiva, mesmo que sejam compreensíveis, corrompem aquela autoconsciência que nos faz humanos, nos tornando cada vez mais animalescos, ainda que usemos os mais sofisticados discursos intelectuais para justificar nossas posições.

O cristianismo e a pacificação dos corações

É natural e justo que as pessoas fiquem indignadas e protestem diante de situações de corrupção, injustiça e não reconhecimento da sua dignidade. Nos Evangelhos, o próprio Cristo vive momentos de grande indignação, quando, por exemplo, acusa os escribas e fariseus de hipocrisia (Mt 23, 23-38) ou quando expulsa os vendilhões do templo (Jo 2,13-17). Existe, porém, uma grande diferença entre a justa indignação e a raiva ressentida.

Bento XVI, ao explicar a expressão “dar a outra face” (cf. Lc 6, 29), diz que não se trata de não responder ao mal, mas sim de responder ao mal com o bem (cf. Rm 12, 17-21). Essa é a atitude justa, que transforma a indignação em caminho de construção e não em violência ressentida. Mas, para isso, nosso coração tem que estar pacificado – e esse é um grande desafio vivido pelos cristãos nesses tempos difíceis e agressivos.

Aquilo que pacifica nosso coração é viver num âmbito de amor, terno e acolhedor, que se desenvolve não apenas em termos emocionais, mas se torna critério racional para olhar o mundo e discernir sobre o certo e o errado. Inversamente, quando nos abandonamos à raiva e ao ressentimento, nos afastamos desse âmbito de amor. Por isso, aqueles que instilam a indignação raivosa em nosso meio – mesmo que o façam com a melhor das intenções, denunciando, por exemplo, o aborto, a violência contra os mais pobres ou o aumento da fome – acabam colaborando para que nos afastemos de Cristo e percamos um pouco de nosso comportamento genuinamente humano.

Para os cristãos, a justa opção alternativa não é deixar de indignar-se, mas sempre ter em mente o amor de Cristo por nós mesmos e por todos os seres humanos, um amor que chama à santidade, mas também sabe perdoar, encher-se de misericórdia e de ternura, não quebrar a cana rachada, nem apagar o pavio que ainda fumega (cf. Mt 12, 20). Um amor que procura o bem comum, antes de optar pela mera destruição do adversário. Alternativa ingênua? Pode parecer, mas é a partir dela que o cristianismo há vinte séculos ajuda a fazer um mundo melhor. Nessa opção, cada um de nós pode transformar a própria indignação em ocasião de memória do amor de Deus por nós e oportunidade de nos reencontrarmos com Cristo.

Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia

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O que o Documento de Aparecida diz para cada um de nós?

Em 2007, o CELAM (Conselho Episcopal Latino-americano) realizou a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, com o lema “Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que Nele nossos povos tenham vida” e que resultou no Documento de Aparecida. O então Cardeal Jorge Mário Bergoglio presidiu a comissão de redação do texto e seu conteúdo tem um vínculo amplamente reconhecido com o pontificado de Francisco. Em 2021, a pedido do Papa, o CELAM iniciou uma ampla retomada continental desse Documento, que culminou num texto, recém-lançado, intitulado “Nossas dívidas com Aparecida: balanço 15 anos depois”.

Como essas reflexões podem ser úteis para cada um de nós? Um dos erros mais comuns, no estudo dos documentos eclesiais, é fazer uma leitura seletiva, onde procuramos as passagens que confirmam nossas ideias prévias e deixamos de lado os trechos que não se adequam a nossos pensamentos. Outro erro comum é fazer uma reflexão genérica, de caráter teológico e sociológico, que não incide em nossa vida. Em oposição a essas duas posturas, aquela justa é a de perguntarmo-nos “o que Deus quer me dizer com esse texto?” – pois, na verdade, nada que diga respeito à Igreja tem sentido se não passar pela conversão de nossos corações.

O discipulado missionário

O ponto de partida do Documento de Aparecida – bem como de toda trajetória religiosa do Papa Francisco – é, sem dúvida alguma, o encontro com Cristo. A pessoa apaixonada espelha, em tudo que faz, a sua paixão. O discípulo, diz Francisco, é aquele que “permanece” com o Senhor, que se deixa guiar por Ele. Não uma postura moralista ou discernimento meramente intelectual, mas um “estar junto”, uma companhia afetiva que ilumina a caminhada.

Esta paixão, este permanecer, é (ou deveria ser) nosso modo de sermos discípulos de Jesus, um dos eixos fundamentais das reflexões de Aparecida. Discursando aos bispos latino-americanos durante a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro (2013), Francisco propôs critérios que bem poderiam orientar um “exame de consciência” de cada um de nós sobre como vivemos esse discipulado. Em primeiro lugar, o discipulado é “missionário”. Essa paixão por Cristo não nos fecha em nós mesmos, numa postura intimista, mas é vivida indo-se ao encontro do irmão, se ocupando de suas necessidades, comunicando a ele a alegria que vivemos. Quem se fecha em si mesmo, ainda que com boas justificativas, como excesso de trabalho ou saúde precária, não vive plenamente esse “discipulado missionário” – mas, se nos propusermos a tal, Deus nos ajuda a superar qualquer dificuldade e realizar o seguimento a Cristo e o encontro com os irmãos. Nesse discurso aos bispos, o Papa ainda adverte tanto contra as reduções sociologizantes quanto às intimistas (que chamou “ideologização psicológica”) da fé, alerta contra o intelectualismo dos “católicos iluminados” e o desejo de uma “restauração” de disciplinas e valores – que podem até ser justos, mas acabam se confundindo com uma dinâmica meramente humana.

Para que todos tenham vida

O lema de Aparecida, “Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que Nele nossos povos tenham vida”, reafirma a centralidade de Cristo tanto em nossa caminhada humana – é Nele, não em riquezas, prazeres ou ideologias, que temos a vida – quanto na promoção humana, pois o discípulo missionário não pode estar alheio a tudo aquilo que diminui e avilta a vida de nossos povos.

As condições de pobreza material e as injustiças sociais estão entre os maiores desafios a nosso discernimento cristão. Ninguém, em sã consciência, poderá duvidar que tanto a vida terrena de Jesus quanto a atuação histórica da Igreja estão marcadas pelo compromisso para com os mais pobres e fragilizados, sempre na busca da realização da justiça e do amor. Contudo, as formas pelas quais a justiça se realizará e a pobreza será superada são questões polêmicas, carregadas de visões ideológicas e politizações. Muitos cristãos se negam a enfrentar esses problemas, outros abraçam uma posição ideológica que lhes parece conveniente e até instrumentalizam a mensagem cristã para se sentirem legitimados. Nenhuma dessas posições é possível para aquele que deseja viver como um “discípulo missionário”. Somos convidados a enfrentar o risco da ideologização, o aborrecimento causado pelos discursos sectários, as dificuldades e o cansaço do trabalho comprometido com a realização do bem comum.

Um olhar que nasce da fé e da oração

Mas como superar a ameaça da ideologização da fé? No discurso acima citado, Francisco lembra dois aspectos importantes das reflexões em Aparecida, que muitas vezes são perdidas por serem dadas por “óbvias”. Em primeiro lugar, a importância da “oração com o Povo de Deus”, pois os bispos não apenas tinham sua rotina de orações, mas também estavam perto do Santuário e da movimentação e oração dos peregrinos que o visitavam. Depois, lembra que não existe um “ver” neutro, toda compreensão da realidade se dá a partir de um quadro referencial. Então, se pergunta Bergoglio, “com que olhar vamos ver a realidade? Aparecida respondeu: Com o olhar de discípulo”.

Não existe discernimento cristão sem oração – e a oração não é intimista, é um ato íntimo, mas que se conecta a toda a comunidade cristã. Essa postura orante, “em saída”, não determinada apenas por nossos sofrimentos e aspirações, não é óbvia e pode exigir um grande trabalho de conversão de cada um de nós. Por outro lado, nesses tempos de incertezas morais, batalhas ideológicas e polarização política, poder ver o mundo com os olhos de Cristo deveria ser um dos nossos esforços mais importantes.

A Introdução e o primeiro capítulo do Documento de Aparecida são particularmente instrutivos do que seja esse olhar a que se refere o Papa Francisco. Ao retomarem, em rápidas pinceladas, a caminhada da Igreja em nosso continente, os bispos recordam as “luzes e sombras” dessa história, feita por seres humanos e sujeita às nossas contradições e pecados, mas nunca perdem de vista a gratidão e a alegria pelos dons recebidos. Como iriamos ver mais tarde nos vários escritos do Papa Francisco, o Documento nos mostra um olhar cristão que é sempre humilde, nunca triunfante, sempre repleto de fascínio e gratidão pelo amor e pela beleza dos dons recebidos.

Esses capítulos, que podem até parecer óbvios e formais, apontam para uma postura diante da realidade carregada de fascínio pela beleza, cheia de alegria e gratidão pelos dons recebidos, permanentemente comprometida com o bem dos irmãos. É um modo cativante de viver a fé, mais do que suficiente para justificar a retomada do Documento. Como dizem os bispos, citando Bento XVI:

“Nossa maior ameaça é o medíocre pragmatismo da vida cotidiana da Igreja, no qual, aparentemente, tudo procede com normalidade, mas na verdade a fé vai se desgastando e degenerando em mesquinhez. A todos nos toca recomeçar a partir de Cristo, reconhecendo que não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (Nº 12).

Francisco Borba Ribeiro Neto
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O atentado aos estudantes no Texas e a ação policial no Rio de Janeiro: uma reflexão sobre o horror e o mal

Terça-feira, 24 de maio, foi um dia trágico. No Texas, um jovem assassinou 19 crianças e 2 adultos; 23 pessoas morreram numa ação policial do BOPE nas favelas do Rio de Janeiro. De um lado, uma sociedade que, mesmo sendo rica e desenvolvida, não consegue atender adequadamente pessoas com distúrbios psicológicos, onde o acesso fácil às armas de fogo se tornou uma ameaça à população. De outro, uma sociedade extremamente desigual, onde as populações pobres vivem simultaneamente sob a ameaça e o fascínio do crime organizado, onde a polícia age com truculência e a juventude muitas vezes olha o futuro com desesperança.

O horror do mal e a mensagem cristã

Atentados aparentemente fortuitos, perpetrados por pessoas que nos parecem desiquilibradas, são aparentemente mais comuns em alguns países, como nos Estados Unidos, onde ocorreram 213 tiroteios em massa só em 2022! Os atentados em escolas são mais frequentes naquele país, mas também ocorrem no Brasil. Nos últimos cinco anos, tivemos quatro atentados a escolas: Goiânia (GO) em 2017, Medianeira (PR) em 2018, Suzano (SP) em 2019 e Saudades (SC) em 2021.

Diante desses episódios, a pessoa de fé não consegue deixar de repetir a pergunta de Bento XVI no Campo Nazista de Extermínio de Judeus em Auschwitz-Birkenau: “Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou? Como pôde tolerar este excesso de destruição, este triunfo do mal?”. Para os diretamente envolvidos nas tragédias, palavras de consolo pouco adiantam. A solidariedade mais efetiva frequentemente se dá pela oração e, em alguns momentos, por um acontecimento inesperado no qual se vislumbra com mais clareza a presença da própria Misericórdia.

No Catecismo da Igreja Católica, encontramos uma interessante citação de Santo Agostinho: “Deus todo-poderoso […] nunca permitiria que qualquer mal existisse nas suas obras se não fosse suficientemente poderoso e bom para do próprio mal, fazer surgir o bem” (CIC 311). Vivemos nossa fé na esperança dessa revelação da bondade última de Deus, alicerçados num Acontecimento que de alguma forma já se faz presente entre nós, dando força para o presente e perspectiva para o futuro (cf. BENTO XVI. Spe salvi, SS 7-9).

Entender o mal, para saber que caminhos seguir

Ataques a escolas e atentados em locais públicos parecem ser cada vez mais frequentes. Em parte, isso se deve a condições propícias para a divulgação desse tipo de crime. São acontecimentos relativamente raros, mas de grande impacto midiático. A divulgação dos casos, dando notoriedade aos assassinos, e um certo incentivo a atos de violência nas redes sociais e em certos âmbitos da internet criaram um clima que estimula certas pessoas a realizarem tais atos. Isso não quer dizer que se tornam assassinas só por isso, mas esses estímulos podem induzir a manifestação de um comportamento agressivo.

O adensamento populacional e a forma de vida moderna reduziram em muito as oportunidades de encontro e os espaços de convivência. Em meio à multidão, estamos muito mais solitários que nossos antepassados em suas aldeias e comunidades. O anonimato e a aparente irrelevância pessoal acompanham a solidão. Ao mesmo tempo, os ideais de autonomia e autorrealização criaram como que uma obrigação de sucesso e diferenciação, particularmente entre os jovens. Ser um “looser” (perdedor) é a maior desgraça que pode acontecer a um deles.

Diante dessa contradição, da sensação de ser irrelevante, “descartável”, frente à necessidade de se tornar reconhecido e importante para ser amado e valorizado, passam a pulular na sociedade comportamentos extravagantes e grupos de desajustados. Campanhas de ressentimento e ódio nas redes sociais estimulam mais ainda a violência.

Os estudos mostram que os perpetradores de ataques a escolas frequentemente eram jovens tímidos e inseguros, com dificuldade para fazer amigos e sujeitos ao bullying por parte dos colegas. Frequentemente vem de contextos familiares “disfuncionais”, com pais violentos ou ausentes, traumas de infância, inaptidões ou marginalização social. São jovens que quase sempre têm dificuldade de encontrar um sentido e uma esperança na vida. Se julgam incapacitados de terem uma vida normal e procuram culpados para sua condição, podendo atribuir essa culpa a pessoas sem relação com sua história de vida. Importante observar a maioria dos jovens com esse perfil não se torna um assassino violento. Tomarão outra direção na vida e superarão, ao menos em parte, seus problemas.

Como enfrentar o mal?

Como poderemos nos proteger do mal? Como proteger aqueles que amamos? Essa é uma das perguntas mais fundamentais que todos ser humano faz ao longo de sua vida. Programas de saúde, seguradoras e empresas de segurança patrimonial existem e proliferam justamente por causa disso. Mas, conforme lembram os Salmos, quem confia nas próprias forças e nos recursos humanos para garantir sua segurança está se iludindo (cf. Sl 20, 31, 84). Essa não é uma afirmação derrotista, mas um sadio realismo que nos liberta de nossos próprios limites. Aquele que confia verdadeiramente no Senhor não se imobiliza diante dos desafios, mas pode analisá-los com mais tranquilidade e enfrentar as tragédias – quando ocorrem – com mais esperança.

Famílias bem formadas, em condições de acompanhar a vida dos filhos, e um ambiente sadio para crianças e jovens são as melhores defesas contra esses atentados. Mesmo isso não cria uma garantia que essas tragédias não acontecerão em nossos lares ou nossa comunidade. Alguns dos assassinos, nesses ataques a escolas, vinham de famílias consideradas bem formadas e viviam num ambiente sadio. Porém, o investimento nas famílias e no ambiente em que vivem os jovens, quando bem-feito, sempre ajudará a construir um mundo melhor.

Um olhar mais amplo sobre a segurança pública

As diferenças entre as duas realidades, do atentado no Texas e das mortes no Rio de Janeiro, ajudam a compreender que não se pode conquistar a segurança pública apostando na violência, seja pela truculência policial, seja pela ilusória garantia de autodefesa carregando armas. Nossa segurança é o fruto do “desenvolvimento humano integral”, que alcança todas as pessoas, em todas as dimensões de sua vida. Melhoria das condições socioeconômicas, acolhida tanto material quanto afetiva dos jovens, educação aos valores, maior eficiência da polícia e do sistema judiciário, recuperação e reinserção dos criminosos – são muitos aspectos da questão, todos agindo em conjunto.

O debate sobre o porte de armas, independentemente do direito de cada um de nós à autodefesa, tende a ocultar a necessidade de uma ação eficaz do Estado para garantir a segurança. A ênfase nos condicionamentos socioeconômicos muitas vezes oculta tanto a importância da liberdade e da responsabilidade pessoal, quanto as dificuldades enfrentadas pelos agentes da lei. Necessitamos de uma visão integral do problema, que considere todos seus aspectos, iluminados pela justiça e pelo amor.

Encontrar soluções para os problemas de segurança pública não é tarefa da Igreja. Contudo, como observou Bento XVI, a Igreja não pode deixar de se interessar por esta temática, uma vez que a busca da justiça e a promoção da civilização do amor constituem aspectos essenciais da sua missão de proclamar o Evangelho de Jesus Cristo.

Francisco Borba Ribeiro Neto
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