Caderno Fé e Cultura Especial Finados

O tempo da morte e o tempo dos vivos

Núcleo Fé e Cultura. A morte é um grande espelho da vida. Diante dela, intuímos a grandeza e a miséria de nosso ser, a força e a futilidade de nossas pretensões éticas… Leia mais

Uma reflexão de finados do Papa Francisco

Redação. Homilia proferida pelo Papa Francisco na Missa de Finados, no Cemitério Prima Porta (Roma), em 2016. Jó estava na escuridão. Estava exatamente na porta da morte… Leia mais

Apressemo-nos para amar

Monja beneditina camaldulense. Apressemo-nos para amar, as pessoas se vão tão cedo, delas restam apenas um par de sapatos e um telefone mudo… Leia mais

O realismo humano e o sentido cristão da morte

Adrian J. Walker. Nossas sociedades secularizadas tentam evitar a morte, de um modo (só aparentemente) contraditório, tentando fugir dela (como na obstinação terapêutica, que, visando salvar um paciente terminal, submete-o a grandes sofrimentos) … Leia mais

A morte na percepção do velho Simeão

Francisco Borba Ribeiro Neto. Deixai agora vosso servo ir em paz, conforme prometeste, ó Senhor. Pois os meus olhos já viram vossa salvação, que preparastes perante a face de todos os povos. Luz para iluminar as nações… Leia mais

Sete minutos depois da meia-noite

Rafael Ruiz. Há muitas formas de falar ou não falar sobre a morte. Mas, sem dúvida, uma das formas mais difíceis e mais duras é quando uma criança de 12 anos tem … Leia mais

 

Caderno Fé e Cultura: quando ciência e Cristianismo se encontram

Quando ciência e Cristianismo se encontram na busca da sabedoria

Núcleo Fé e Cultura. É notório que o Cristianismo buscou desde logo o diálogo com a Filosofia, reconhecendo a validade e até a necessidade da busca humana pela verdade e pelo conhecimento sobre o … Leia mais

A Igreja e a árvore das ciências

Marina Milanello do Amaral Pais. “Precisaria a Igreja da ciência? Certamente que não, a cruz e o Evangelho bastam-lhe. Mas ao cristão nada de humano é alheio. Como poderia a Igreja desinteressar-se da mais nobre … Leia mais

São Francisco e a ciência da experiência

Marcos Aurélio Fernandes. Como a espiritualidade e a mística franciscanas ajudaram a moldar a ciência moderna. Ciência é uma forma de saber e de consciência humana sempre a caminho e em transformação. Cada … Leia mais

Uma saga humana da transcendência dos próprios limites

Rafael Ruiz. A minissérie Sem Limites, produzida pela Amazon Prime e RTVE, rememora uma das gestas mais grandiosas da navegação de todos os tempos: a primeira vez que alguns homens, comandados pelo … Leia mais

Poetas, policiais e anarquistas: a aventura humana segundo Chesterton

Raúl Cesar Gouveia Fernandes. A diversificada obra do escritor inglês Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) abrange os campos da Filosofia, da Teologia e da Literatura. Sua criação mais famosa talvez sejam os contos protagonizados por … Leia mais

O mapa do Brasil dividido

Francisco Borba Ribeiro Neto. Interesses e posições diferentes são inevitáveis na política, mas, quando não existe compreensão mútua, são impossíveis diálogo e consenso … Leia mais

Onde a sabedoria cristã se evidencia… e onde é perdida

O jornal Folha de São Paulo, insuspeito em suas posições secularizadas, publicou dois artigos sobre religião, no mínimo curiosos. O primeiro, datado de 1 de setembro, estampava no título “Religiosos são mais satisfeitos com suas vidas sexuais, diz estudo britânico”. O outro, publicado no dia seguinte, dizia que 56% da população acredita que política e valores religiosos devem andar juntos.

Sexo feliz é sexo com amor

A pesquisa inglesa é particularmente interessante, ainda que os resultados sejam até óbvios para quem tem uma boa formação religiosa. Os pesquisadores encontraram, conforme esperavam, que pessoas religiosas fazem menos sexo do que as não-religiosas. Contudo, essa diferença se dá entre os que não vivem com um cônjuge estável (sejam esposos oficialmente ou não). Casados, sejam religiosos ou não, praticam sexo com frequências semelhantes. Como esperado pelas normas da maioria das igrejas, pessoas religiosas evitam o sexo fora do casamento e/ou sem uma relação afetiva forte e confiável.

O que surpreendeu, na pesquisa, foi constatar que esposas religiosas se declaram, em média, mais satisfeitas com sua vida sexual que as não religiosas. O estudo mostrou também que as mulheres, mais que os homens, para se realizarem sexualmente, parecem depender mais da vinculação entre o amor e o sexo. Ora, ao valorizar o matrimônio, o amor e o respeito mútuo, desaconselhar relações extraconjugais, as religiões indiretamente incentivam os casais (e mais ainda os homens, que não se sentem tão propensos a isso) a praticar o ato sexual como um gesto de amor e não como simples manifestação instintiva.

A fé e a razão na política

Vamos ao outro caso, o da política. À primeira vista, parece irracional uma pessoa considerar que política e valores religiosos devem andar sempre juntos (frase com a qual 56% dos brasileiros concordam total ou parcialmente) ou dizer que é mais importante um candidato defender os valores da família do que ter boas ideias sobre economia (visão compartilhada total ou parcialmente por 60% dos brasileiros). Mas, se analisarmos com cuidado, veremos que se trata de uma observação absolutamente racional, para quem tem uma experiência positiva com a religião.

De que adianta uma pessoa ter ótimas ideias, se for desonesto e não estiver preocupado com o bem comum? Usará suas ideias para se enriquecer e manipular a nação, ao invés de apoiar os cidadãos. Por outro lado, se não tiver boas ideias, mas for sincero, humilde e bem-intencionado, mudará de posição ao perceber que suas ideias não estão dando certo e descobrirá um caminho justo. Como a família é o apoio mais importante e seguro para os pobres e os fracos, parece óbvio que uma pessoa que a defende deve ser honesta e se orientar para a construção do bem comum.

Quem encontrou acolhida, apoio e orientação dentro de uma religião, tenderá a confiar mais em pessoas religiosas ou que têm ideias religiosas do que nas demais. É natural e lógico, não tem nada de fundamentalismo ou de fé cega…

Os valores religiosos não são irracionais e realmente correspondem às aspirações do ser humano. Mas, então, por que enfrentamos uma onda secularizante e um cancelamento cultural dos cristãos tão forte? Uma resposta fácil é dizer que se trata do poder dos mal-intencionados, que querem manipular o povo. Não deixa de ser verdade, mas não podemos negar que, no passado, o “lado cristão” (se é que podemos falar assim) é que estava no poder (ao menos aparentemente), então algo mais complexo deve ter acontecido para essa “virada do jogo”.

Entender o que aconteceu

O “exame de consciência” pode estar fora de moda, mas ainda é um dos maiores instrumentos que a sabedoria da Igreja nos deu para chegarmos mais facilmente à verdade. Perguntar-se “onde foi que eu errei?” sempre nos ajuda a ver as coisas de forma mais realista. Pois bem, onde os cristãos erraram para que acontecesse essa “virada de jogo”, que fez com que a sabedoria e a humanidade do cristianismo deixassem de ser reconhecidas?

As religiões de modo geral costumam ser carregadas de uma profunda inteligência sobre a natureza e os anseios das pessoas, porém, para que isso se manifeste,  a religião deve andar em consonância com a razão, tal como defendeu Bento XVI no seu célebre discurso em Regensburg (infelizmente reduzido, por seus críticos, a uma simples disputa sobre a violência do islamismo). Razão é fé, se orientando mutuamente, nos permitem compreender melhor quem somos nós, quais são nossas necessidades e nossos anseios, como nos realizarmos no mundo.

Uma adesão irracional aos valores da fé, mesmo quando esses são verdadeiros, nos leva ao sectarismo e à violência. Ficamos mais apegados a nossas normas do que ao amor gratuito, que recebemos de Deus e devemos comunicar a todos. Temos que reconhecer, por exemplo, que um apego moralista a muitos valores cristãos fez com que se perdesse em muitas oportunidades a comunicação da íntima associação entre sexo e amor, característica do cristianismo… Ou que muitos políticos demagogos se dizem defensores da família e dos valores cristãos, mas demonstram exatamente o contrário em suas vidas e decisões.

Onde falta o discernimento, o mal se infiltra com facilidade e a natureza mais intima do cristianismo, que é o amor gratuito de Deus por nós, é perdido e substituído por valores e normas que parecem cristãos, mas não satisfazem o mais íntimo do coração humano.

A sabedoria, a humanidade e o amor expressos na fé cristã são um fato. Cabe a nós o discernimento justo que nos permite testemunhar essa riqueza – sem nos perdermos em sectarismos e posturas ideológicas que podem até imitar o cristianismo, mas são caminho para o mal.

Francisco Borba Ribeiro Neto
Publicado originalmente em Aleteia

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partir  da  doutrina  social  da  Igreja.

Política e eleições a partir das reflexões do Papa Francisco e da Doutrina Social da Igreja

Diante de um quadro político extremamente agressivo e polarizado, as comunidades católicas têm tido dificuldade para dialogar sobre as escolhas a serem feitas nas eleições que se aproximam. Multiplicam-se, dentro do ambiente eclesial, as “bolhas ideológicas”, onde as pessoas tendem a concordar entre si, mas não contemplam os argumentos contrários. Nesse clima, as reflexões podem até ser frutíferas, permitindo aprofundar posições já cristalizadas, mas não colaboram para o diálogo constantemente proposto pelo Papa Francisco (cf. Discurso no encontro com a classe dirigente do Brasil; Querida Amazonia, QA 108; Fratelli tutti, FT 198ss).

Em função disso o Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP propõe, a partir do Compêndio da Doutrina Social da Igreja e da encíclica Fratelli tutti, do Papa Francisco, a reflexão sobre três questões polêmicas relacionadas à política e às eleições que se aproximam:

  1. Estamos cansados de política, devemos mesmo refletir sobre isso? Como dialogar sem dividir nossas comunidades e nossas famílias?
  2. Os católicos deveriam ter um partido ou votar obrigatoriamente em alguns candidatos e não em outros?
  3. Existem mesmo princípios irrenunciáveis que devem orientar as escolhas políticas dos católicos? Se existem, quais são?

Para cada questão é apresentada a posição da Igreja, conforme expressa nos documentos citados, e uma discussão sobre as objeções levantadas com mais frequência a essas posições. Existe sempre, em cada resposta, a preocupação de ouvir e responder às objeções levantadas por posições antagônicas no debate ideológico, buscando construir uma visão integral e não partidarizada de cada tema.

Para aprofundar qualquer um desses temas ou para solicitar assessoria para encontros, envie um e-mail fecultura@pucsp.br.

Seguindo os princípios irrenunciáveis

Existem “princípios irrenunciáveis” que nascem da doutrina social da Igreja?

Sim, existem, mas devem ser adequadamente compreendidos para serem propostos ao mundo…

Em primeiro lugar, temos que lembrar que os princípios da doutrina social da Igreja, ainda que iluminados pela fé, referem-se à natureza do ser humano e da história (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, CDSI 72-75, 83-84). Nesse sentido, podem ser compartilhados mesmo por quem não compartilha da fé católica, conforme já vimos anteriormente. Então, num mundo relativista como o nosso, consideramos esses princípios “irrenunciáveis” pois eles se referem àquelas coisas que fazem com que nos percebamos como humanos. Por exemplo, um ser humano tem uma dignidade intrínseca que deve ser respeitada; contudo, nos damos conta do nosso próprio valor como pessoas no seio de uma família, em primeiro lugar por meio do amor e da dedicação que nossos pais nos deram. Uma pessoa que não tenha vivenciado esse amor familiar, ou o tenha vivenciado de forma deformada, terá muito mais dificuldade para se dar conta da própria dignidade. Por isso, tanto a dignidade fundamental da pessoa (com tudo aquilo que implica) quanto a família são princípios irrenunciáveis para qualquer ser humano, não importa qual a sua confissão religiosa.

Por outro lado, temos que reconhecer que nos damos conta de quais princípios são irrenunciáveis principalmente no momento em que são proclamados ou que estão em risco. Por exemplo, no passado, em sociedades onde a maioria da população era iletrada, tanto o direito quanto a liberdade de educação não seriam enunciados pelas pessoas. Nessas mesmas sociedades, a família poderia também não ser apresentada como princípio irrenunciável, pelo simples fato que haveria uma concordância geral sobre esse tema e as pessoas pensariam em outros direitos ligados à constituição da família (por exemplo, direito a uma remuneração justa), ao invés de pensarem na própria família como um direito.

A Congregação para a Doutrina da Fé, em 2002, publicou a Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, na qual propunha a existência de “princípios irrenunciáveis” que deveriam orientar a conduta política dos católicos. O texto não trazia um elenco sistemático de princípios, apenas alguns exemplos que, na época, pareciam mais prementes. O combate à corrupção, por exemplo, é um princípio irrenunciável evidente (cf. CDSI 411), mas que não está listado no documento. A defesa da vida, que estava em pauta na maior parte dos países europeus na época, é amplamente citada, mas outros princípios também são citados, como a liberdade e a paz.

Sem fazer um elenco completo, mas procurando apenas dar exemplos, a Nota Doutrinal já citada lista cinco “princípios irrenunciáveis”: (1) o direito à vida, (2) a proteção e promoção da família, (3) a liberdade – em particular religiosa e de educação, (4) a economia a serviço da pessoa e (5) a construção da paz. Todos são irrenunciáveis, não podemos escolher um e esquecer outros.

Candidatos e partidos frequentemente respeitam alguns desses princípios e desrespeitam outros. Além disso, existem aqueles que declaram seguir esses princípios na teoria, mas os traem na prática. Por isso, o simples enunciado desses princípios não é suficiente para resolver nosso problema de discernimento político. Para aplicarmos esses princípios de forma adequada, precisamos superar uma visão reduzida, orientada por um falso “realismo político”. Muitos acreditam que chegar ao poder é a única forma de conseguir aquilo que almejamos. Para tanto, acreditam ser “realista” abdicar de certos ideais em nome de outros. Uns, em nome da opção pelos pobres, deixam de lutar contra o aborto. Outros, em nome da defesa da vida, fecham os olhos à situação dos mais pobres.

Quando caímos nesses reducionismos, perdemos a unidade e a coerência interna do Magistério católico, permitindo a instrumentalização da doutrina social e dando razão às dúvidas de nossos irmãos. A postura justa é aquela de sempre buscar uma visão integral e unitária de todos esses princípios, orientada ao diálogo e à construção do bem comum (cf. CDSI 162).

Se nosso candidato ou grupo político trai algum desses princípios, nosso dever é alertá-lo e exortá-lo a uma adesão mais completa e integral a todos eles – mesmo que isso signifique uma perda política. Podemos chegar até ao ponto de deixar de darmos nosso apoio ao político. O que não podemos é fechar os olhos quando algum desses princípios é abandonado, com alegações como “o adversário faz pior” ou “temos que aceitar isso para defender aquilo”.

Dois princípios são particularmente úteis para nos orientar nos debates brasileiros atuais: (1) a defesa da vida e (2) a economia a serviço do bem comum (que podemos identificar com a opção preferencial pelos pobres, nos termos mais comuns na América Latina). São particularmente importantes porque representam polos antagônicos nos discursos partidários hegemônicos, e considera-los juntos nos ajuda a superar as polarizações ideológicas. Quando falamos em defesa da vida, temos que ter em mente que não se trata apenas do combate ao aborto e à eutanásia, também se morre antes da hora por fome e por violência. A economia a serviço do bem comum, por sua vez, deve tomar o combate à pobreza como prioridade, mas integrando-a à defesa do meio ambiente e a verdadeira promoção humana.

Uma abordagem interessante para estudar essa integração entre esses dois princípios (defesa da vida e opção preferencial pelos pobres) é ler os artigos que falam deles tanto no Compêndio da Doutrina Social da Igreja quanto na Fratelli tutti (FT) e depois refletir e dialogar sobre eles em conjunto, sem se ater a um ponto ou outro em especial. Desse modo, percebemos uma visão unitária de defesa tanto da vida quanto dos mais frágeis, orientada pelo amor social e rumo a uma política melhor. A seguir, apresentamos uma sugestão de pontos a serem lidos:

  • A vida como primeiro valor a ser defendido, o aborto e a eutanásia (CDSI 155), as lições da pandemia (FT 54-55) e a defesa do mais frágil (FT 188).
  • O direito de todos à vida e à dignidade (FT 106-111).
  • Os pobres na tradição bíblica (FT 74, CDSI 323-325).
  • A situação da pobreza no mundo de hoje (CDSI 3, 5, 449) e a função da doutrina social (CDSI 81).
  • A primazia da pessoa (CDSI 105-107), o descarte tanto das coisas quanto das pessoas (FT 18-24),
  • O papel social da propriedade (FT 118-120, 137-138) e a destinação universal dos bens (CDSI 182-184).
  • A economia (CDSI 332-335, FT 33-34, 168-169) e a globalização (CDSI 362-367).
  • O trabalho (CDSI257) e a superação dos assistencialismos (FT 162)
  • A criação de laços e o combate ao individualismo (FT 87), o valor da solidariedade (FT 116),
  • A política como ato de amor (FT 187), a empatia (FT 218-220), a paz social (FT 233-235).