Escrevo esse texto antes do segundo turno da eleição para presidente, sem saber o seu resultado. O leitor talvez já saiba o resultado ao lê-lo, talvez não. Desejei começar assim para deixar claro que as observações a seguir não têm significado partidário, valem seja lá quem for o ganhador do pleito.
No primeiro turno, Lula obteve 36,6% do total de votos possíveis (que incluem também brancos, nulos e abstenções). Bolsonaro, 32,6%. Num primeiro momento, mais de 60% da população brasileira não apoiou nosso futuro presidente, seja ele qual for. Ainda que isso seja normal numa disputa democrática, a polarização acentuada dessa eleição torna ainda mais urgente pacificar os ânimos exaltados pela disputa partidária e caminhar para um projeto comum de Nação, capaz de orientar o desenvolvimento e construir realmente o bem comum. Afinal, a pobreza continuará existindo em 2023, seja quem for o governante; assim como os desafios ao desenvolvimento econômico, a necessidade de combater a corrupção, as ameaças à formação de nossos jovens e à construção das famílias.
Uma tarefa para todos
A construção de um país melhor é sempre um processo histórico que se alonga no tempo, que exige tanto a correção dos erros quanto a manutenção dos acertos. Sem um mínimo de consenso em torno a certos pontos, o Estado tem uma atuação errática e, forçosamente, ineficiente. Além disso, é necessário traçar limites claros tanto para os Poderes institucionais quanto para as forças sociais, de modo que todos saibam o que é desejável ou possível, o que não é desejado e até condenável – seja na vida econômica, nas pautas de costumes ou na esfera política propriamente dita. Por isso, a construção de consensos justos é uma prioridade para o Brasil que sai dessas eleições tão dividido e machucado, seja qual for o resultado.
Para os cristãos, existe uma razão a mais para buscar a superação das divisões que se estabeleceram nessas eleições: é no amor mútuo que seremos reconhecidos pelo mundo (cf. Mt 18, 20; Jo 13, 35). Estar juntos, mesmo reconhecendo as diferenças, mas sempre procurando a verdade, é um chamado muito exigente. Como lembra São Paulo, é necessário ser humilde e não se considerar melhor do que os outros, amar até o inimigo, ser paciente na tribulação e constante na oração (Ro 12, 3-21).
Ora, esse comportamento virtuoso, que o Apóstolo explica numa linguagem tipicamente evangélica, implica naquilo que chamamos, na sociedade atual, de empatia – a capacidade de se identificar com o outro, compreender suas dores, necessidades e anseios. Uma empatia absoluta é impossível. Cada um de nós é único e um mistério até para si mesmo, quanto mais para os outros… Mas, quando vemos em nossas comunidades tantas pessoas boas com posições políticas opostas e conflitantes, temos que reconhecer que algumas dificuldades e aspirações não foram compartilhadas, compreendidas e nem mesmo respeitadas. Não podemos imaginar que nosso irmão é “burro” ou “mal-intencionado”, temos que tentar compreender o que existe de mais profundo e verdadeiro em seu coração, nos comprometermos também com essas aspirações e necessidades. Só a partir daí é que poderemos julgar a política e os programas políticos, mantendo-nos em unidade e ajudando a construir um projeto único de nação.
Uma tarefa para os eleitores do vencedor
Uma tendência instintiva no ser humano é o de espezinhar os derrotados. A história é narrada pelos vencedores, diz a sabedoria popular. Mas esse é um comportamento muito nocivo. O derrotado de hoje, frequentemente, é o vencedor de amanhã – e o ressentimento acumulado explode frequentemente sob a forma de um espírito vingativo e do desrespeito até aos direitos do outro. Cria-se uma espiral de rejeição, desprezo e agressividade, dificultando cada vez mais a construção de consensos que levem ao bem comum. Assim, para os eleitores do vencedor, é particularmente importante um esforço de controle para evitar a humilhação do adversário, para manter uma postura de acolhimento e um verdadeiro desejo de entendimento e construção de um projeto comum.
A vitória eleitoral é sinal de que se tem a maioria, não de que se está certo. A verdade não é decidida por um critério eleitoral. Podemos ganhar uma eleição tendo feito as opções erradas, assim como podemos perdê-la tendo feitas as corretas. Por isso, é oportuno que o vencedor não deixe de procurar entender as razões do perdedor. Deve, inclusive, procurar assimilar tudo aquilo que existe de verdadeiro na posição do outro – tanto para melhorar suas próprias propostas quanto para conseguir ainda mais apoio no futuro.
Uma tarefa para os eleitores do vencido
Quem perde tende a se fechar, ressentido e magoado com os demais. É comum considerarmos que o outro “não sabe votar” e, por isso, fez com que os maus ganhassem. Nos fechamos e perdemos cada vez mais a capacidade de dialogar e entender o outro. Porém, se nosso candidato perdeu é porque ele não conseguiu se apresentar para a maioria como o candidato melhor (ou o “menos pior”). Isso exige de nós uma reflexão crítica também de nossa posição.
É fundamental superar o vitimismo e o ressentimento, fazendo uma autocrítica severa e construtiva (que os cristãos tradicionalmente chamam de “exame de consciência). Saber o que não conseguimos comunicar, o que não entendemos, onde nossas propostas estavam objetivamente erradas são passos fundamentais não só para tentar vencer da próxima vez, mas para sermos colaboradores reais na construção do bem comum.
Dialogar e construir juntos
As palavras do Papa Francisco, dirigidas justamente aos brasileiros, na Jornada Mundial da Juventude de 2013, são particularmente significativas nesse momento: “Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo no povo, porque todos somos povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade. Um país cresce, quando dialogam de modo construtivo as suas diversas riquezas culturais: a cultura popular, a cultura universitária, a cultura juvenil, a cultura artística e a cultura tecnológica, a cultura econômica, a cultura da família e a cultura da mídia […] Quando os líderes dos diferentes setores me pedem um conselho, a minha resposta é sempre é a mesma: diálogo, diálogo, diálogo. A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom”.
Mas o diálogo não pode ser um mero ato intelectual. Tem que ser acompanhado por gestos concretos. Este é um momento particularmente importante para desenvolvermos e apoiarmos as obras que constroem o bem comum, seja qual for a posição ideológica e partidária de seus proponentes. O que constrói o bem comum deve ser apoiado, venha de onde vier a proposta, aquele que está disposto a construir coisas boas junto conosco deve ser acolhido e integrado, seja lá quem for.
A responsabilidade para com o bem comum deve temperar tanto a euforia da vitória quanto a melancolia da derrota. Ter em mente aqueles que amamos – e, bom frisar, continuaremos a amar – e que votaram no outro candidato pode ser um bom começo para caminharmos rumo a um Brasil melhor.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Imagem: Guilhem Vellut, Flickr